1.0 out of 5.0 stars
Anotação em 2009: Quando foi feito, em 1968, Faces, de John Cassavetes, encantou os críticos, deixou meio mundo embasbacado. É endeusado até hoje. Não vi na época; ver agora, confesso, foi um suplício. É insuportavelmente chato.
A intenção era dizer uma coisa assim: ah, como são horrorosamente vazias e chatas as pessoas da classe média e da meia idade, como suas vidas são mesquinhas e desprezíveis.
Cassavetes (1929-1989) leva 130 minutos de encheção de saco para nos dizer isso.
O filme mostra uma série de encontros de pessoas, em apartamentos ou em night clubs ou em bares, que falam, brigam, discutem; riem muito, bebem muito, contam piadas muito sem graça – fingem para si mesmos que estão muito alegres, quando na verdade são uns pobres coitados. Falam muito de sexo – falam muito mais que fazem. A rigor, praticamente não fazem, só falam.
E por que, meu Deus do céu e também da terra, o pobre espectador tem que agüentar um papo furado do cão de pessoas desinteressantes, chatas, sem qualquer graça ou brilho, durante mais de duas horas, para chegar à conclusão de que são horrorosamente vazias e chatas aquelas pessoas de classe média e da meia idade?
O pior não é só a chatice das pessoas, e a eterna repetição das conversas imbecis, povoadas de brigas, discussões e piadas sem graças e grandes risadas que não escondem um profundo vazio. O pior é o estilo da câmara.
A câmara altera big close-ups dos rostos daquelas pessoas – nas seqüências passadas nos apartamentos – com tomadas – nas seqüências nos bares – em que outras pessoas passam na frente dos personagens, e aí o espectador não vê direito os personagens lá atrás, escondidos atrás das sombras das roupas de quem passa. O espectador fica assim como se fosse um baixinho de pé no campo de futebol tentando ver o que está rolando no palco durante um show de rock. É tremendamente, mas tremendamente enfadonho, cansativo. Chato.
Um visual propositadamente sujo, feio
É a estética da pobreza.
Os críticos e as platéias papo-cabeça adoram uma novidade. Vai daí que de tempos em tempos surge um sujeito, ou um movimento, com uma novidade, algo que seja diferente do tradicional, do clássico, que eles chamam de careta, acadêmico. No caso da estética da pobreza, essa é uma novidade velha que de tempos em tempos ressurge. Nos anos 90 os dinamarqueses vieram com o Dogma, uma série de regras com a intenção de “purificar” o ato de filmar e livrar os filmes dos orçamentos caros e dos efeitos especiais; para ser o anti-academicismo, o anti-Establishment, o anti-Hollywood, tinha-se que usar só câmara de mão e iluminação natural. Cassavetes já fazia isso nos anos 60 – muita câmara de mão, um estilo à la documentário, semi-documentário, falso-documentário.
Na verdade – é possível perfeitamente conferir isso, vendo agora Faces, ou qualquer outro dos filmes de Cassavetes dos anos 60 que foram lançados agora, segundo semestre de 2009, em DVD no Brasil pela Silver Screen Collection –, o que ele fazia era uma tentativa de aproximação com o cinema europeu do pós-guerra, o neo-realismo italiano, a nouvelle vague francesa, o cinema livre inglês. Em Faces, seus personagens patéticos citam expressamente Bergman e Fellini. As influências de A Doce Vida, de Fellini, e da trilogia A Aventura-A Noite-O Eclipse, de Antonioni, são visíveis. Só que ele exacerbou na forma, na estética da pobreza, na vontade de fazer um cinema visualmente sujo.
Eta trem chato.
Mas os críticos, é claro, babaram.
“Por 35 anos, John Cassavetes teve uma posição singular no cinema americano, mantendo carreiras duplas como um respeitável ator em filmes de sucesso e como um diretor de filmes independentes que exploravam eles mesmos a arte de atuar. Como Orson Welles, ele fundiu os papéis de uma maneira realmente admirável”, baba-se a enciclopédia Baseline. E continua:
“De 1953 até 1956, a ‘idade de ouro’ da TV deu a Cassavetes uma oportunidade única de fazer experiências como ator; fez mais de 80 papéis nesse período de três anos. (…) Pouco depois de trabalhar ao lado de Sidney Poitier em Edge of the City (Um Homem tem Três Metros de Altura), de Martin Ritt (1957), um aterrador retrato de uma ligação inter-racial, Cassavetes começou a trabalhar em seu primeiro longa, Shadows (1960) – também uma história inter-racial, mas com um estilo profundamente diferente. Filmado em 16 mm, em preto-e-branco, em locação nas ruas de Nova York, Shadows iniciou uma nova era no cinema americano. Como um ator que virou diretor, Cassavetes mostrou muitas das mesmas preocupações que caracterizavam a visão dos críticos-transformados-em-autores que estavam revolucionando o cinema francês. De uma certa forma, Cassavetes era a nouvelle vague americana, mas com uma diferença. Em vez da perspectiva dos críticos, ele trouxe o entendimento do ator para a cadeira do diretor. O trabalho de Cassavetes muitas vezes é mal interpretado como sendo improvisado, ou mesmo como cinema verité.”
Depois de algum tempo, o texto da Baseline chega a Faces. Diz que ele voltou a trabalhar como ator para poder financiar seus próprios filmes – o texto da enciclopédia não diz, mas naquele mesmo ano de 1968 Cassavetes teve um dos seus mais importantes papéis como ator, como o marido da jovem Mia Farrow em O Bebê de Rosemary, a obra-prima de Polanski. E aí vem:
“Faces, como a maioria dos filmes de Cassavetes, foca intensamente a família e os amigos – dos dois lados da câmara -, enquanto o diretor acompanha a dissolução de um casamento. Como Shadows, foi um sucesso no underground. Através de sua carreira, Cassavetes foi capaz de atrair para seus filmes independentes uma audiência muito maior do que se poderia esperar.”
Uma grande importância histórica, sim – mas uma chatice
Pauline Kael, uma crítica que não é chegada a uma babação, põe as coisas mais em seu lugar, na minha opinião. Diz ela: “O método semi-documentário de John Cassavetes é peculiar naquele que seus triunfos e fracassos são não apenas inseparáveis do método, mas com freqüência difíceis de separar uns dos outros. As atuações, tão ruins que chegam a ser vexatórias, às vezes parecem também revelar alguma coisa, e somos obrigados a reconsiderar nossos conceitos sobre boa e má atuação. Mas trabalhando a partir de si mesmos (como fazem seus atores), eles não podem criar personagens. Os desempenhos não têm alcance suficiente, e tendemos a nos cansar deles antes que o filme acabe. Mesmo assim, muita gente acha esse psicodrama agonicamente autêntico e belo.”
Bem. Para mim, de belo, neste filme insuportavelmente chato, só há Gena Rowlands – a mulher do diretor na vida real e mãe do também cineasta Nick Cassavetes. Ela faz o papel de Jeannie, uma puta de luxo com que se envolve o empresário Dick Forst (John Marley, na segunda foto neste post), cujo casamento com Maria (Lynn Carlin, na foto acima) está indo pro brejo, enquanto a própria Maria tem um rápido caso com um sujeito atraente, Chet (Seymour Cassel), que fica conhecendo num bar.
A extraordinária beleza, a presença forte de Gena Rowlands (na foto no alto do post) é uma coisa absolutamente impressionante. Mesmo assim, é pouco, num filme tão chato de se ver.
Para mim, é assim: tudo bem, a importância histórica de Cassavetes é inegável. Inovar, subverter, revolucionar – isso é ótimo, uma beleza. É bom dar uma chacoalhada, espantar a mesmice, abrir caminhos alternativos. Especialmente dentro do cinema americano, na época e quase sempre o mais poderoso comercialmente e mais influente do mundo. A produção americana independente que floresceu em especial a partir de meados dos anos 80 é uma das grandes forças do cinema mundial hoje, e ela deve muito aos caminhos abertos por Cassavetes.
OK, beleza. É preciso reconhecer a importância histórica. Está reconhecida.
Agora, desafio qualquer um a ver Faces hoje e ao final dizer, com toda sinceridade, que gostou.
Um P.S.: Com essa frase final, me ferrei. Desafiei e perdi, conforme mostra o comentário de LC, logo abaixo.
Faces/Faces
De John Cassavetes, EUA, 1968
Com John Marley (Richard Forst), Gena Rowlands (Jeannie Rapp), Lynn Carlin (Maria Forst), Fred Draper (Freddie), Seymour Cassel (Chet), Val Avery (McCarthy), Dorothy Gulliver (Florence), Joanne Moore Jordan (Louise), Darlene Conley (Billy Mae)
Argumento e roteiro John Cassavetes
Fotografia Al Ruban
Produção Continental.
P&B, 130 min
*
É, texto muito bem escrito, com uma defesa coerente dos seus argumentos. Porém, desculpa, mas faltou coerência NOS argumentos.
Até entendo você não ter gostado do filme (e louvável reconhecer sua importância ao cinema mesmo assim), mas esse tom de VERDADE ABSOLUTA que permeia seu texto é irritante, principalmente pelo final:
“desafio qualquer um a ver Faces hoje e ao final dizer, com toda sinceridade, que gostou”
Bem, Faces é um dos meus filmes favoritos, revejo sempre que posso … E aí, como faz agora? Quer dizer, eu, assim como outro tanto de pessoas, “pago de cult”?
Torno a dizer, muito bem escrito seu texto. Porém, quando se argumenta com base no gosto pessoal APENAS e o coloca como ABSOLUTO, perde-se toda e qualquer credibilidade ante uma análise mais séria, beirando o infantil.
Enfim, perdão se fui grosso.
Abraços. 😉
O que escrevo nos meus comentários é apenas a expressão da minha opinião pessoal. Não pretendo nunca ser dono da verdade – tanto que, em especial quando comento filmes de que não gostei, ponho a opinião de outras pessoas. Foi o que fiz ao falar do Faces. Está cheio de outras opiniões.
E agora o post tem também a sua opinião – o que é uma maravilha.
Obrigado por ter enviado seu comentário.
Sérgio
Baixei recentemente pq li que tem a filha da Joan Crawford,Christina Crawford.
Fiquei desanimado com essa critica.
Mas vou criar coragem e ver…
Que crítica nojenta.
Reforço o que o senhor LC disse: Embasar uma crítica em um gosto pessoal mesquinho e equivoco do como o cinema deve ou não ser feito, sem nenhuma fundamentação filosófica ou histórica é algo totalmente, totalmente “irritante”.
Um crítico, em minha opinião, deveria sentir VERGONHA em escrever uma crítica com um simples “achei chato”. Principalmente um filme que exige análise.
Espero que reveja seus conceitos da próxima vez que veja esse filme.
E, claro,
“Perdão se fui grosso.”
Tive o prazer de ver essa obra prima a pouco tempo no cinema. Gosto muito, sai com a sensação que hoje se esqueceram do que é fazer cinema.
eita, sérgio, eu amo esse filme =].
e discordo do que fala a kael quanto à atuação das personagens. ao contrário dela, não julgo serem as atuações ruins e tampouco vexatórias. julgo o contrário.
escrevi aqui só pra responder ao desafio hehe.
abração.
Não chego a ter essa aversão gigantesca mas concordo contigo em praticamente todos os pontos. Cassavetes tomou um chá de filmes do Antonioni e, como o italiano, fez um filme vazio para falar do vazio. Fez personagens risíveis para criticar a futilidade das pessoas. Os diálogos são reais, ok , mas superficiais, chatos, tolos. vc tomou algumas porradas do pessoal que sei lá porque se sentem ofendidos por você não gostar do filme mas a crítica acima de tudo é de caráter extremamente pessoal, não haveria sentido da existência se não fosse desta forma.
Pô, Eliezer, muito obrigado pelo comentário.
Fez muito bem pra mim, depois de tanta porrada que levei por causa desse texto…
Um abraço!
Sérgio
Opiniões e gostos devem sempre ser respeitados. Você não gosta do filme, ok. Mas… você gosta de cinema? E sabe o que é uma crítica? Péssima sensação abrir um link – que parecia cinematográfico – e encontrar um “achei chato” e frases debochadas sobre a obra de um artista.
Faltou Cahiers na sua formação…
Abraço,
Igor