0.5 out of 5.0 stars
Anotação em 2009: Belíssima foi o terceiro filme de Luchino Visconti, um dos maiores cineastas de todos os tempos. Foi feito em 1951, ainda no auge do neo-realismo, com a estrela maior do movimento, Anna Magnani, e com argumento concebido especialmente para ele por Cesare Zavattini, o papa daquele tipo de cinema que os italianos criaram no imediato pós-guerra.
Os nomes que desfilam pelos créditos iniciais do filme – sobre as imagens de uma grande orquestra e coral que executam uma peça de Donizetti, algo bem moderno, num tempo em que os créditos normalmente eram antes de qualquer ação – são importantes, impactantes. É quase um quem-é-quem do cinema italiano da segunda metade do século XX, que foi um dos melhores do mundo, para muitos o melhor. Além de Zavattini e do próprio Visconti, estão lá os nomes de Suso Cecchi d’Amico, uma das mais respeitadas roteiristas da história, Francesco Rosi e Franco Zeffirelli, ambos mais tarde importantes cineastas – o primeiro no mundo do filme político, o segundo em grandes espetáculos internacionais –, e ainda Alessandro Blasetti, um prestigiado diretor do cinema italiano, precursor do neo-realismo.
O neo-realismo fascinou o mundo todo. Foi a raiz da nouvelle vague francesa do finalzinho dos anos 50 e início dos anos 60, do cinema novo brasileiro, do cinema dos jovens raivosos da Inglaterra nos anos 60; até nos anos 90 seria a luz mestra para o cinema do Irã pós-revolução islâmica, no breve intermezzo moderado antes do retorno à radicalização. Nos Estados Unidos, Pauline Kael, atenta ao que de importante se fazia na Europa, escreveu:
“Dizem que este filme de Luchino Visconti (seu terceiro) foi concebido quando o diretor buscava uma atriz infantil para uma produção diferente e se viu cercado por 4 mil mães, cada uma gritando: ‘A minha é belíssima!’ O filme é uma visão satírica do mundo do cinema de Cinecittà, e, também, talvez, a comédia mais simpática do diretor. Está cheio de impulsos contraditórios, e é prejudicado por um final muito certinho, glorificando a sabedoria da gente simples, mas no centro tem a grande Anna Magnani como uma mãe vidrada na tela, decidida a fazer uma estrela da filhinha sem graça de cinco anos (Tina Apicella). Anna Magnani inscreve a filha num concurso para encontrar ‘a criança mais linda de Roma’; há uma seqüência devastadora, em que a mãe…”
Não, não vou entregar para eventuais leitores que possam querer ver o filme o que acontece nessa seqüência, que é já bem no final da narrativa de Visconti. Mas acrescento a conclusão da frase de Pauline Kael: “Magnani mostra sua extraordinária forma”.
Uma denúncia contra a “indústria da evasão”
Então. Embora com tantos elementos ligados ao neo-realismo – a atriz principal, o autor do argumento, o próprio ambiente social, as classes populares, trabalhadoras, humildes –, Belíssima passou para a história como um filme que renegava o neo-realismo, ou ia além dele. Visconti foi o primeiro grande cineasta italiano a romper com o movimento.
“Belíssima, ou o cavalo de Tróia na cidadela neo-realista…”, definiu Laurence Schifano, no seu livro Luchino Visconti – O Fogo da Paixão, uma biografia premiada pela vetustérrima Academie Française. (O livro foi editado no Brasil em 1990 pela Nova Fronteira.) A autora conta que, naquele ano de 1951, “no debate aberto no seio do Partido Comunista sobre a sufocação do neo-realismo”, Visconti foi “o primeiro a criticar as imagens folclóricas e sentimentais, a insipidez das comédias tipo Pão, Amor e Fantasia”.
Em Belíssima, o diretor de cinema que vai escolher ‘a criança mais linda de Roma’ é Alessandro Blasetti, interpretado por ele próprio. Segundo a biógrafa Laurence Schifano, Visconti disse ao colega para fazer o que quisesse em cena, que procurasse ser ele mesmo. “Mas – diz a biógrafa de Visconti – cada aparição dele na tela será traiçoeiramente acompanhada do tema da ária do charlatão, tirada do Elisir d’amore, de Donizetti. Quando almas caridosas lhe chamaram a atenção para isso, Blasetti, que, segundo Visconti, não conhecia a ópera, envia uma carta furibunda ao colega… ‘Por quê?’, responde-lhe este último. ‘Somos nós que pomos ilusões na cabeça das mães e das moças. Pegamos pessoas na rua e estamos errados. Vendemos um elixir do amor que não é elixir. Como na ópera, é vinho de Bordeaux. Não usei o tema do charlatão para ti, mas para mim’.”
“Na verdade”, prossegue Laurence Schifano, “é todo o mundo do cinema, colocado como ilusão e indústria da evasão, que é denunciado através de seus cineastas, mas também de seus cabeleireiros, modistas, fotógrafos, ‘professoras’ de arte dramática, de todos os parasitas que vivem numa fervilhante atividade em torno da grande colméia de sonhos.”
A mesma idéia, em três filmes
Um registro necessário. Dois anos depois de Belíssima, Visconti, Rossellini e mais três diretores fariam Nós, as Mulheres/Siamo Donne, a partir de uma outra idéia do roteirista Cesare Zarattini: um filme em episódios mostrando grandes atrizes interpretando a si próprias. O episódio de Visconti é com sua amiga Anna Magnani. (As outras atrizes são Alida Valli, Isa Miranda e Ingrid Bergman.) Um dos episódios, o dirigido por Alfredo Guarini, é um repeteco da idéia que originou Belíssima: um estúdio procura uma atriz para um de seus próximos filmes, e centenas de mulheres acorrem até lá com o sonho de se tornar estrela de cinema.
Isso foi em 1953. Quarenta e dois anos depois, o cinema iraniano da década em que os aiatolás permitiram alguma moderação copiou de novo a idéia: em Salve o Cinema/Salam Cinema, o cineasta Mohsen Makhmalbaf criou um concurso para selecionar atores, e filmou a loucura que aconteceu a partir daí.
Um dos filmes mais irritantemente berrados da história
Demorei 58 anos para ver Belíssima; não vi nos meus tempos de cineclube, adolescente em Belo Horizonte, onde comecei direto pelas obras posteriores de Visconti, Rocco e seus Irmãos, O Leopardo, Vagas Estrelas da Ursa, e só fui ver agora, no DVD lançado pela Versátil. Corro o risco de ser para todo o sempre excomungado de todas as confrarias de fãs de cinema, mas, dane-se, lá vai: achei o filme a maior merda. Do mesmo nível de Pão, Amor e Fantasia, de Luigi Comencini, que Visconti criticava em 1951 e que também revi outro dia destes – ou pior até.
É bem provável que seja um dos filmes mais irritantemente berrados, gritados, da história do cinema mundial. “Quite the noisiest film ever made”, como o define, britânicamente, o Film Guide da Time Out. Todos aqueles romanos, especialmente as romanas, falando ao mesmo tempo, disputando o concurso de quem berra mais – mas não só; disputando também o concurso de quem gesticula mais, quem faz caretas mais improváveis.
Meu amigo Jorge Teles, que venera Anna Magnani como a maior deusa de todo o panteão, que me perdoe, mas…
Visconti, dizem, deixou Anna Magnani improvisar à vontade – e ela improvisou todas as caretas possíveis e imagináveis, um repertório de deixar Jim Carrey sem expressão diante da derrota no quesito quanto mais caretas melhor. Ela neste filme aqui e Toshiro Mifune em Trono Manchado de Sangue podiam se dar as mãos e sair passeando com as caretas deles.
E, tudo bem, mesmo que Anna Magnani seja uma estrela maior, pelamordedeus, aquela Maddalena que ela interpreta… Que adjetivo dar para uma pessoa que leva 115 minutos de ação para perceber o óbvio do óbvio do óbvio, aquilo de que até o chão da Cinecittà já sabia desde o início, a não ser idiota?
Bem: meu amigo Jorge Teles, para quem há Dostoiévski no céu e Anna Magnani na tela, uma enciclopédia ambulante, artista múltiplo, mandou um comentário – aí abaixo – que é, para dizer o mínimo, muito melhor do que esta minha anotação.
Belíssima/Bellissima
De Luchino Visconti, Itália, 1951.
Com Anna Magnani, Tina Apicella, Walter Chiari, Gastone Renzelli, Alessandro Blasetti
Roteiro Suso Cecchi d’Amico, Francesco Rosi e Luchino Visconti
Baseado em argumento de Cesare Zavattini
Assistentes de direção Francesco Rossi e Franco Zeffirelli
Produção Film Belissima
P&B, 115 min
1/2
É isso mesmo, Sérgio. Belíssima é um filme chatinho.
Se pensarmos que Visconti, um ano antes, tinha feito A terra treme/La terra trema, filme com praticamente nenhum orçamento, com os atores recolhidos em uma aldeia de pescadores da Sicilia, e que se constituiu num dos pilares do neo-realismo italiano, perceberemos que, com Belíssima, o diretor deu um passo atrás.
Se pensarmos também que Anna Magnani já tinha fama internacional por seu extraordinário desempenho em Roma, cidade aberta/Roma, città aperta, de 1945, dirigido pelo então seu marido, Roberto Rossellini, podemos concluir que, também para Anna Magnani, o filme Belíssima tem um significado menor. Segundo Visconti, o filme é ela. Ela improvisava o tempo todo. A cena da cantada do galã jovenzinho, Walter Chiari, que logo logo se tornaria um mito, à beira do rio, foi improvisada, havia apenas um roteiro esboçado.
Dizem que não era fácil trabalhar com ela. Segundo o imdb, era o trigésimo terceiro filme dela. Mas… vamos divagar um pouquinho sobre esta atriz extraordinária, para visitantes mais novos deste site.
Anna começou cantando em cabarés. Fez algum teatro. Em 1948, ela já com 40 anos, participou de um filme de Rosselini chamado L’ Amore, em dois episódios. O primeiro era A voz humana/La voce umana, de uma peça de Jean Cocteau. O segundo, O milagre/Il miracolo, texto de Federico Fellini. Anna aparece nos dois episódios e, uma curiosidade… Fellini atua no segundo.
Após o sucesso mundial de Roma, cidade aberta, Anna fez três filmes nos Estados Unidos. A rosa tatuada/The rose tatoo, de Daniel Mann (levou o oscar, 1956), Wild is the wind, de George Cukor e The fugitive Kind, de Sidney Lumet (não sei os nomes dos dois últimos em português). Sobre o primeiro, diga-se que Tennessee Williams escreveu a peça para ela. Aceitou um cachê pequeno, com a condição de que Anna fizesse o papel de Serafina delle Rose.
Vamos esquecer que Rosselini, com quem era casada, largou-a para ficar com Ingrid Bergman. Pensemos em coisas mais sérias.
Ficou um período sem filmar mas um cineasta-poeta a resgatou. Pasolini, o artista maldito, que jogava pedra para todo lado, inclusive para cima, escreveu para ela Mama Roma. É um filme pesado, um tipo de neo neo-realismo. Anna está incrível.
Novo período sem filmar. Segundo ela, numa entrevista que consta de um documentário, rejeitava muitas propostas porque eram filmes ruins e filmes ruins ela já tinha feito alguns. O teatro a reconquistou. Zefirelli a dirigiu em A loba/la lupa, de Verga. A peça excursionou pela Rússia.
Anna, a romana, foi Roma três vezes. Roma, cidade aberta, Mama Roma e… Roma, o pseudo documentário, de Fellini. Para quem acompanhou a trajetória da atriz, de quem não se ouvia mais falar, sua aparição no filme é emocionante, de arrepiar. Quem quiser, confira no Youtube; é uma cena curtíssima. Ela é ela, Fellini é ele mesmo:
http://www.youtube.com/watch?v=XbTWR3If2Gc
Tradução:
Narrador (Fellini): Esta senhora que volta para casa, indo junto ao muro do antigo palacete Patrizio, é uma atriz romana, Anna Magnani, que também poderia ser um pouco o símbolo da cidade!
Ela: O que sou eu?
Narrador: Uma Roma vista como loba e vestal, aristocrática e maltrapilha…
Ela: O quê?
Narrador: …tétrica, palhaça, poderia continuar até amanhã de manhã.
Ela: Ah, Federi. Vai dormir, vai.
Narrador: Posso fazer uma pergunta?
Ela: Não. Não confio. Ciao. Boa noite!
E bate a porta na cara dele.
Em síntese, uma digníssima homenagem. Foi a última aparição dela nas telas. Quanta simplicidade, Fellini e Magnani! Coisa de semi-deuses.
gostei de ler, coisas novas etc.pena o vídeo (trecho de Roma/ documentário de Fellini) não estar mais disponível
Eu não vi este ” Belíssima ” mas acabei de ver ” Mamma Roma “, como disse o Jorge Teles de Paolo Pasolini, 1962.
Não vi no youtube e sim em outro site de filmes online.
Bom, em “Mamma Roma” a Anna não faz caras, bocas e caretas ao contrário, até dá umas gargalhadas bem gostosas.
Guardei duas frases da Mamma que gostei e são verdades.
“Cada um é responsável por aquilo que é” .
“O mal feito por própria culpa é como uma estrada onde caminham outros que não têm culpa de nada” .
Existem também algumas cenas bem marcantes.
Não sei se voce viu Sergio, mas eu gostei.
Estes dias vi também e gostei de.
” Diário de um Pároco de Aldeia ” – Robert Brésson, 1951.
“La Cara Oculta” – Andrés Baiz, 2011-Espanha.
“Hannah Arendt” – Margarethe Von Trotta.
Ale/Lux/Fra- 2012- É um filme sobre uma filósofa política Alemã de origem Judaica.
Eu não conhecia. Achei um bom filme.
“O Homem de Gelo”- Ariel Vromen.2012 – EUA .
Este filme é uma história real.
Um abraço e uma ótima tarde !!