O Acompanhante / The Walker


3.5 out of 5.0 stars

Anotação em 2008: Paul Schrader, roteirista e diretor prolífico, autor de Taxi Driver mas também de Marcas da Maldade/Forever Mine, que considerei seriíssimo candidato ao título de pior filme do mundo, aqui se redime do que fez de ruim sobre esta Terra.

Este é um belo filme, que traz boas reflexões sobre o poder, a política, a riqueza, a honra, o caráter.

A abertura já demonstra talento e inteligência. Enquanto são apresentados os créditos iniciais, a câmara vai fazendo um travelling circular numa sala elegante, rica; ouvem-se as vozes de várias mulheres e de um homem – obviamente um homossexual, com uma fala afetadíssima sob um forte sotaque sulista. Falam bobagens, coisa miúda, mundana – falam mal de diversas outras pessoas. O travelling continua, sem corte algum; a câmara se aproxima das mãos de uma das mulheres, que mexe cartas de baralho; passa por ela, e chega às mãos do homem; aí a câmara sobe para o rosto dele; há o primeiro corte, e um plano de conjunto mostra todos os personagens.

acompanha1O homem é Carter Page III – uma interpretação magistral, extraordinária, de Woody Harrelson. As mulheres com quem ele joga, veremos em seguida, são todas casadas com importantes políticos – estamos em Washington, a capital do Império. Natalie Van Miter (Lauren Bacall), Abigail Delorean (Lily Tomlin) e Lyn Lockner (Kristin Scott Thomas) jogam cartas com Carter uma vez por semana, sempre naquela sala daquele elegante clube.    

Carter, ou Car, como é chamado pelas amigas, é o acompanhante do título. Faz companhia a mulheres riquíssimas em eventos sociais, quando os ocupados maridos estão trabalhando ou envolvidos em tenebrosas transações. Os maridos não se importam, não têm ciúme: todos sabem que Car é homossexual. No meio do papo furado, Car obtém delas informações – vive de vender essas informações, e vive muito bem.

Woody Harrelson constrói com maestria seu personagem; a seqüência em que ele chega à sua casa, tira cuidadosamente a peruca e a pendura no armário é um brilho. Com dez minutos de filme, o espectador já conhece bem o senhor Carter Page III – educado, maneiras finas, conversa agradável, neto de milionário, filho de um senador sulista que foi respeitadíssimo em Washington e odiava o herdeiro homossexual avesso ao trabalho duro normal.

Das amigas do carteado semanal, Car é mais próximo de Lyn Lickner (e Kristin Scott Thomas, sempre competente, também está ótima no papel). São tão íntimos que ele é quem a leva para os encontros com o amante, o lobista Robbie Kononsberg (Steven Hartley). Num dia logo após o focalizado na seqüência inicial, ele deixa Lyn na porta da casa do amante e fica um tempo parado no carro; Lyn volta depressa para o carro, depois de alguns minutos, assustada, apavorada, e conta a Carter que encontrou Robbie morto no chão da sala, assassinado a facadas. Os dois – tanto Car quanto Lyn – sabem do perigo que correm. Se a polícia souber que ela encontrou o corpo, o escândalo será inevitável, o romance da mulher do senador com o lobista será manchete dos jornais.

Para proteger a amiga, Car assume a tarefa de entrar na casa do morto e avisar a polícia – mesmo sabendo que poderá ser tido como suspeito pelo assassinato.

Estamos com uns 15 minutos de filme. A partir daí, o diretor e roteirista Schrader vai traçar uma teia que envolverá chantagem, corrupção, abuso de poder, embates políticos. Um lamaçal imundo será revelado, envolvendo senadores, o ministro da Justiça e até o vice-presidente da República. A tensão, a crise aguda revelarão o caráter verdadeiro de cada uma daquelas pessoas.

Schrader coloca na boca de seu personagem Car uma série de duras, tristes, pesadas constatações. Uma delas é especialmente dolorosa – e reveladora dos sombrios tempos da América de Bush: “Eu tive algumas ilusões destruídas… Pensei que não éramos uma nação agressora. Pensei que havia uma separação entre Igreja e Estado. Diabo, eu até pensei que era o povo que escolhia o presidente”.

O Acompanhante/The Walker

De Paul Schrader, EUA-Inglaterra, 2007.

Com Woody Harrelson, Kristin Scott Thomas, Moritz Bleibtreu, Lauren Bacall, Lily Tomlin, Ned Beatty, Mary Beth Hurt, William Dafoe, Steven Hartley

Argumento e roteiro Paul Schrader

Música Anne Dudley

Produção Ingenious, Kintop, Pathé, Asia Pacific.

Cor, 108 min

***1/2

6 Comentários para “O Acompanhante / The Walker”

  1. Realmente o Woody Harrelson está muito bem, e olha que eu não vou com a cara dele, literalmente; acho que ele tem cara de bobo, às vezes de maníaco.
    Mas enfim, não gostei do filme, chato toda vida, arrastado (sem falar no sotaque tb arrastado e pra dentro do personagem dele). Parece até que colocaram uma prótese na sua boca, notei que os dentes estavam diferentes. É um dos que vai pra lista de filmes que eu não veria de novo.
    Achei bem feito, tem uma plástica muito bonita, se é que se pode falar assim, mas só.

  2. Excelente filme…! Woody Harrelson está realmente impagável..e o sotaque, “dona” Jussara, é que torna o personagem de Woody realmente incrivel… Ah..claro sem contar o prazer de rever a magnifica Lauren Bacall atuando,soberba, com sua voz marcante, inesquecivel…!Woody não tem cara de psicopata.

  3. Tenho que registrar que tive que usar de minha condição de administrador do site – que é afinal é meu mesmo – e cortar uma frase ofensiva do Giba em relação à Jussara. Aliás, Giba, a Jussara conhece muito cinema, e tem um gosto excelente.

  4. Descobri este filme na minha locadora e resolvi alugá-lo, porquanto não tinha nenhuma noticia do seu lançamento. Fiquei surpreso, o filme é excelente e o roteiro é muito bem engendrado (filmes de suspense é da minha predileção).
    Uma das sutilezas do filme, e que deixa para ao espectador descobrir, é como as madames da elite enxergam os gays, são “amigas” deles para sair, para fazer fofocas, escolher objetos de decoração, e quando se veem em apuros recorrem aos seus amigos gays para salvá-las e não têm nenhum escrúpulo em até em incriminá-los pelos seus deslizes e não movem nenhuma palha para salvá-los. Não veem os gays como veem os heteros (provedores, inseminadores, poderosos). Os gays são para elas como um enfeite e estão alí para “serví-las”.
    Alguma diferença da vida real?

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