4.0 out of 5.0 stars
Anotação em 2008: De fato, este é um pequeno extraordinário filme. Simpático, encantador, gostoso, honesto, charmoso – uma pequena obra-prima. Merece completamente toda a adoração que está tendo.
São, na verdade, dois fenômenos simultâneos. Primeiro, claro, o filme em si, alguém conseguir fazer um filme tão redondo, tão perfeito; e, segundo, ele cair no gosto amplo, geral e quase irrestrito das pessoas. É muito raro, acontecerem esses dois fenômenos simultâneos.
Me lembrei de Um Homem, Uma Mulher, na seqüência em que vão todos para a praia, saindo do estúdio de gravação, num amanhecer, e brincam, e pulam – não há som ambiente, não interessa o que os personagens estão falando. Há uma música – e a seqüência de rápidas, belas tomadas. Exatamente como em Um Homem, Uma Mulher – um filme que, como este aqui, contava um fiapinho de história, em belas imagens, de um jeito diferente do usual da indústria, era bonito, era honesto, era simples, era charmoso, e aconteceu de cair no gosto amplo, geral e quase irrestrito das pessoas.
Me lembrei também, é claro, de The Commitments, de Alan Parker. Aí as coincidências são óbvias: Irlanda, o maior celeiro de música do mundo, somente comparável à África, Dublin especificamente, música, músicos iniciantes à procura de uma chance.
Bem, vamos ao fiapo de história que o diretor John Carney quis contar: rapaz que canta e toca violão nas ruas de Dublin conhece moça que sabe cantar e tocar piano; ele tem um grande amor, uma ex-namorada que está em Londres, e compõe canções para ela; a moça o incentiva a gravar um CD com suas canções e a ir a Londres atrás da namorada.
Pronto, é isto. Como diria o João Gilberto muito antes de ficar chato demais, chato de galocha: “É só isso o meu baião, e não tem mais nada, não”. É tudo tão simples que o rapaz e a moça não têm sequer nomes – nos créditos finais, ele aparece como guy, ela como girl. Se quisesse explicitar as semelhanças com Um Homem, Uma Mulher, o diretor e roteirista John Carney poderia ter chamado seu filme de A Guy and a Girl.
Claro que esta é a trama básica; há também detalhes, mas são apenas isso, pequenos detalhes. O rapaz de manhã trabalha com o pai na loja de consertos de aspiradores de pó; de tarde, nas ruas, canta músicas conhecidas, que são mais fáceis de atrair gorjetas; à noite canta suas próprias canções, que vai aperfeiçoando ali mesmo, na rua. A moça é imigrante da República Checa, mas pelo jeito está em Dublin já há algum tempo, porque fala bem o inglês e não está de todo mal instalada, num apartamento humilde mas digno de bairro distante, onde vive com a mãe e a filha de uns dois anos, e até tem um aparelho de TV, o único do prédio.
Uma coisa deliciosa: não tem nenhum personagem filho da puta nem sacana nem doido desvairado no filme. São, todos, pessoas comuns, normais. Aleluia!
Todo o filme é feito com câmara de mão, mas o diretor John Carney não fica fazendo questão de que o espectador perceba isso o tempo todo. Na seqüência inicial, em que um pivete ameaça, ameaça, e acaba roubando o estojo do violão do rapaz com a féria do dia, e é perseguido por ele, e os dois acabam catando juntos as notas e moedinhas espalhadas no chão de uma praça, ele até que usa um truquezinho de mostrar a seqüência em diversas tomadas curtas feitas de diferentes ângulos – mas, fora isso, a narrativa é básica, sem floreios, enfeites, criativóis.
Se for muito atento, o espectador perceberá que o diretor mostra que está fazendo um filme econômico, de baixo orçamento, cru, simples. Quem não prestar muita atenção nem isso perceberá, porque isso é feito de maneira de fato simples, direta, sem insistência.
E então qual é o grande encanto que foi capaz de transformar este filme independente de 2006 em um fenômeno tão grande tão rapidamente?
Bem, na minha opinião, é tudo, é o conjunto da obra – a história simples e ao mesmo tempo fascinante, a linguagem direta, nada empolada, a sinceridade, a simpatia, o frescor, a honestidade dos dois atores principais, e a música. O conjunto da obra, mas, sobretudo a música, a música e a forma como os protagonistas, Glen Hansard e Marketa Irglova interpretam as canções.
O pulo do gato
Bem, agora vem o pulo do gato.
Terminado o filme, me surpreendi ao ver nos letreiros que os protagonistas Glen Hansard e Marketa Irglova são de fato os autores e intépretes da imensa maior parte das canções. Quer dizer: me surpreendi em parte. Em parte não foi tão surpresa, porque eles interpretam as músicas tão bem que seria difícil imaginar que pudessem estar dublando. Mas eu nunca tinha ouvido falar em Glen Hansard e Marketa Irglova na vida – e, cacilda, eu gosto muito de música, acompanho bastante música.
Pode ser que seja falha minha, e muita gente já conheça Glen Hansard e Marketa Irglova antes que o filme fosse feito. Pode ser; não acredito muito nisso, mas pode ser.
E aí fiquei intrigado: será que o diretor pegou dois atores e pediu para eles cantarem e comporem para o filme, como Altman, por exemplo, fez Keith Carradine compor e cantar em Nashville? Mas então é um brilho ainda maior, uma sorte incrível.
Não tenho idéia de como as pessoas estão vendo este Apenas Uma Vez – se chegam ao cinema ou ao DVD já sabendo da história que o filme conta e da história toda do filme. Eu, de minha parte, nunca leio muito sobre filmes que ainda não vi; de preferência, evito até ler resenhas, para evitar que me revelem coisas que o diretor só vai me revelar 15 minutos, meia hora depois de o filme começar. Mas cada um é cada um, claro.
O fato é que, encantado pelo filme e curioso em saber como o diretor conseguiu realizá-lo, depois que ele acabou fui direto aos extras. E são bons os extras do DVD, dois making ofs bem esclarecedores. Making ofs são para a gente ver depois de ver o filme, claro. Portanto…
Se você não viu o filme, não leia a partir de agora
Glen Hansard é músico. Não é um ator que foi levado a aprender a compor e cantar, é um cantor e compositor que já havia trabalhado como ator. Marketa Irglova, checa de nascimento, radicada na Irlanda faz algum tempo, também faz música, e está trabalhando aqui pela primeira vez como atriz.
Bem. Eu não sabia disso. Não sabia que Glen Hansard foi o líder de uma banda chamada The Frames, que gravou dez discos, entre 1992 e 2007. Acho que acompanho música, mas na verdade sou um ignorante – em música e em cinema.
E mais: os dois, Hansard e Markéta, são bem amigos (não fica claro se são ou já foram namorados, e isso a rigor não interessa). Embora basicamente atuando em papéis bem parecidos com os seus próprios na vida real, tiveram que se esforçar para demonstrar que não se conheciam antes, que estavam se conhecendo no momento da ação.
(Tudo isso é dito nos especiais do DVD. Não sou eu que estou falando, estou apenas relatando.)
O diretor John Carney já foi músico; tocou no The Frames, a banda que Glen Hansard criou no início dos anos 90.
Com que então Glen Hansard botou anúncio nos jornais procurando músicos para criar uma banda. Qualquer semelhança com The Commitments definitivamente não é mera coincidência. Até porque Glen Hansard trabalhou no filme de Alan Parker: ele faz o guitarrista Outspan Foster.
Carney bolou seu fiapo de história e não quis desenvolver um roteiro detalhado. Ele mesmo diz nos making ofs que a idéia de seu roteiro cabia num cartão postal – rapaz conhece moça, etc. Pediu a Glen Hansard que criasse músicas para o filme. Depois perguntou a ele se ele não toparia fazer o papel do rapaz, com Marketa Irglova no papel da moça.
Para não assustar muito os dois músicos não atores, Carney optou por filmá-los bem de longe nas cenas de rua. Por isso é que às vezes aparecem pessoas diante da câmara que encobrem a visão dos personagens.
E mais: muito do que se vê no filme não estava explicitado no roteiro básico – foi decidido no momento das filmagens. Os making ofs mostram diversas ocasiões em que tanto o diretor quanto o ator e atriz dizem coisas do tipo: e se a gente fizesse assim, assado, de tal e tal jeito? E se ele dissesse tal e tal coisa?
É tudo tão simples, tão direto, tão básico, que – ainda segundo se diz nos making ofs – houve muita gente que, ao ver o filme, achou que se tratava de um documentário sobre o encontro de dois músicos.
E quase por fim: Carney conta, com todas as letras, que tudo o que ele queria era fazer um filme barato, com o mínimo orçamento possível, sem produtores que cobrassem prazos e fizessem exigências sobre o conteúdo. Segundo o Box Office Mojo, o filme custou ridículos US$ 150 mil; renderia, no mundo inteiro, cerca de US$ 20 milhões, o que o torna provavelmente um dos filmes mais rentáveis de toda a história, em relação a seu custo.
Algumas informações fascinantes no IMDb:
* O filme foi inteiramente rodado em 17 dias;
* As cenas de vídeo em que aparece a namorada do rapaz, a que agora vive em Londres, na verdade são cenas caseiras feitas pelo diretor John Carney de uma antiga namorada dele que foi viver em Londres;
* Tanto Glen Hansard quanto Marketa Irglova já afirmaram que não pretendem trabalhar de novo como atores e querem se concentrar na música. Bom para a música, ruim para o cinema;
* E ainda (e boto aspas): “Bob Dylan ficou tão fã do filme que deu um jeito para que os dois protagonistas, Glen Hansard e Markéta Irglova, fizessem a abertura de parte de sua turnê mundial. Hansard e Iglová também cantaram You Ain’t Going Nowhere para o filme Não Estou Lá/I’m Not There, de 2007.”
***
Bem. Finalmente: a música de Glen Hansard é um folk moderno; suas melodias são bonitas, alternando climas suaves e outros mais duros, mais rascantes, mais chegados a um Van Morrison. Mas basicamente ele me fez lembrar muito Damien Rice. Sua influência básica, segundo o AllMusic, vem de – o rapaz tem bom gosto – Bob Dylan e Leonard Cohen. E, ah, sim, a trilha sonora do filme foi lançada em 2007 e está disponível para download no internet.
Apenas Uma Vez/Once
De John Carney, Irlanda, 2006
Com Glen Hansard, Marketa Irglova
Argumento e roteiro John Carney
Produção Irish Film Board. Estreou em São Paulo 18/4/2008.
Cor, 85 min.
****
Não tive a oportunidade de assistir o filme, contudo já escutei as
Músicas. Eu amo um rapaz que na realidade me considera uma amiga. Ele diz que não quer namorar comigo, que gosta de mim como amiga.
Daí eu ouvi falar nesse filme e estou querendo assistir o filme com alguns amigos.
Vi “Apenas uma Vez” (“ONCE”) nesse final de semana e me apaixonei pelo filme, pelas músicas e pelos músicos/atores GLEN HANSARD and MARKETAIRGLOVA. Fui para a internet para baixar músicas do CD ONCE e para saber sobre eles. Desde sábado que não consigo parar de ouvir “Falliing Slowly” e “Lies”, minhas músicas preferidas. Vou rever o filme não sei quantas vezes, de tanto que admirei.
Aqui está uma pérola de verdade, vi-o hoje e adorei. É difícil fazer um filme mais agradável de ver e de ouvir do que este. A classificação máxima é merecida.
Segundo a Wikipedia o filme custou 130.000 euros o que é uma bagatela e rendeu uns bons milhões.
Mais um filme que vi graças aos seus comentários.
Olá, Sérgio!
Bom filme! Nunca tinha ouvido falar dele. Cruzei com a película, ontem, na televisão portuguesa.
O baixo orçamento é evidente e, realmente, a fórmula do filme deixa pouca margem para críticas negativas.
Tudo é simples e complexo, ao mesmo tempo. Os personagens, apesar de não deixarem claro, indiretamente apresentam seus problemas, dificuldades, sonhos e esperanças.
A ausência de “vilões” e “mocinhos” atesta a maturidade do projeto.
Você destacou bem os predicados da obra: simplicidade e objetividade. Por outro lado, fugindo da corrente que considera o filme perfeito, considero o filme um pouco baixo astral. As músicas são belas, mas de uma tristeza de doer. E, convenhamos, a realidade dos personagens, apesar dos mencionados problemas e dificuldades, também tinha espaço para os sonhos e esperanças refletirem em composições mais alegres.
Independentemente, bom filme! Recomendo!
A critica desse site foi feita por um jumento, sem sentido, críticos todo critico devia levantar a bunda perebenta da cadeira e fazer um roteiro, um triunfo Once
Filme encantador! De vez enquanto assisto novamente, pela música, por ser ambientado na Irlanda, por me fazer suspirar!