Jogo de Sedução / Dot the I


Nota: ★★★☆

Anotação em 2008: Há um diálogo fascinante, lá pela metade deste filme inglês em co-produção com a Espanha. Kit, o personagem interpretado por Gael García Bernal, está numa lanchonete com os dois amigos, Tom e Theo. Falam da complicação em que Kit se meteu – está apaixonado por Carmen, que vai se casar daí a poucos dias com outro cara, Barnaby.

Um dos dois, Tom ou Theo, não importa, sugere:

– Faça um The Graduate.

– Um o quê? – pergunta Kit.

– The Graduate, você sabe. (The Graduate, A Primeira Noite de um Homem, de Mike Nichols, 1967.) Apareça no casamento. Se ela fugir com você, é isso aí. 

E Kit:

– Pelo amor de Deus, a vida não é um filme.

Tom e Theo riem um para o outro; e um deles (não importa qual) pontifica:

– É, sim. Qualquer coisa que você diga ou faça, já apareceu num filme. Até essa frase que você disse agorinha mesmo vem de um filme. Kevin Spacey no final de O Preço da Ambição (Swimming With Sharks, de George Huang, 1994). – E cita: – “Porque a vida não é um filme. Todo mundo mente. Os mocinhos perdem. E o amor” – faz uma pausa teatral – “não conquista tudo”. 

Esse diálogo, para mim, é a chave do filme. Este Jogo de Sedução é um filme de cinemaníacos, especialmente indicado para cinemaníacos, cheio de citações de filmes, referências a filmes.

Começa com imagens de Carmen, o personagem de Natalia Verbeke, como vistas através de uma câmara de vídeo; todo o tempo há alguém filmando com uma câmara de vídeo o que está acontecendo – a referência, óbvia, é a sexo, mentiras e videotape, o filme independente de Steven Soderbergh de 1989 que levou a Palma de Ouro em Cannes. Depois desse diálogo relatado acima, Kit fará, de fato, como o personagem de Dustin Hoffman em A Primeira Noite de um Homem – e o diretor Matthew Parkhill usará tomadas idênticas às do filme cult de Mike Nichols.

Foi o primeiro longa metragem dirigido por Matthew Parkhill; antes, ele havia feito dois curtas, em 1998 e 2000. Pelo que se vê nos extras do DVD, ele devia estar com uns 40 anos quando fez o filme (não achei a idade dele no IMDB nem em outros lugares da internet); tinha alguma maturidade, portanto, e mostra isso no filme. Mostra maturidade e muito talento.

No making of do filme, ele o define como uma história de amor. De fato, com dez, 15 minutos de filme, temos um triângulo amoroso e um clima quase de uma comedinha romântica americana – e o fato de a ação se passar em Londres não atrapalha essa sensação, já que várias comedinhas românticas americanas das duas últimas décadas se passam em Londres. Carmen, uma bela jovem espanhola arrebatada e arrebatadora que fugiu de Madri e de um namorado possessivo e violento, está namorando Barnaby há mais de cinco meses; ele, um inglês rico, gentil, a pede em casamento, ela aceita. Num restaurante francês onde faz sua despedida de solteira com várias amigas, é convidada pelo maître a cumprir a tradição francesa de beijar um homem qualquer – e beija Kit, um rapaz (imigrante como ela, latino como ela) que está no restaurante com os amigos Tom e Theo. Um beijo longo, molhado, apaixonante, apaixonado. Estamos com dez, 15 minutos de filme.

Uma história de amor. Parece uma comedinha romântica americana.

Depois de metade do filme, tudo vai mudar radicalmente, inesperadamente, como se fosse uma trama de David Mamet

De fato, esse inglês Matthew Parkhill mostra maturidade e muito talento. Pena que isso não tenha garantido a ele outras oportunidades de dirigir; de 2003, ano da produção deste filme, até agora, assinou apenas o roteiro de três episódios para a TV inglesa. 

A atriz que faz Carmen, Natalia Verbeke, linda e talentosa, também merece muita atenção. É argentina, nasceu em 1975, está radicada na Espanha; já tem cerca de 20 filmes no currículo, inclusive os extraordinários O Pai da Noiva e O Que Você Faria?/El Método.

O filme, conforme mostra o pôster, ganhou o prêmio do público no Festival de Deauville e foi selecionado para o Sundance, a Meca do cinema independente.

Jogo de Sedução/Dot the I

De Matthew Parkhill, Inglaterra-Espanha, 2003.

Com Gael García Bernal, Natalia Verbeke, James D’Arcy

Argumento e roteiro de Matthew Parkill

Fotografia Alfonso Beato

Música Javier Navarrete

Produção Summit.

Cor, 92 min

***

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