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Resenha na coluna O Melhor do DVD, no site estadao.com.br, em 2001: Entre 1959 e 1960, no auge de sua extraordinária, absurda beleza jovem – tinha 27, 28 anos -, Elizabeth Taylor fez dois filmes tão distantes entre si quanto água e vinho, mel e azeite, George W. Bush e Franklin D. Roosevelt, Chico Buarque e Britney Spears, Truffaut e John Woo. O primeiro, de 1959, é um drama forte, pesado, à frente de seu tempo, lidando com temas até então quase tabus. O segundo é um dramalhão digno de novela de TV, repleto de clichês, previsível. Basta dar uma olhada nas primeiras linhas do quadro logo abaixo para ver a desproporção entre os talentos envolvidos no primeiro e os nomes responsáveis pela direção, argumento e roteiro do segundo para constatar o desnível.
Em comum, o que os dois têm é apenas a faiscante beleza de Liz – e o talento de atriz que ela lutava para demonstrar que tinha, além ou apesar do rosto magnífico.
Os dois filmes trazem de volta uma fantástica ironia da história de Hollywood: a atriz foi indicada para o Oscar nas duas ocasiões. E ganhou pelo filme ruim.
De Repente, no Último Verão (Suddenly, Last Summer) | Disque Butterfield 8 (Butterfield 8) | ||
Produção | EUA, 1959. | EUA, 1960. | |
Diretor | Joseph L. Mankiewicz.Um dos grandes diretores americanos, um dos mais intelectualizados, autor de tramas e texto finos, elegantes, inteligentes. Dirigiu obras-primas como A Malvada, A Condessa Descalça, Jogo Mortal. | Daniel Mann.Bom diretor de atores – veio do teatro. Entre seus filmes mais elogiados estão Eu Chorarei Amanhã e A Rosa Tatuada, este baseado em Tennessee Williams. Passou do drama à comédia e daí para a TV. | |
Baseado em | Peça de Tennessee Williams, que estreou off Broadway em 1958. | Romance de John O’Hara, lançado em 1935. | |
Roteiro | Gore Vidal e Tennessee Williams | Charles Schnee e John Michael Hayes | |
Elenco | Elizabeth Taylor, Montgomery Clift, Katharine Hepburn, Albert Dekker, Mercedes McCambridge, Gary Raymond, Mavis Villiers | Elizabeth Taylor, Laurence Harvey, Eddie Fisher, Dina Merrill, Mildred Dunnock, Betty Field, Jeffrey Lynn, Kay Medford, Susan Oliver | |
Cor, duração. | P&B, 114 min. | Cor 109 min. | |
Ação | Uma cidade do Sul Profundo, 1937. A peça se passa em Nova Orleans, mas o filme não diz, em momento algum, o nome da cidade – pode ser qualquer uma do Sul Profundo. | Nova York, nos dias de hoje, ou seja, os dias em que o filme foi feito, 1960. | |
Local de filmagem | Shepperton Studios, Inglaterra, e costa da Espanha, 1959. | Nova York, 1960. | |
O papel de Liz | Catherine, uma bela do Sul, pobre, que é colocada como louca em um asilo pela tia milionária depois de viajar com o filho dela, Sebastian, para férias de verão na Europa, onde ele morre. | Gloria, uma bela da metrópole, que esconde da mãe a forma com que se sustenta, e apaixona-se loucamente por um homem infeliz e, claro, casado com uma milionária. | |
Prêmios para Liz | Liz foi indicada ao Oscar de melhor atriz – sua terceira indicação, depois de A Árvore da Vida (1957) e Gata em Teto de Zinco Quente (1958). Não levou. | Na sua quarta indicação consecutiva ao Oscar, Liz levou a estatueta pela primeira vez. Voltaria a ganhar em 1966, por Quem Tem Medo de Virginia Wolf? | |
Outros prêmios para o filme | Katharine Hepburn também foi indicada ao Oscar de melhor atriz. Ela e Liz perderam para Simone Signoret em Almas em Leilão. O filme teve uma terceira indicação, de direção de arte. Não levou nada. | Teve também uma indicação ao Oscar pela fotografia, mas não levou. | |
Liz e Tennessee Williams | Liz Taylor trabalhou em quatro filmes baseados em textos do dramaturgo: Gata em Teto de Zinco Quente (1958), De Repente, no Último Verão (1959), O Homem que Veio de Longe (1968) e Doce Pássaro da Juventude (1989, versão para a TV). | ||
Liz e Montgomery Clift | Os dois atores trabalharam juntos pela primeira vez em Um Lugar ao Sol, filmado em 1949, mas só lançado em 1951. Na época, Monty era um novato no cinema, mas respeitado ator da Broadway, e Liz, embora veterana nas telas, por ter começado aos dez anos de idade, ainda não tinha reconhecimento como atriz. Ela diria mais tarde ter aprendido muito com ele: “Eu observava Monty. Observava quanto tempo ele levava para se concentrar – e isso virou a chave da minha forma de atuar, se é que se pode chamar o que faço de atuar”. Os dois reuniram-se de novo em A Árvore da Vida (1957) e neste De Repente, no Último Verão. | ||
Liz e Mankiewicz | O grande diretor disse da atriz que dirigiu em De Repente, no Último Verão: “Ela está perto de ser a maior atriz do mundo, e até agora fez tudo praticamente por instinto”. Pouco depois, Mankiewicz voltaria a dirigir Liz Taylor em Cleópatra, que ficou pronto em 1962 e foi lançado em 1963. | ||
Liz e o primeiro Oscar | “Ganhei o Oscar porque quase morri de pneumonia”, diria Liz Taylor anos depois. “Apesar disso, fiquei muito grata quando ganhei, porque significava que estavam me considerando uma atriz, e não uma estrela. Mas foi pelo filme errado. Qualquer uma das minhas três indicações anteriores merecia mais. Eu sabia que era um prêmio dado por simpatia, mas mesmo assim fiquei orgulhosa de recebê-lo.” | ||
Liz e os maridos da época | O de 1958, ano de Gata em Teto de Zinco Quente: Mike Todd, produtor de cinema; foi o marido número 3.O de 1959, ano de De Repente, no Último Verão: Eddie Fisher, ex-senhor Debbie Reynolds, cantor. Número 4.O de 1961, ano depois do Oscar por Butterfield 8 e das filmagens de Cleópatra: Richard Burton, ator. Número 5.(Veja a história no texto abaixo.) | ||
Um filme ainda poderoso e forte, 40 anos depois
Revisto hoje, 40 anos e algumas revoluções nos costumes depois, De Repente, no Último Verão pode não assustar tanto como o fez no passado. Permanece, porém, poderoso, forte, violento. A fotografia em preto e branco e o trabalho de direção de arte, especialmente na construção do jardim tropical de Sebastian Venable, são extraordinários. O texto, brilhante, corta como navalha afiada. E, embora a interpretação da magnífica Katharine Hepburn hoje pareça às vezes um pouco over, exagerada, uma oitava acima, o elenco é todo fantasticamente bom, bem dirigido.
E, afinal, tudo, nas histórias de Tennessee Williams sobre os traumas e taras, ganância e dominação-submissão da burguesia do Sul Profundo é mesmo over. É como o estilo de Pedro Almodóvar. Faz parte integrante. É o próprio estilo.
E é fascinante notar como a parte da história que trata exatamente da relação entre ricos e pobres, poderosos e necessitados, permanece tão cruamente chocante hoje quanto era antes. O tema permeia toda a ação – desde o conflito entre o diretor do hospital psiquiátrico que se faz capacho da riquíssima senhora Venable até o clímax do embate entre Sebastian Vernable (cujo rosto o espectador jamais vê) e os miseráveis da praia espanhola. Mas onde a relação dominação-submissão se mostra mais forte, e apavorante, é no choque entre a senhora Venable e seus contraparentes pobres, os Holly. Os diálogos entre Catherine Holly, a personagem de Liz Taylor, e sua mãe, e os entre Catherine e a tia Venable, são extraordinários – e de dar vergonha da humanidade, essa invenção que muitas vezes parece que não deu certo.
Na época, alguns críticos questionaram a adaptação da peça para o cinema; a revista Time reclamou que a trama perdeu força, na passagem dos 70 minutos de ação da peça para os 114 minutos de filme.
A peça, de um ato só, centrava-se em uma série de monólogos, basicamente entre as duas mulheres – a senhora Venable, mãe de Sebastian, e Catherine, sua sobrinha torta, filha do marido. Ao fazer a adaptação para o cinema, o próprio autor e o escritor Gore Vidal (que luxo ter Gore Vidal como co-roteirista) estenderam a ação um pouco para o passado e acrescentaram uma série de cenas dentro do hospital psiquiátrico. E, embora boa parte da ação continue se passando no jardim tropical da mansão dos Venable, os acontecimentos envolvendo Sebastian nas férias do verão anterior – que na peça só aparecem nos monólogos de Catherine – passaram a ser mostrados. Há, de fato, uma desnecessária repetição de uma situação explosiva, de forte carga dramática – a presença de Catherine nos pavilhões dos loucos. Mas, tirando isso, o timing do filme, ao contrário do que dizia a Time, nem de longe cansa o espectador. Muito longe disso.
O filme foi uma produção independente, toda tocada pela Horizon Pictures, a empresa do produtor Sam Spiegel; a Columbia só entrou na distribuição. O esquema foi bem parecido com a produção anterior de Spiegel, A Ponte do Rio Kwai, de 1957 – com a diferença de que, naquele filme de orçamento muito maior, a Columbia havia entrado também com parte do financiamento. Aqui, não foi preciso disso. Spiegel trabalhava em estúdios da Inglaterra, e usou neste filme o mesmo diretor de fotografia, Jack Hildyard, e o mesmo compositor, Malcolm Arnold, de A Ponte (em De Repente…, Arnold dividiu a trilha sonora com Burton Orr).
Um crítico do Saturday Review, Arthur Knight, profetizou, na época, depois de anotar que o filme era ao mesmo tempo “fascinante e nauseante”, “brilhante e imoral”: “Sua receptividade nas bilheterias sem dúvida terá uma influência importante sobre o futuro dos filmes ‘adultos’ neste país”. A profecia não era nem absolutamente correta, nem absolutamente errada. O filme rendeu na época US$ 2 milhões – um sucesso bastante razoável, mas longe, naturalmente, das maiores bilheterias da época. A Bela Adormecida, do mesmo ano, rendeu US$ 22 milhões. Mas as maiores bilheterias em geral são mesmo filmes infantis, ou juvenis, ou superespetáculos de massa, quase, quase nunca filmes sérios, para adultos.
O importante é que, com sua ousadia, o filme, juntamente com alguns outros, como, por exemplo, Anatomia de Um Crime, de Otto Preminger, daquele mesmo ano de 1959 (também já disponível em DVD), e alguns outros, impôs a presença no cinema americano de temas até então praticamente proibidos. Ajudou a enterrar de vez os antigos códigos de censura, como o Código Hays; rompeu fronteiras, alargou os horizontes.
Uma peça histórica: assim era o mau gosto
Butterfield 8, ao contrário, só merece ser visto ou revisto hoje como uma peça histórica, o perfeito exemplo de como era o mau gosto de um grande estúdio de Hollywood na virada dos anos 50 para os 60 – ou pelo prazer de ver Elizabeth Taylor.
Ela não queria fazer o filme. Logo depois de terminar De Repente…, recebeu uma oferta da 20th Century Fox para estrelar Cleópatra, pela inédita soma de US$ 1 milhão. Mas a Metro – de quem Liz era contratada desde criança – interferiu, sob a alegação de que a atriz ainda lhe devia um filme. E o filme era Butterfield 8, baseado numa popular novela de John O’Hara dos anos 30 cujos direitos eram da Metro havia anos. Ela topou – fazer o quê? – , embora com grande relutância, e algumas exigências. Forçou a barra para obter um papel para seu novo marido, o cantor Eddie Fisher – e o cara é ruim como a fome, com a expressividade de uma tábua, como se pode rever agora no DVD. Quis mudanças constantes no roteiro, porque achava a história barata, comercial e de mau gosto. Mexeram tanto na história que de fato o espectador fica a rigor sem saber de onde a personagem Gloria Wandrous (credo, que nome) tira seu sustento, já que é uma espécie de modelo mas não trabalha, e no resto do tempo é uma prostituta de luxo mas não aceita dinheiro dos clientes. “Fazer o filme foi um horror para mim”, disse Liz na época. “Era uma grande merda”. (A frase original, que está no livro The Films of Elizabeth Taylor, de Jerry Vermilye e Mark Ricci, é: “It’s a piece of shit”.)
Tinha toda razão.
E isso é que torna deliciosamente engraçado o fato de a Academia ter lhe dado o Oscar de melhor atriz exatamente por esse papel, depois de três anos seguidos de indicações por filmes muito melhores – A Árvore da Vida, Gata em Teto de Zinco Quente e De Repente, no Último Verão.
Aí estamos diante de uma trama 200 vezes mais interessante do que a de Butterfield 8 – a da vida real de Liz naquele período, com seus muitos casamentos, a atenção constante da imprensa de mexericos e as muitas idas e vindas da opinião pública a respeito da artista, uma das maiores celebridades do mundo na época, algo assim como só a princesa Diana e Madonna foram nos anos 80, início dos 90.
Liz estava no marido número 3, o produtor Mike Todd, quando trabalhava na filmagem de Gata em Teto de Zinco Quente em 1958 (os números 1 e 2 haviam sido o herdeiro do ramo de hotéis Nick Hilton e o ator Michael Wilding). Em março, Todd morreu em um acidente aéreo, e todas as colunas de fofocas encheram-se de notas de luto e de simpatia pela jovem viúva.
Liz e Todd eram muito amigos de Eddie Fisher e Debbie Reynolds, o casal perfeito de Hollywood, segundo diziam as colunas. Eddie e Debbie tinham dois filhinhos (uma delas é Carrie Fisher, a princesa Lea da primeira trilogia Guerra nas Estrelas, autora do romance autobiográfico em que se baseou o filme Lembranças de Hollywood, com Meryl Streep e Shirley MacLaine).
Pois bem. Em maio de 1959, pouco antes das filmagens de De Repente, no Último Verão, Eddie Fisher tornou-se o marido número 4 de Liz – e, de forma tão previsível quanto era o enredo de Butterfield 8, todas as colunas de fofocas encheram-se de notas contra a estrela destruidora de lares.
Depois que terminaram as filmagens de Butterfield 8, ainda em 1960, Liz foi para a Inglaterra, para o início das filmagens de Cleópatra. Teve um infecção virótica, voltou para a Califórnia para se restabelecer, mas, em março de 1961, teve uma pneumonia grave. Foi submetida a uma traqueostomia; segundo um médico, esteve aí “a 15 minutos da morte”.
Era março. O Oscar saía em abril. Deu Liz na cabeça.
Quando as filmagens de Cleópatra recomeçaram na Europa, Liz partiu para o marido número 5, Richard Burton, ele também até então muito bem casado, enquanto Eddie Fischer pedia na Justiça metade do salário dela na superprodução – o primeiro salário de US$ 1 milhão jamais pago a uma mulher no cinema.
Aplaudida de pé
No domingo passado (este texto foi escrito em 2001), aos 68 anos de idade, Elizabeth Taylor foi a última estrela a ser chamada na festa de entrega do Globo de Ouro. Reservaram para ela o ápice da cerimônia, o momento do anúncio do melhor filme do ano, categoria drama. Ela se atrapalhou, teve que vir alguém para ajudá-la a ver de onde ela leria o nome dos indicados. Houve quem ficasse incomodado com isso. Bobagem. Depois de 58 anos de bons serviços prestados a uma arte que tem pouco mais de cem, ela não precisa se mostrar lépida. Não precisa mostrar ou dar mais coisa alguma.
Foi aplaudida de pé – metade de quem aplaudia sequer havia nascido quando ela fez com brilhantismo a Catherine de De Repente, no Último Verão. Era o mínimo que ela merecia.
Elizabeth Taylor, 1932-2011.
E eu, hoje, chorei quando soube que não mais os faróis violetas estavam ali. Longe de mim, mas ali, vivos, contando uma história de talento que – quase – não se encontra mais. Porque ela era linda – e foi linda sempre, gorda, magra, nova, velha, brigando, rindo, sendo. Eu gosto dela, sempre. Não vi Butterfield 8 mas era capaz de gostar porque bastava ela estar para um tempo ímpar começar pra mim. Mas me repito. Só queria era aplaudir, em lilás e de pé, este post e a que o inspirou.
Estive a ver no “IMDb” a filmografia da Elizabeth Taylor e não me lembro dos seus filmes; sei que vi alguns – Cleopatra, o Gigante e outros – mas estão completamente esquecidos.
Enfim, é a vida. Que é que posso fazer?
Revi há pouco os dois filmes acima citados. Mantive a opinião em “De repente…”,muito bom filme, amparado na autoria, as interpretações são boas. E, a Taylor, sempre deslumbrante… Mas, foi uma decepção o “Disque…”. Tinha a lembrança de um bom filme, talvez, naquela época o tema, por ser ainda estigmatizado, enaltecia a estória… Desta vez critiquei de alto a baixo… Apenas mantive a opinião da beleza dela, que nese filme está excepcional… O desempenho do Harvey lamentavel… Depois de tanto tempo, se a obra não for sustentável acaba decepcionando…