Cadete Winslow / The Winslow Boy

4.0 out of 5.0 stars

Resenha na coluna O Melhor do DVD, no site estadao.com.br, em 2000: No pequeno documentário que acompanha Cadete Winslow no DVD, o extraordinário ator inglês Nigel Hawthorne faz uma observação precisa: há muitos elementos no filme que podem parecer antiquados, ultrapassados, obsoletos – mas a força da história vai sobreviver, e estará inteira daqui a 200 anos.

De fato, os espectadores mais apressados talvez não compreendam muitos dos pequenos detalhes do que se mostra no filme, as convenções sociais da Inglaterra eduardiana, em que, por exemplo, as mulheres mais progressistas já ousavam fumar em público, mas não podiam votar; era deseducado os homens receberem uma visita feminina em seu escritório sem estar vestindo o paletó; era um pecado exprimir emoções e sentimentos – mas, para algumas pessoas, a defesa da honra era motivo para se arriscar a perder tudo, absolutamente tudo o mais.

Para os mais atentos, é fácil perceber por que David Mamet, autor teatral antes de diretor de cinema, se encantou tanto com o texto de Terence Rattingan, encenado pela primeira vez em 1946 e vencedor, no mesmo ano, do Prêmio Pulitzer – o mesmo que o próprio Mamet ganharia em 1973 por sua peça Glengarry Glen Ross (filmado em 1992 e lançado no Brasil como O sucesso a qualquer preço, um violento panfleto contra a competição, esse pilar básico do capitalismo). O texto da peça é um brilho – riquíssimo em pequenos e fascinantes detalhes, ao mesmo tempo suave e denso ao misturar o dia a dia de uma família de classe média com um pequeno incidente entre o filho menor e a Marinha do Império, que acaba por desencadear um processo que divide a Inglaterra ao meio.

A peça de Ratingan, baseada em um episódio real – o caso de um jovem cadete, estudante de um colégio da Marinha, acusado de ter roubado uma pequena quantia de dinheiro em selos – já havia sido filmada em 1950, pelo inglês Anthony Asquith. Aquela versão dava maior importância aos acontecimentos nos tribunais; aqui, tudo se concentra na família Winslow, e não há uma tomada sequer de tribunal.

O elenco está homogeneamente brilhante. É fascinante perceber como Rebecca Pidgeon (na foto), a mulher de Mamet na vida real, jovem e americana, consegue manter-se no mesmo nível de atores do teatro inglês, como Jeremy Northam e o grande Hawthorne. A música de Alaric Jans, como observa Mamet em seus comentários em áudio, é toda construída no estilo de Edward Elgar, o autor de “Pompa e Circunstância”, e é fundamental para ajudar a criar a atmosfera da Inglaterra pós-Rainha Victoria e pré-Primeira Guerra.

Anotação em 2000: 

Um filme extraordinário, extraordinário. Teatrão filmado, sim – um texto todo em tom menor, mais inglês impossível, falando de temas maiores, com atores, todos, estupendos. Os critiquinhos babacas com toda a certeza devem ter dito que é pesado, tradicional, acadêmico – e seguramente o Mamet deve ter adorado isso, porque era isso mesmo o que ele queria, contar uma história importante com atores maravilhosos, e só, e já é demais, e não precisa de mais nada.

A peça de Rattigan, baseada em uma história real, estreou em 1946; em 1950 foi filmada na Inglaterra, aparentemente dando maior importância à parte de tribunal (neste filme aqui, tudo se concentra na família Winslow, e não há uma tomada sequer de tribunal).

Informações da capinha do DVD; peça ganhou o Pulitzer de 1946. (O próprio Mamet venceria o Pulitzer muito mais tarde, 1973, aliás ano em que Rebecca Pidgeon completou a primeira década de vida, por Glengrry Glen Ross.) O ator Neil North fez o personagem título no filme de 1948 dirigido por Anthony Asquith (no filme de agora, ele faz o First Lord, que aparece em umas poucas cenas em que o caso está sendo discutido na Câmara dos Lordes). Produção começou em Londres em março de 1998. Cenas da casa dos Winslow em South Kensington foram filmadas em Clapham, subúrbio ao Sul de Londres. Estréia mundial foi no Festival de Cinema de San Francisco em 22/4/99; estréia comercial nos EUA foi 30/4/99.

Nos comentários ao longo do filme no DVD, o ator que faz o advogado Sir Robert Morton, Jeremy Northam, lembra que Ratingan era detestado pelo pessoal do jovem teatro e cinema novo inglês do final dos anos 50 e início dos 60, como o careta, o conservador, o que usava aqueles personagens formais, velhos; diziam que ele era bom de artesanato, querendo menosprezá-lo – como se ser bom artesão não pudesse conviver com bom conteúdo. E as peças dele têm conteúdo, idéias, ideais.

Cadete Winslow/The Winslow Boy

De David Mamet, Inglaterra-EUA, 1999.

Com Nigel Hawthorne (Arthur Winslow), Rebecca Pidgeon (Katherine Winslow, Guy Edwards (Ronnie Winslow), Jeremy Northam (Sir Robert Morton), Neil North (First Lord)

Roteiro David Mamet

Baseado na peça de Terence Rattigan

Mús Alaric Jans

Figurinos Consolata Boyle

Cenografia Gemma Jackson

Cor, 104 min.

5 Comentários para “Cadete Winslow / The Winslow Boy”

  1. Assisti parte deste filme na tv. Gostei muito e quero comprar o DVD. Alem de detalhes que mostram o retrato de comportamentos da época, adorei o exemplo do pai, que toma a defesa do filho, e o valor que dado a honra. No mundo de hoje falta a vergonha de ser desonesto, e há apenas o cuidado para não ser preso

  2. Quero modificar o meu comentário anterior. em lugar de: “há apenas o cuidado para não ser preso”. quero dizer que é para algumas pessoas e felizmente não se aplica a todas.

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