Um Plano Simples / A Simple Plan


Nota: ★★★½

Anotação em 1999: Eu tinha muito medo do que seria feito do livro, que trata muito bem, e partindo de uma idéia realmente simples, da atração fatal exercida pelo dinheiro fácil, da ligação profunda entre ganância e violência, tragédia: a tragédia cai, literalmente, sobre a cabeça de um grupo de pessoas simples, comuns, na forma de US$ 4,4 milhões encontrados em um aviãozinho acidentado num bosque próximo a uma cidade gelada do Meio Oeste americano.

Fui perdendo o medo muito rapidamente. Até porque o próprio autor foi o responsável pelo roteiro. Ele e o diretor Raimi poderiam ter se perdido com as imposições de Hollywood. Não se perderam.

Numa década de filmes cínicos, de banalização ou até mesmo endeusamento da violência – basta lembrar do último Roland Joffe, coitado, Misteriosa Paixão/Goodbye Lover, de 1997 -, este vai firme contra a corrente. Ele consegue criar o mesmo clima claustrofóbico, pesado, denso, do livro; e mostra bem a inevitabilidade da tragédia.

O livro vai num crescendo que termina em banhos de sangue; perdi a conta dos assassinatos mostrados. No filme, eles foram reduzidos a seis. E, mesmo assim, remando contra a corrente, não é um filme violento – é um filme denúncia contra a violência que, segundo ele quer mostrar, é inerente a esse tipo de sociedade baseada na acumulação de dinheiro. Os crimes são mostrados com educação, até da forma a mais elíptica possível. E, como em Os Imperdoáveis, como na vida real, vêm seguidos por e embrulhados em uma profunda dor.

Alguns diálogos sintetizam a loucura que o escritor quis mostrar.

Quando, bem no início do filme, os três personagens se deparam com o saco de dinheiro, Hank (Bill Paxton) defende que entreguem tudo para a polícia, e Lou (Brent Briscoe), o amigo bêbado e imprestável de Jacob (Billy Bob Thorton), diz: “É o maldito Sonho Americano em uma sacola!”.

Muito mais tarde, quando Hank diz que vai queimar o dinheiro para que a vida deles volte a ser como era antes, a mulher dele, Sarah (Bridget Fonda, a fantástica atriz das mil caras), faz um discurso de doer o coração, um manual sobre a impossibilidade de a sociedade capitalista trazer felicidade às pessoas. O que antes era para ela a vida normal do comum dos mortais agora é impensável, é uma miséria profunda, uma mediocridade inescapável – agora que ela passou a sonhar alto com a vida gastando a fortuna.

Mais do que me lembro que acontecia no livro, aqui o peso sobre Sarah é fortíssimo. Hank é basicamente uma figura correta; desde o início tudo em que ele pensa é entregar o dinheiro para a polícia – talvez até por ser um tanto medroso, medíocre, mesmo, acomodado, pé no chão – anyone ambitionless as me, como diz a canção da Joan Baez; falta de ambição, na sociedade capitalista, é crime de primeiro grau. A ganância que explode primeiro em Lou se sedimenta e fortifica em Sarah; é ela que dá todos os conselhos a Hank, que os vão arrastando mais e mais para dentro do inferno.

Nos velhos noirs dos anos 40, a mulher era a fonte de todo o mal – de toda a ambição, o que é mais ou menos sinônimo. Aqui também é em boa parte assim.

(A orelha do livro traz uma boa comparação: “Sarah já fez mais de um crítico lembrar-se da diabólica Lady Macbeth, que de longe aciona os cordames da espantosa trama em que seu marido se envolve”.)

Bill Paxton está bem, com seu jeitão de pessoa normal. Billy Bob Thorton, com seu jeito de absolutamente anormal, está brilhantíssimo.

As associações com Fargo são várias. O cenário gelado, desolado, do Meio Oeste. A tragédia que começa com a necessidade do dinheiro sujo, a ganância, e vai assumindo proporções cada vez mais terríveis, assustadoras. Não são à toa as semelhanças. Sam Raimi, um diretor jovem (nasceu em 1959), trabalhou com os irmãos Coen; foi co-autor do roteiro de Na Roda da Fortuna/The Hudsucker Proxy, de 1994.

 Se você não viu o filme, não leia a partir de agora

 E o final é um brilho, com a decisão de Hank de finalmente queimar o dinheiro, já que gastar uma nota que fosse significaria inevitavelmente a descoberta de todos os crimes, a prisão. Ficam lá ele e a mulher, vivendo a vida quase como se fosse antes de tudo, só que condenados à tristeza eterna do arrependimento – dela por ter tido uma fortuna à mão, e não a ter usado; dele por ter participado de tantos crimes, e por ter perdido tudo, até mesmo a simpatia da mulher. 

Um Plano Simples/A Simple Plan

De Sam Raimi, EUA, 1998.

Com Bill Paxton, Billy Bob Thorton, Bridget Fonda,

Roteiro Scott B. Smith, baseado no seu romance

Música Danny Elfman

Desenho de produção Patrizia Von Brandenstein

Produção Paramount

Cor, 121 min

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