3.0 out of 5.0 stars
Anotação em 1999, com complemento em 2008: Um pequeno grande filme, mais um do qual eu nunca tinha ouvido falar. É extremamente progressista, e foi feito na época do furacão do macarthismo – uma denúncia firme do racismo, do sensacionalismo da imprensa, da intolerância, do abismo entre as classes – embora haja pessoas boas (uma minoria).
O filme antecipa A Montanha dos Sete Abutres, que Billy Wilder faria no ano seguinte, 1951, na crítica feroz ao apetite insaciável e nojento da mídia por sensacionalismo, o total descuido dos jornalistas com qualquer coisa que tenha a ver com apuração cuidadosa dos fatos.
É a história de um grupo de mexicanos vivendo na Califórnia e trabalhando na colheita de frutas, sujeitados a todos os tipos de abusos; num baile num fim de semana, uma briga entre latinos e americanos dá início a um grave conflito racial.
O filme é simples, direto, sem qualquer firula; não tem atores conhecidos (não reconheci a Martha Hyer, que de resto nunca chegou a ser uma estrela), nem nenhuma frescura. O roteiro começa brilhantemente, apresentando os diversos personagens e o entrelaçamento entre eles com categoria e maturidade.
Foi o segundo longa-metragem de Joseph Losey (1909-1984), uma das vítimas da caça às bruxas do macartismo; impedido de continuar trabalhando nos Estados Unidos, ele radicou-se na Inglaterra nos anos 1950, onde fez diversos filmes, entre eles O Criado, com Dirk Bogarde, tido como sua obra-prima.
Gail Russell, uma atriz de vida impressionante
Em 2008, li no iMDB sobre Gail Russell, a atriz principal, e fiquei impressionadíssimo. Não a conhecia quando vi o filme, em 1999. No entanto, a história dela, que eu desconhecia completamente, é uma terrível tragédia, uma coisa tão impressionante quanto foi a de Frances Farmer, a bela atriz dos anos 30, rebelde, que não se conformava com os ditames dos estúdios e acabou internada como louca; sua vida foi retratada num bom filme de 1992, Frances, com Jessica Lange muito bem no papel central.
Gail Russell teve uma vida igualmente trágica – e é tão impressionante que relato nesta anotação.
Nasceu Elizabeth L. Russell, em Chicago, em 1924; quando tinha 14 anos, a família mudou-se para a Califórnia; assim que terminou a High School, assinou contrato com a Paramount – o estúdio ficou impressionado com sua beleza. Não tinha qualquer experiência como atriz, e era extremamente tímida.
Seu primeiro papel – pequeno – foi em 1943, quando tinha 19 anos. Em 1944, teve outro papel pequeno num filme estrelado por Ray Milland, The Uninvited – e teria sido durante as filmagens dele que, pela primeira vez, ela bebeu para combater a extrema timidez. Iria se tornar alcoólatra – e é estranho lembrar que no ano seguinte, 1945, Ray Milland faria o papel principal num dos melhores filmes sobre alcoolismo de toda a história, Farrapo Humano/The Lost Weekend, de Billy Wilder.
Nos anos seguintes, trabalhou em diversos filmes (não vi nenhum deles), ao lado de astros, Joel McCrea, Alan Ladd, John Wayne.
Depois exatamente deste filme aqui, O Fugitivo de Santa Maria/The Lawless, de Joseph Losey, em 1951, a Paramount decidiu não renovar o contrato com ela, por causa da dependência do álcool. Nessa altura, ela já tinha uma condenação por dirigir bêbada. Ela ficou fora dos estúdios durante cinco anos, até 1956. Fez então três outros filmes (não conheço nenhum deles) entre 1956 e 1958; sumiu de novo até 1961, quando trabalhou num filme chamado The Silent Call – foi sua última aparição. Foi encontrada morta em seu pequeno apartamento em Los Angeles; a morte foi atribuída a um ataque cardíaco provocado pelo álcool. Tinha apenas 36 anos.
Ainda segundo o iMDB, os jornais americanos afirmaram que ela teve um caso com John Wayne, com quem filmou, em 1947, Os Fora-da-Lei/Angel and the Bad Man – e os dois tinham na época seus respectivos casamentos. Em um site sobre John Wayne, há uma página sobre Gail Russell.
Um blog do Los Angeles Times tem longo texto sobre ela.
Entre as trivialidades sobre ela no iMDB, consta que Jane Fonda pesquisou sobre a vida dela, para fazer o papel da atriz promissora e alcoólatra que acorda ao lado de cadáver e não se lembra de nada do que aconteceu no dia anterior, no filme A Manhã Seguinte, de Sidney Lumet, de 1986. Não me lembro de Jane Fonda ter feito qualquer referência a isso na belíssima autobiografia dela.
O Fugitivo de Santa Marta/The Lawless
De Joseph Losey, EUA, 1950.
Com Gail Russell, Macdonald Carey, Lalo Rios, Lee Patrick, John Sands, Martha Hyer
P&B, 83 min.
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