[Rating:3.5]
Anotação em 1997: Fugi dele enquanto pude, com medo de não gostar. Adorei. Belíssimo filme. Tem um monte de defeitos, é verdade. Mas é um grande filme, que todos os brasileiros deveriam assistir. Não só pela importância do tema – Lamarca e o documentário sobre Prestes, por exemplo, tratam de temas tão importantes quanto. Mas também porque é um bom filme brasileiro, um ótimo filme brasileiro, de que se pode gostar sem ter que dar qualquer tipo de desconto.
OK, poderão dizer que não se mostra direito por que um bando de garotos idealistas e um bando de pessoas mais velhas igualmente idealistas foram parar na luta armada. Poderão dizer que parece um tanto gratuito. Poderão dizer que não se trata com a devida propriedade as razões que levaram a essa saída desesperada – e isolada do povo. Sem dúvida. Poderão dizer, e já disseram.
Seria bom lembrar que:
– é absolutamente impossível não contrariar crenças ou memórias ou sensações profundas, num tema tão profundamente marcado nas consciências de qualquer pessoa que tenha sido contemporânea da ditadura militar e da luta armada contra ela; é absolutamente impossível fazer um filme, agora que o inimigo velho já morreu, que mostre falhas do lado dos mocinhos e até correções no lado dos bandidos, sem desagradar aos que preferem ainda se ater à visão maniqueísta;
– havia, sim, uma parte de porraloquismo, de ingenuidade adolescente nas pessoas que optaram pela luta armada (junto com uma imensa, infinita dose de coragem, de idealismo, de desprendimento pessoal, de santificada vontade de combater uma ditadura nojenta e defender a justiça);
– e, caralho, isto é um filme, companheiro, não um panfleto.
OK, poderão dizer que a seqüência em que os militantes aprendem tiro na praia mostra a guerrilha brasileira nos anos 60 como um bando de jovens fazendo piquenique. Ou que algumas das discussões internas entre os sequestradores do embaixador são exageradamente críticas.
Poderão dizer que foram infantilizados os militantes, na cena em que o garoto mostra uma montanha de dinheiro para o português da padaria. Mas não foi assim em Ibiúna, por exemplo? Um garoto chegando na padaria e pedindo pão, mortadela e muzzarela para mil pessoas?
(Poderiam até dizer que o embaixador Charles Burke Elbrick, o representante do imperialismo americano, é apresentado como uma boa pessoa. Um não-reacionário troglodita, um ser humano que condena os regimes de exceção, que não compactua com os ditames da CIA. Mas aí já seria demais. Porque esse é um ponto alto, ideologicamente falando, do filme. O que há ali como representante do imperialismo americano é um ser humano, e que justamente está distante da imagem preto x branco do imperialista, os Dan Mitrione da vida. Não, naquele momento o embaixador não era um Lincoln Gordon, um Dan Mitrione, ou o embaixador no Chile na época do golpe de 1973; era um ser humano, e não era um direitista feroz. Matizes. A vida é feita de matizes.)
Acho que importa muito mais o fato de ser um bom filme. Com excelente reconstituição de época (e esse garoto sempre soube fazer isso, desde A Estrela Sobe, de 1974), perfeita fotografia, música de primeiríssimo nível, som profissionalézimo, escolha de locais de filmagem de fazer inveja a Hollywood. E mais ainda: um roteiro primoroso – e mais uma vez esse Leopoldo Serran confirma ser o melhor roteirista do cinema brasileiro. E mais ainda: um elenco bem dirigido. O anti-A Ostra e o Vento, pra dar apenas um exemplo de elenco mal dirigido sobre o que a crítica não fala nada porque acha que assim está ajudando o cinema brasileiro.
E importa mais, sobretudo, porque, fazendo um filme grande, um filme de excelente qualidade, esse garoto Barreto mostrou com muito mais talento, força, emoção, garra, beleza, como foi profundo o inferno em que os militares meteram este país, tão pouco tempo atrás.
Todos deveriam ver esse filme, os que já estavam vivos na época e os que vieram depois. Pode-se não gostar dele, pode-se até criticá-lo por não ser um planfletaço totalmente a favor dos guerrilheiros. Mas que ele nos faça lembrar, ou faça os que não eram nascidos naquela época pensarem sobre aqueles tempos sombrios, se informarem sobre eles.
O final do filme, soberbo, brilhante, duro, triste, tem a força do poema de Bertold Brecht. Os que vierem na ponta da onda, que nos perdoem, porque eram sombrios os tempos que nos deram para viver.
Este texto está uma grande merda. O filme desse garoto, ao contrário, é magnífico.
O Que é Isso, Companheiro?
De Bruno Barreto, Brasil, 1997.
Com Paulo Cardoso, Alan Arkin, Fernanda Torres, Luiz Fernando Guimarães, Cláudia Abreu, Nelson Dantas, Fernanda Montenegro, Milton Gonçalves, Othon Bastos,
Baseado no livro de Fernando Gabeira
Roteiro Leopoldo Serran
Música Stewart Copeland
Cor, 110 min
otimo
mto legal esse filme adorei ♥