As Bruxas de Salem / The Crucible


Nota: ★★★★

Anotação em 1997: Estupendo filme. Como eu não conhecia o texto da peça – só sabia que tinha sido escrita como uma metáfora sobre o macarthismo -, foi uma surpresa total. Mas é um filme que tem que ser visto mais de uma vez. Desta primeira, a força do texto, e as óbvias referências ao macarthismo, atraíram boa parte da minha atenção. Mas o filme é todo extraordinário, não só pela beleza das palavras.

A fotografia é soberba, a música também, fortíssima, com o som dolby estéreo do cinema agigantando o clima. A câmara é ágil, muito boa, usando e abusando das gruas. Há planos inteiros seguindo rígida marcação teatral. Os atores estão brilhantes, embora um tanto no estilo over que o texto exige. Daniel Day Lewis está excelente como o personagem central, John Proctor, homem honesto, íntegro, católico, que cometeu o crime horrendo, naquela sociedade da Nova Inglaterra no século 17, de ter sido adúltero – credo, como esse cara, tão novo, conseguiu já ter estado em tantos filmes importantes em tão pouco tempo. Winona Ryder – idem, como essa menina, que não tem nem 25 anos, conseguiu já ter estado em tantos filmes importantes – está brilhante como Abigail Williams, a garota que comete o crime horrendo, naquela sociedade, de ser sensual, e a partir desse crime se mostra diabolicamente má, e desencadeia a falta de lógica do fanatismo que a humanidade já conheceu tantas vezes, uma delas justamente a caça às bruxas nas artes nos Estados Unidos dos anos 50.

Paul Scofield, o grande ator de O Homem que não vendeu sua alma, está igualmente brilhante como o juiz que fica cego pelo que entende ser seu dever de purificar uma comunidade e defendê-la contra o demônio. Joan Allen também está perfeita, tensa, recatada, firme, rígida, como a mulher de John Proctor, que nunca mentiu na vida, até o momento em que pensa estar protegendo a reputação do marido e na verdade os condena a todos à morte na forca ao negar que ele tenha sido adúltero – e com isso tira as dúvidas que tinham começado a aflorar a respeito do comportamento de Abigail Williams. Todo o elenco de apoio está extraordinário.

A trama brilhante criada por Arthur Miller remete mais diretamente ao macarthismo, claro. Mas remete a tantos outros casos de loucura coletiva: Galileu Galilei tendo que negar sua certeza de que a Terra gira em torno do sol; os processos stalinistas como os que o Costa-Gavras mostrou com brilhantismo em A Confissão; e também, achei isso interessantíssimo, The Children’s Hour, o primeiro texto de Lillian Hellman, escrito uns 12 anos antes de Miller escrever este aqui. Como em The Children’s Hour, toda a tragédia deste The Crucible parte das mentiras que saem da cabeça doentia e má de uma menina; e, nos dois casos, a mentira pega e frutifica porque um “crime”, um “desvio” foi cometido; no caso da peça de Hellman, uma das duas professoras acusadas de ser amantes realmente ama a outra; no caso da peça de Miller, o homem honrado carrega a culpa de ter comido a menina. A tragédia das duas amigas da peça de Lillian Hellman é uma tragédia pessoal, pequena em espaço; Miller dá uma dimensão maior, uma dimensão política, coletiva, planetária.

Eu ousaria dizer que essa peça dele, pela beleza e força do texto, e pela conjuntura de denunciar o momento de maior loucura coletiva da sociedade americana, é uma das coisas mais fortes do teatro que eu conheço.

Algumas coisas a notar. The Crucible, o título original, é a “fôrma” de fundição, o objeto no qual é colocado o metal quente para tomar uma forma – a container in which metals or other substances are heated to very high temperatures. E, literariamente, é um teste especialmente severo, uma prova de fogo. Seria, segundo vi depois em jornal, o caldeirão; pode, sim. É mais exato. Caldeirão, símbolo das bruxas, dos druídas, desde a Idade Média profunda. O caldeirão onde, no início da ação, as meninotas de Salem fervem sua própria poção que se pretende mágica.

Outra: a peça é de 1953. Interessante Miller fazer o roteiro para o cinema 43 anos depois. Não há qualquer referência ao diretor nos alfarrábios; ele deve ser bem novo; vi nos jornais que ele fez, recentemente, em 1995 ou 1996, As Loucuras do Rei George. Em entrevistas, declarou que ao fazer o filme pensava no fanatismo do fundamentalismo islâmico. Está certo ele; o fanatismo, de todos os matizes, é o que mais ameaça o mundo, neste final de milênio.

As Bruxas de Salem/The Crucible

De Nicholas Hytner, EUA, 1996.

Com Daniel Day Lewis, Winona Ryder, Paul Scofield, Joan Allen

Roteiro de Arthur Miller, baseado em sua peça.

Música George Fenton

Cor, 124 min.

3 Comentários para “As Bruxas de Salem / The Crucible”

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