3.0 out of 5.0 stars
Anotação em 1996: Vi só agora pela primeira vez, por mais incrível que seja, 16 anos depois de o filme ter sido feito. Parece que todo mundo considera, como Leonard Maltin, que esse é um filme menor de Fassbinder. Pode ser. Mas tem a marca do gênio.
Embora a história seja de fato contada de maneira fria e distante, como se o diretor não estivesse emocionalmente ligado a seu tema, o filme tem várias qualidades. A trama é ótima, uma bela história de amor e desencontro, em que a guerra não é apenas pano de fundo, e sim parte integrante e importante da história.
Hanna Schygulla é uma atriz excepcional, toda cheia de nuances entre a felicidade e a dor profunda. A música pontua todo o filme, cria clima, realça os momentos decisivos. É belo o recurso de misturar as cenas da cantora em belos ambientes em Berlim com as cenas barra-pesadas de gente morrendo no front; é verdade que Fassbinder o repita até a exaustão, e que Minnelli já tinha usado o mesmo recurso em Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse, assim como Bob Fosse em Cabaret, mas isso não tira a força das seqüências.
A personagem de Willy, interpretado por Schygulla, é bem enigmática. Profundamente apaixonada por um judeu (Giannini) que trabalha na resistência ao nazismo, tirando da Alemanha para a Suíça judeus com passaportes falsos e sua fortuna pessoal, ela não tem crises morais por ter seu sonho de virar uma cantora famosa tornado realidade como a pessoa que canta o hino preferido dos soldados nazistas, dos oficiais e do próprio Hitler, a Lili Marleen do título. Ela não parece se importar com o paradoxo. Seria possível dizer que a personagem é amoral. Ou simplesmente alienada do que acontece à sua volta. Não parece se importar sequer com o paradoxo de estar apaixonada por um judeu da resistência e trepar com membros da nomenklatura nazista. Encanta-se com a glória enquanto a glória existe. A vida para ela é esperar o reencontro com o amado. Que se dá primeiro na Gestapo, onde ele sofre a tortura de estar preso num pequeno quarto cujas paredes estão forradas das fotos da mulher que ele ama, ao som da mesma única música que é o hino no inimigo. E depois, quando a guerra já terminou, e ele estréia em Genebra uma composição de sua autoria.
Pelo pouco que entendo de Fassbinder, a moral da história é a mesma que ele usou em vários filmes: as mulheres, que para ele simbolizam a própria Alemanha, não têm mesmo qualquer moral; querem a glória, a riqueza, a fama, com ou sem guerra.
Esta é a resenha do Maltin, a única que consta no Cinemania ‘95:
Second-rate Fassbinder about third-rate cabaret singer Schygulla, whose recording of the title song becomes a hit in Nazi Germany. Intriguing subject matter is pretentiously handled.
Lili Marlene/Lili Marleen
De Rainer Werner Fassbinder, Alemanha, 1980
Com Hanna Schygulla, Giancarlo Giannini, Mel Ferrer, Karl Heinz von Hassel, Christine Kaufmann, Hark Bohm, Karin Baal, Udo Kier
Cor, 120 min.
Caro Sérgio Vaz.
Achei sua crítica brilhante, como sempre. Para não deixar de ser chato, venho com uma pequena observaçaõ: o homem ficou preso em uma cela forrada de fotos da amada, ouvindo, sem parar, a música-hino dos nazis. Pode-se deduzir – mas não está dito – que além de tudo o “hino” era cantado pela própria amada.