Nota:
Anotação em 1996: O filme é tão brilhante quanto pesado, duro, violento, ruim. Um gigantesco pesadelo, de quase três horas de duração – 178 minutos, para ser preciso. Gigantesco pesadelo, com mais cenas de morte violentas, possivelmente, do que toda a trilogia Godfather.
Num determinado momento me ocorreu o seguinte (e, segundo Marynha, ocorreu a ela também): credo, o Scorsese fez esse filme pensando assim – “Vou fazer meu Godfather“.
Visualmente e em termos de narrativa é um deslumbre, um brilho, um tour de force, um excesso, um overtudo. Desde o lead, um dos melhores da história, com menos de dois minutos, antes da apresentação – aliás, também brilhante, assinada por Saul Bass e sua mulher (que também fizeram a apresentação de A Época da Inocência).
O lead é um milionário e mafioso Robert De Niro saindo de sua mansão e dizendo um texto brilhante de menos de cinco linhas, enquanto se aproxima de seu carrão pra dar a partida. Fui ver de novo e anotei palavra por palavra: “Quando você ama alguém, você tem que confiar nela. Não tem outro jeito. Você tem que dar a ela a chave de tudo o que você possui. Se não for assim, pra que serve?” (Pausa; ele entra no carro.) “E durante um tempo eu acreditei que era esse tipo de amor que eu tinha.”
E então, junto com a última palavra, o carro explode, no momento em que entra o som de um Bach que não reconheci, possivelmente uma cantata.
Seguem-se mais 175 minutos de deslumbre visual e cheios de brilho de narrativa. Despejam-se palavras como cai água das cataratas do Iguaçu: as vozes de De Niro e Joe Pesci vão se alternando pra contar a história. Scorsese pôs mais palavras no seu Cassino do que Coppola pôs nos três Godfathers dele, juntos.
Visualmente, há de tudo: superbigimensoclose up de um dado caindo no pano verde (como havia das bolas de sinuca em A Cor do Dinheiro), imagem que pára enquanto o personagem conta o que estava pensando naquele momento, imagem que pára e volta quando os dois personagens centrais, De Niro e La Stone, se vêem pela primeira vez, depois quando eles se casam.
Há aquela tradicionalérrima tomada de western que Brian de Palma usou nos Intocáveis, acho que o Clint usou em Os Imperdoáveis e Scorsese faz questão de repetir, três rostos chegando, cada um de uma vez, quase juntos, num close up, pra enfrentar o saloon. O cassino é mostrado com câmara em grua de cima, de baixo, de todas as maneiras possíveis; o cassino é o grande saloon do Velho Oeste. Scorsese misturou os trejeitos dos dois grandes filões do cinema americano, o faroeste e o filme de gângster, nos seus planos gerais.
Um brilho, um overtudo.
O Ivor Montagu, aquele cara inglês que foi assistente do Hitchcock e do Einsenstein, autor do livro Film World, de 1964, que detestava toda e qualquer pirotecnia, que achava que jamais a câmara deveria estar atrás de uma lareira ou embaixo das patas de um cavalo ou abaixo de uma diligência ou de um carro, porque isso demonstraria a existência de uma câmara de cinema, e não de um possível olhar humano, acharia todo o filme um horror. O filme é todo, todinho, pirotecnia. É tudo, o tempo todo: Olha, caro espectador, isto é um filme, tá? Isto não é a realidade; isto é um filme.
A história é um horror. É a saga do jogo, como Las Vegas se implantou com a proteção da Máfia e mediante o pagamento mensal de lucros e dividendos a ela. E é igualmente a saga de um amor impossível, maluco, improvável, que nunca poderia dar certo, um judeu excepcional em seu metiê, o jogo, que se apaixona por uma puta extremamente linda, bem sucedida e gananciosa, e casa com ela. “Resolvi complicar minha vida”, conta De Niro, quando mostra o pedido de casamento.
O filme é todo uma tragédia anunciada, o horror anunciado, a violência anunciada. Um horror – e com quanto talento.
Robbie Robertson, o líder da The Band, que tocou com Dylan nos anos 60 e 70, aparece nos créditos como consultor musical. A trilha sonora tem 458 músicas dos anos 50 a 80, mais Joãozinho Sebastião Bach. Robertson já tinha feito para Scorsese a trilha de A Cor do Dinheiro, de 1986; antes ainda, em 1978, Scorsese tinha dirigido The Last Waltz, o concerto de despedida da The Band.
Cassino/Casino
De Martin Scorsese, EUA, 1995.
Com Robert De Niro, Joe Pesci, Sharon Stone, James Woods.
Roteiro Nicholas Pileggi e Martin Scorsese
Baseado no livro de Nicholas Pileggi
Consultor musical Robbie Robertson
Fot Robert Richardson
Cor, 178 min.
Eu já há algum tempo que fiquei farto de filmes de Martin Scorsese.
Claro que não vou dizer que ele é mau, eu é já não suporto mais toda a pirotecnia e exibicionismo; já fui um grande fan mas isso já lá vai, já nem tentei ver os últimos filmes dele.
O último que vi e de que gostei mais ou menos foi “Gangs de Nova Yorque”.
Depois vi “O Aviador” e cheguei ao fim furioso com tanto tempo e esforço gastos para contar a vida de um tolinho muito rico.
Este “Casino” vi-o no cinema e francamente não me lembro de nada, excepto o carro a explodir no início.
Filmaço. Escrevi sobre ele aqui:
http://pt.shvoong.com/entertainment/movies/2173027-cassino/
Abraços
Vou blasfemar aqui: “Casino” é melhor que “Goodfellas”. Não achei “Cabo do medo”. A pirotecnia neste filme tem razão de ser, é adequada. Agora, “Lobo de Wall Street” , sim, é caricato, exagerado, vergonhoso.
Olá, Bruno!
Tenho poucos filmes do Scorsese no site. Gostaria de ter mais. Ele é um cineasta genial – mas as vezes exagera sua genialidade ao ponto de o filme ficar chato…
Um grande abraço!
Sérgio
O filme é ótimo…ele “dialoga” como Os Bons Companheiros”…..
Muitos personagens são os mesmo nós dois filmes…
Gosto do movimento da câmera….aquele certo sinismo “scorsesiano”…
Não é seu melhor filme….nem mesmo chega perto de Touro Indomável ou Os Bons Companheiros….mas é um legítimo Scorcese (assim mesmo….como se estivéssemos no museu do Louvre vendo um quadro famoso).
Apesar de longo, achei o filme interessante. Ele tem bastante pirotecnia, e fortes cenas de agressão física. Parece ser um legítimo Scorcese. Sharon e Pisci convencem mais que o discreto De Niro, na minha opinião.
Mas, no geral, bom filme.