Três Gerações, Um Destino / Mo li hua kai


Nota: ★☆☆☆

Anotação em 2009: Eis aí um interessantíssimo, fascinante filme muito ruim. Bastante ruim, na verdade. Horroroso – mas interessantíssimo, se é que vou conseguir me explicar.

Como indica o título brasileiro, é uma história de três gerações de mulheres; o filme se divide em capítulos – Capítulo 1, A Avó; Capítulo 2, A Mãe; Capítulo 3, A Filha. Na verdade, a rigor, são cinco gerações, porque no capítulo 1 tem a mãe da avó, e no capítulo 3 a filha tem uma filha. Mas tudo bem – a narrativa se concentra nas três gerações que estão no meio.

Então, cacilda, dá uma curiosidade danada saber como se contam histórias de várias gerações num filme da China de hoje, aquele planeta estranho, esquisito, um mundo à parte, onde vive uma de cada cinco pessoas sobre a face da Terra – um lugar tão doido que se diz comunista, é uma ditadura de partido único, sem liberdade de expressão alguma, mas o que reina ali é um capitalismo mais selvagem do que qualquer outro, e os trabalhadores não têm garantia e direito algum, como nos piores tempos do início da Revolução Industrial na Inglaterra ou na Itália, como nas mais trágicas histórias de Charles Dickens.

Como se conta uma história que atravessa décadas, naquele planeta doido em que os filmes têm que ser chancelados, aprovados pela ditadura?

         Uma mocinha romântica vai ao cinema na China dos anos 30

O filme abre com um belo travelling que mostra um prédio de dois andares, onde no térreo funciona uma loja de fotografia e no andar de cima mora a família dona da loja. Uma jovem bonita, num vestido estampado, colorido, sai do prédio, mas, de uma janela do andar de cima, sua mãe a chama, e a jovem se volta para trás e para cima, para a câmara: – “Mãe?” – ela diz, num grande sorriso. A mãe pergunta onde ela vai, ela diz que vai ao cinema. A mãe a chama, ela volta para dentro de casa; a mãe a informa que esse é o último dia em que ela pode ir ao cinema – o funcionário da loja de fotografia foi demitido, porque as coisas não andam bem, o dinheiro está curto, e a partir do dia seguinte a garotinha passará a trabalhar como atendente no balcão da loja.

A garotinha vai ao cinema, ver uma história de amor – um filme chinês, em preto-e-branco.

Não há aquele velho e bom letreiro nos informando onde e quando estamos. O pobre espectador tem que fazer contas e conjeturas. Por vários indícios que serão dados ao longo do filme, não estamos, não, senhor, em Hong Kong, protetorado britânico, capitalista até o limiar do século XXI. Estamos no coração da China continental, numa cidade gigantesca, uma metrópole. Muito provavelmente na capital, Pequim, ou em Xangai – embora isso não seja explicitado hora alguma. Não há guerra, o filme que a mocinha vê no cinema é em preto-e-branco, mas já sonoro, portanto devemos estar nos anos 30, possivelmente em 1935 – a guerra sino-japonesa começou em 1937.

Tudo bem. Isso estabelecido, vamos em frente.

A mocinha sonhadora, romântica, filha da dona da loja de fotografia, chama-se Mo. De repente, não mais que de repente, entra na loja um senhor de uns 40, talvez 50 anos – o sr. Meng (Wen Jiang). É um poderoso produtor cinematográfico. Não se sabe como ele adivinhou que naquela lojinha de fotografia de um bairro da grande metrópole ele encontraria aquela jovem tão bela, mas o fato é que ele entrou lá, olhou pra moça e decidiu fazer dela uma estrela do cinema chinês. Simples assim, moçadinha boa: bateu o olho na moça, levou para fazer um teste, transformou-a numa estrela.

Nesse momento – estamos com uns 20 minutos, de um filme de 130 –, pensei em parar de ver o filme. Ele já havia provado de sobra que era ruim, sem talento, direção de atores péssima, história frouxa, tom babaca, infanto-juvenil-televisivo. Mas eu estava curioso; é a China, meu – vamos ver onde vai dar isso.

         Dos anos 30 para final dos 50 e depois para meados dos 70

Bem. Isso que contei é o início do capítulo 1, a história da avó – a garotinha Mo vai ser mais tarde a avó. No capítulo 2, há um letreiro nos avisando que se passaram 18 anos; no cinema não daria para fazer isso, mas, como é DVD, dá para apertar a tecla pausa e fazer umas contas. Era algo como 1935, mas avançando até a início da guerra, 1939, portanto; então estamos agora por volta de 1958, 1960, a China comunista de Mao. O capítulo chama-se A Mãe, e ali se desenrola então a história da filha de Mo, que se chama Lili. Lili é interpretada pela mesma atriz que fazia a Mo jovem, Ziyi Zhang; e a Mo adulta, madura, é interpretada por Joan Chen, a mesma atriz que havia feito, no primeiro capítulo, a mãe de Mo.

Está confuso? Se estiver, a culpa é minha. No filme, as coisas não são confusas – a não ser o fato de que o espectador tem que ficar fazendo contas para saber em que época a ação está se passando.

Quando chega o capítulo 3, A Filha, há de novo um aviso sobre tempo: estamos agora 13 anos depois. Portanto, algo em torno de meados dos anos 70. Aí o espectador já sabe: a filha de Lili, neta de Mo, será mais uma vez interpretada pela mesma Ziyi Zhang que já havia feito os dois papéis das jovens Mo e Lili. E a mesma Joan Chen de sempre continua lá na história, como a Mo adulta.

         A grande estrela Joan Chen – e a super-hiper-megastar Ziyi Zhang

Muito bem. Vamos lá. Joan Chen, nascida em Xangai, em 1961, é uma grande estrela internacional, que conseguiu a proeza extraordinária de trabalhar tanto em produções da China comunista quanto em filmes ocidentais. Sua carreira fantástica, iniciada em 1977, inclui O Último Imperador, de Bertolucci, de 1987, Entre o Céu e a Terra/Heaven & Earth, de Oliver Stone, e o magnífico, estupendo Desejo e Perigo/Lust, Caution/Se, Jie, do chinês de Taiwan radicado nos Estados Unidos Ang Lee. 

E a mocinha Ziyi Zhang, nascida em Pequim (desculpem-me os revisionistas dos nomes próprios, mas Beijing é a vovozinha) em 1979, cacilda, essa mocinha é uma hiper-super-mega-estrela! Confesso minha total ignorância: eu não tinha idéia de quem é Ziyi Zhang até agora, até este exato momento em que escrevo esta anotação.

Assim como Joan Chen, ela trabalha tanto na China comunista quanto na outra parte do planeta. Começou a carreira em 1996, em filme para a TV chinesa. Em 2001, trabalhou em Rush Hour 2, coisa hollywoodiana até a medula. Estrelou O Tigre e o Dragão, de Ang Lee. Trabalhou em 2046, o cult do cultuado Kar Wai Wong, e na superprodução hollywoodiana Memórias de uma Gueixa. Já teve uma indicação para o Globo de Ouro – no total, obteve 12 prêmios e 22 indicações.

Mas isso aí não é nada. O item “Trivia” de Ziyi Zhang no iMDB é uma coisa absolutamente assombrosa. Dá vontade de transcrever tudo – mas também dá preguiça, tanta coisa a moça tem. Vou dar alguns fatos: a revista Time a elegeu uma das 100 pessoas mais influentes do mundo. Foi membro do júri do Festival de Cannes em 2006! Foi eleita uma das 25 estrelas de menos de 25 anos mais quentes pela Teen People Magazine em 2001 e 2002. A revista People a colocou três vezes na lista das pessoas mais bonitas do mundo. Foi eleita entre as mulheres mais sexy do mundo em Taiwan e no Reino Unido! (Para o povo de Formosa votar em uma chinesa da China comunista é porque o tesão é grande pacas…) Foi eleita para 200 zilhões de listas de mais isso e mais aquilo mundo afora. Fez campanhas publicitárias para os cosméticos Maybelline, para água mineiral coreana, para o xampu Pantela, para a Coca-Cola asiática, para os computadores Lenovo…

Mas péra lá. Como assim? Campanhas publicitárias? Uma chinesa da China comunista? Mas publicidade de grandes empresas não é o mais sórdido capitalismo? Ah, meu, estamos falando da China – é outro mundo, não dá pra entender como aquilo ali funciona.

Voltemos à moça. A moça não coleciona apenas títulos relacionados à beleza e à sensualidade. Aos 11 anos, entrou para a Academia de Dança de Pequim, onde se formou, e aos 17 estava no Colégio Central de Drama, tido como uma das mais importantes escolas de formação de atores, uma espécie assim de EAD, a Escola de Arte Dramática da Universidade de São Paulo, daquele lugar louco onde vivem 1,3 bilhão, BILHÃO, de pessoas, cerca de sete Brasis. Dá para imaginar o que é a peneira para uma vaga numa escola dessas?

         Estrelas – mas mal dirigidas, trabalhando mal

Pois quer saber? Achei que Ziyi Zhang trabalha mal pacas. Assim como Joan Chen, que já vi em belas atuações – achei Joan Chen (foto abaixo) mal dirigida, trabalhando mal.

Esta anotação está muito ruim. Gozado: eu tinha pressentido que não saberia escrever direito sobre este filme.

Este filme muito ruim, horroroso, é assim uma espécie de superprodução hollywoodiana, com um cuidado, um esmero visual de filme publicitário ou ficção de Alan Parker, com um tom melodramático de fazer inveja às novelas cubanas pré-Fidel ou aos dramalhões mexicanos ou às novelas colombianas, com uma sensualidade às vezes pudica de coisa de regime comunista, às vezes flertando com o quasepornô, com mais neuroses e psicoses do que poderia sonhar Sigmund Freud.

O estilo do filme me fez lembrar Angel, aquele exercício de estilo de François Ozon, em que ele cria uma realidade falsa, um clima dos romances de quinta categoria para mocinhas ou senhoras de mente embotada – Elvira, a Morta Virgem, O Grande Industrial. Com uma pitadinha de Apasionados, uma porcaria que transforma a Argentina num país de conto de fadas, onde não existe qualquer tipo de problema social. 

Tem de tudo, essa história de três, ou cinco, gerações de mulheres chinesas: quase incesto, suicídio, paranóia, novas insinuações de incesto. Tem um horror ao aborto de fazer inveja aos movimentos mais reacionários dos religiosos xiitas americanos. 

E, no entanto, é tudo revestido com uma aura clean, uma aura de novela da Globo, que não quer ofender ninguém, nem ser muito sério – só sentimental, melodramático. Mostra-se a China desde os anos 30 até os anos 80 sem mostrar superpopulação, guerra, revolução, miséria, flagelo, perseguição política, assassinato em massa – segundo o filme, a invasão da China pelo Japão não causou problema algum, e a Revolução Cultural, com seus crimes absurdos, essa nem aconteceu. A China do diretor Yong Hou é assim uma espécie de Suécia, de Finlândia, de Suíça: não há falta de nada, materialmente falando. Tudo é um grande conforto de primeiríssimo mundo. E, como sobra tudo em termos materiais, dá-lhe infelicidade, insensatez, loucura.

O texto, de fato, está ruim demais. Mas ele e o filme se merecem. É um filme ruim demais.

Três Gerações, um Destino/Mo li hua kai

De Yong Hou, China, 2004

Com Ziyi Zhang, Joan Chen, Wen Jiang

Roteiro Yong Hou e Xian Zhang

Baseado no romance de Su Tong

No DVD. Produção My Way, KAM

Cor, 130 min

*

Títulos internacionais em inglês: Jasmine Women, Jasmine Flower

7 Comentários para “Três Gerações, Um Destino / Mo li hua kai”

  1. Estou encantada, mas não sei de quem é esta crítica perfeita sobre um filme ruim com bom elenco.Estou até atordaoada, nem sei como me expressar, sei apenas q vi coisa parecida,(só que bem pior, pq ñ precisamos nem pensar em época , regime político ou qlq outra coisa) estou falando de BLACK SWAM. Adoraria ler uma crítica desse filme feita por você. Mas antes, preciso saber QUEM É VOCÊ? que me deixou encantada e q só me decepcionará se disser que BLACK SWAM, é um bom filme!?Aguardo resposta e já agradeço.P.s. Na verdade preciso conhecer um/uma crítica/co de cinema em quem possa confiar, mesmo q discorde de pequenos, ínfimos detalhes (risos). É evidente q confio no meu bom senso!!!!

  2. Cara Rita,
    Que bom que você gostou da anotação sobre o filme.
    Eu sou o autor do texto – se você der uma olhadinha no site, meu nome está lá, bem no alto, acima da foto – 50 Anos de Filmes… Por Sérgio Vaz. O humilde servo que vos fala. Logo abaixo da foto comprida, em Cinemascope, ou widescreen, está lá APRESENTAÇÃO, em que digo quem eu sou, onde estou e para onde vou.
    Ainda não vi Black Swan. Pelo jeito, você detestou o filme, não é?
    Bem, como você verá, se ler a Apresentação no meu site, não sou crítico de cinema – sou apenas um assistidor de filmes. De qualquer maneira, acho difícil você encontrar um crítico em possa confiar, que só discorde de você em detalhes ínfimos, porque, afinal, cada cabeça tem uma sentença, né?
    Bem, muitíssimo obrigado pela sua mensagem. Um abraço.
    Sérgio

  3. Sérgio,todos nós somos críticos de alguma maneira, o q acontece é q só pesa à opinião formal, até prá q se crie uma ordem se não, seria um caos (óbvio rsrsrs).Mas,sua opinião, até q se prove o contrário, tá valendo muito, já q eu ouvi todas às críticas muito elogiosas à BLACK SWAM, de criticos, e tb de cineasta,q até acha, q o filme não ganha o OSCAR pq “é muito prá academia”. Eu juro q ele vai ganhar pois ele tem à cara do OSCAR… coitado desse OSCAR rsrsrs P.s. POR FAVOR, ASSITA AO FILME, E SE GOSTAR CONTE-ME EM DETALHES PORQUE….. P.s.Só vi seu nome seguindo suas instruções, eu falei: q seu coment tinha me atordoado rsrs. VOU usar algumas das suas palavras (aspeadas, lógico) prá definir BLACK SWAM, no Facebook.Aguardo retorno. NO face:RITA BRAYNER Ah!!!! Obrigada pela resposta!!!!!!!

  4. Não gostei da crítica, não por discordar dela, mas por ser muito mal escrita além de pessimamente estruturada.

  5. Mariana, muito obrigado por expressar sua opinião com tamanha sinceridade, de forma tão direta.
    Um abraço.
    Sérgio

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