2.5 out of 5.0 stars
Anotação em 2008: É, de fato, uma produção extremamente caprichada; a diretora australiana Gillian Armstrong reuniu dinheiro de vários países (Inglaterra, Austrália, apoio do Banco da Irlanda) e atores idem (da Austrália, País de Gales, Estados Unidos, Inglaterra) para fazer um filme de época (a década de 1920) suntuoso em diversos aspectos – visual caprichadíssimo, exuberante, reconstituição perfeita, figurinos cuidadíssimos, boa música.
Tudo bem – mas o melhor de tudo, de longe, disparado, é Saoirse Ronan.
Saoirse Ronan. A grafia é esquisita, a palavra é praticamente impronunciável, o nome me era absolutamente desconhecido até uns poucos meses atrás. Faço esta anotação em julho de 2008; em fevereiro, ao anotar sobre o que chamei de “uma comedinha romântica bem bestinha”, Nunca é tarde para amar/I could never be your woman, de 2007, com Michelle Pfeiffer, escrevi: “Essa garotinha de nome difícil, Saoirse Ronan, que interpreta a filha de Michelle Pfeiffer, faria no mesmo ano o papel de Briony em Atonement”.
Ela é de 1994; em 2007, aos 13 anos de idade, fez o papel de filha de Michelle Pfeiffer em uma comedinha romântica, fez esta grande produção internacional aqui, e fez a Briony de Desejo e Reparação/Atonement. Neste ano de 2008, em que faz 14 de idade, já recebeu quatro prêmios e nove indicações – inclusive para o Oscar de coadjuvante pela sua interpretação de Briony.
O personagem de Briony aos 13 anos é um dos mais ricos, complexos, difíceis que já foram levados ao cinema nos últimos muitos anos. E a menina saiu-se extremamente bem – ela me impressionou demais já no trailer, que vi na internet bem antes de ver o filme, que felizmente só vi depois de ler o romance absolutamente extraordinário de Ian McEwan. (Ver o filme antes de ler esse romance é perder uma das experiências literárias mais interessantes da vida.) A garota demonstra imenso talento – e estrela, sorte, muitíssima sorte. Aos 13 anos, ter a oportunidade de fazer Briony no cinema – personagem que, na idade mais madura, é interpretado por Vanessa Redgrave, esse monumento, é muita sorte na vida.
Pois bem. Então, neste filme aqui, a garotinha talentosa e sortuda trabalha ao lado do australiano Guy Pearce, ótimo ator tanto em papel de drag queen (Priscilla, a Rainha do Deserto) quanto em de policial (Los Angeles Cidade Proibida/L.A. Confidential), do excelente inglês Timothy Spall, que já trabalhou sob a direção de gente respeitabilíssima – Mike Leigh (Segredos e Mentiras, entre outros), Kenneth Branagh (Hamlet), Agnieszka Holland (Complô contra a Liberdade/To Kill a Priest) – e ao lado de uma galesa lindíssima que virou estrela de Hollywood, La Zeta-Jones, sra. Michael Douglas.
Pois Saoirse Ronan simplesmente engole Guy Pearce, Timothy Spall e Catherine Zeta-Jones. Engole tudo na produção cara e muito bem cuidada. É a melhor coisa do filme.
Ela faz Benji, filha única da mãe solteira Mary McGarvie (o papel de Catherine Zeta-Jones), uma mulher pobre que se vira na vida, na Edinburgh dos anos 1920, como dançarina, às vezes ladra e, principalmente, fazendo-se passar por médium. Benji nasceu com o dom de ver do outro lado das coisas e cresceu com um imenso talento para ajudar a mãe nas vigarices que ela faz para sobreviver; o espectador verá que, na verdade, o talento da garota é mesmo maior que o da mãe (assim como o das atrizes que interpretam os dois papéis).
O maior acontecimento na vida das duas personagens é o encontro com o Grande Houdini, o maior mágico do mundo na época, em sua passagem por Edinburgh. Guy Pearce faz um Houdini poderoso, forte, imbatível, famosíssimo, riquíssimo, mas ao mesmo tempo solitário, mergulhado em dúvidas, em culpas, em um relacionamento não resolvido com a mãe que ele idolatra e que morreu, e em uma necessidade insana de desafiar a morte e de verificar se é possível fazer contato com os mortos. Timothy Spall faz, com a competência com que trabalha em dramas familiares de Mike Leigh e em filmes da franquia Harry Potter, seu empresário e braço direito, Sugarman.
E todos e tudo no filme – até mesmo a história – ficam menores diante de Saoirse Ronan. Que, aliás, é quem narra o filme, num texto um tanto presunçoso, pretensioso – o que, é claro, não é culpa dela.
Saoirse Ronan. Jamais vou saber pronunciar isso direito, ou escrever isso direito sem ter que consultar um alfarrábio. Segundo o iMDB, Saoirse significa liberdade em irlandês, e pronuncia-se “seer-sha”, mas a própria garota prefere pronunciar “sur-shuh”. Ela pode falar do jeito que quiser. Uma menina nascida em Nova York (é filha do ator Paul Ronan), criada na Irlanda, que em um único ano interpretou uma garotinha californiana rica dos dias de hoje, uma inglesa muito rica dos anos 1930 e uma escocesa pobre nos anos 1910, e interpretou todas muito bem, pode falar do jeito que bem entender.
Se não pirar como Drew Barrymore e Tatum O’Neal piraram ou Lindsay Lohan volta e meia pira, se não der um azar com problemas comportamentais como Winona Ryder deu, não há limite para essa menina.
Atos Que Desafiam a Morte/Death Defying Acts
De Gillian Armstrong, Inglaterra-Austrália, 2007.
Com Guy Pearce, Catherine Zeta-Jones, Saoirse Ronan, Timothy Spall
Argumento e roteiro Tony Grisoni e Brian Ward
Música Cezary Skubiszewski
Fotografia Haris Zambarloukos
Produção BBC-Myriad-Zaphyr-Australian Film Finance Corporation.
Cor, 97 min.
**1/2
Título em Portugal: Houdini – O Último Grande Mágico
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