3.5 out of 5.0 stars
Anotação em 1996: Uma delícia, tão bom, competente e bem feito quanto o anterior da dupla de diretores cubanos, Morango e Chocolate. (Alea morreu em abril deste ano, 1996.) É igualmente crítico dos erros do regime cubano, mas com uma crítica feita com amor e simpatia. A rigor, é ainda mais crítico que o anterior, é mais contudente no ataque à rigidez do regime, à incapacidade do regime de se adaptar, abrir brechas na estrutura imutável desde 1960.
Mas é de fato uma crítica sem ranço, sem reacionarismo, sem nem um pouquinho de baba na gravata. É tudo bem humorado, pra cima, gostoso, com um grande encantamento pelo povo cubano – mostrado como exatamente igual ao brasileiro: maroto, esperto, capaz de se virar, curtindo fazer pequenos trambiques, apaixonado pelos prazeres da vida, do sexo à bebida, comida, cigarro.
É tudo bom – a música, a fotografia, os atores. O roteiro é delicioso. Simples, com um fiapinho de história e muitos casinhos dentro dela, praticamente esquetes. Um road movie, na melhor tradição – e Alea e Tabío aproveitam para mostrar paisagens lindíssimas da ilha, assim como as mazelas da pobreza trazida pelo embargo americano e ampliada com o fim do subsídio que era dado pelo império soviético: o casario lindo apodrecendo, a falta de infra-estrutura, a falta de comida.
Usa muito bem pitadinhas de realismo fantástico: a menininha que aparece para o músico idoso, lembrança que ele tem da infância da cantora que saiu aos 17 anos de Guantánamo e conquistou o mundo, mas nunca saiu da memória dele. Usa flashbacks em preto e branco brilhantes, curtinhos, quando a ex-professora encontra o ex-aluno, os dois atraídos um pelo outro mas incapazes de concretizar o amor por ela ser casada.
A história: Yoyita, a cantora nascida em Guantánamo, que saiu de sua cidade aos 17 anos, volta agora, 50 anos depois, para ser homenageada; é recebida pela sobrinha, a ex-professora, Gina, e revê o namorado da adolescência, um músico da orquestra local, Cândido (acho). Quando se encontram e conversam sobre o passado, fazendo planos de nunca mais se separarem, ela morre.
Em ação paralela, vemos o marido da sobrinha, uma pessoa que já teve postos importantes na estrutura do regime, e hoje é o encarregado do serviço funerário de Guantánamo. Ele está em Havana, junto com seus pares das várias cidades do país, discutindo exatamente como e onde enterrar os mortos – se em suas cidades natais, se no lugar que a família escolher, se nas cidades onde acontecessem as mortes. E vence justamente a posição defendida por ele, a de que a responsabilidade deve ser distribuída por todas as cidades, e as pessoas devem ser enterradas onde viveram os últimos anos da vida. O corpo de Yoyita, portanto, deve atravessar o país, do extremo Leste, Guantánamo, ao extremo Oeste, Havana.
Durante a viagem, Gina se encontra diversas vezes com o ex-aluno, hoje um caminhoneiro safado e mulherengo. Há todos os tipos de peripécias e, quase no fim, a inevitável troca de caixões.
O encarregado do serviço funerário é a encarnação da burocracia rígida do regime cubano. A crítica é ferina, virulenta.
Há um diálogo especialmente delicioso. O caminhoneiro conta para o companheiro que, na faculdade, estudava uma matéria chamada Comunismo Científico. Ultimamente, a matéria tinha passado a se chamar Socialismo Científico. E o companheiro brinca que no futuro ela será substituída por Capitalismo Científico.
Guantanamera
De Tomás Gutiérrez Alea e Juan Carlos Tabío, Cuba-Espanha-Alemanha, 1995.
Com Mirtha Ibarra, Jorge Perugorría, Carlos Cruz, Conchita Brando
Roteiro Eliseo Alberto, Tomás Gutiérrez Alea e Juan Carlos Tabío
Música José Nieto
Fotografia Hans Burman
Cor, 105 min.
Há muitos anos assisti a um filme cubano que, em minhas lembranças, seria Morangos E Chocolate. Pelo resumo da materia creio estar confundindo. No filme que assisti havia um gay e todo o sofrimento a ele imposto. Afinal, qual é o nome deste filme?
O livro Os que bebem como cães foi transformado em filme?
Obrigzsa
Olá, Carmen!
Sim, “Morangos e Chocolates” é o filme cubano célebre que tem o personagem gay. Acho que você já encontrou informações sobre ele aqui no 50 Anos de Filmes, certo?
Será que você se refere ao livro “O homem que amava os cachorros”, de Leonardo Padura? Este livro, que eu saiba, ainda não foi transformado em filme.
O Leonardo Padura escreveu, juntamente com o realizador francês Laurent Cantet, o roteiro de um filme belíssimo sobre Cuba, Retorno a Ítaca. Comentei o filme no meu site: https://50anosdefilmes.com.br/2016/retorno-a-itaca-retour-a-ithaque/
Outros bons filmes sobre Cuba que já comentei no site são:
https://50anosdefilmes.com.br/2014/7-dias-em-havana7-dias-en-la-habana7-jours-a-la-havanne/
https://50anosdefilmes.com.br/2013/cuba/
https://50anosdefilmes.com.br/2015/dirty-dancing-noites-de-havana-dirty-dancing-havana-nights/
https://50anosdefilmes.com.br/2016/todos-se-van/
https://50anosdefilmes.com.br/2014/chico-rita/
https://50anosdefilmes.com.br/2010/habana-blues/
Um abraço!
Sérgio
A crítica é tendenciosa para o lado do capital. A comparação com os brasileiros é, no mínimo, mentirosa, sou brasileira e não sou assim, como muitos iguais a mim. O tratamento dado às mulheres cubanas pode estar estereotipado, como o próprio povo cubano. O Brasil passa por dificuldades atualmente, mas não diria que somos um país fascista, assim como Cuba não é um país cuja mulher seja prostituída.