Pássaro Branco na Nevasca começa como um bom, sensível drama familiar. Tem a vantagem de ter uma jovem atriz de imenso talento, essa Shailene Woodley, no papel principal, e o diretor Gregg Araki se mostra estiloso, porém sem exageros, sem que o estiloso atrapalhe a narrativa.
Depois, ali pela terça parte final, o filme vira outra coisa, e piora bastante. Pena.
A voz de Shailene Woodley narra a história, ao longo de todos os 91 minutos de filme. De cara, logo após os créditos iniciais, ela conta para o espectador que estava com 17 anos quando sua mãe desapareceu.
Pouco antes do dia em que a mãe dela, Eve (interpretada por Eva Green, à esquerda na foto logo abaixo e na foto seguinte), desapareceu, Kat havia chegado em casa e encontrado a mãe deitada na cama da filha. E esta é a primeira sequência do filme: a garota chega ao seu quarto e encontra a mãe deitada em sua cama. “Mãe, mãe!”, ela chama – e então Eve acorda, com uma expressão de quem não sabe direito onde está, e pergunta que horas são. Cinco horas, Kat responde – e a mãe então diz que tem que preparar o jantar.
E então, passados uns dois dias, Eve desaparece.
Antes de voltar para casa, vindo da escola, Kat passa na casa em frente à sua, onde moram Phil (Shiloh Fernandez), seu namorado, e a mãe dele, uma senhora cega, Mrs. Hillman (Dale Dickey). Mrs. Hillman não sabe do filho.
Kat chega então em casa, e encontra o pai, Connors (o papel de Christopher Meloni, ao centro na foto acima, o eterno Elliot Stabler de Law & Order – Special Victims Unit) sentado, com um ar um tanto catatônico. Ele vai logo dizendo que Eve desapareceu. Kat não dá importância, diz que ela deve ter ido a algum lugar, e logo voltaria. Ele diz que já telefonou para os lugares onde a mulher poderia estar.
Combinam que, caso ela não apareça no dia seguinte, vão à delegacia.
Na delegacia, são recebidos por um detetive que a voz de Kat diz para o espectador é completamente diferente das de seu pai e de Phil. É um tipo másculo, com uma tatuagem no braço, um jeito de quem enfrenta perigos na rua. (Até achei estranha a tatuagem, porque, no início da narrativa, um letreiro informa que estamos no Outono-Inverno de 1988, e para mim nessa época ainda não era comum as pessoas se tatuarem – com exceção dos presos dos filmes americanos.)
O detetive Theo Scieziesciez (Thomas Jane) faz as perguntas de praxe. Eve tomava algum remédio, parecia deprimida? Kat toma a iniciativa de responder: se a pergunta é na direção de saber se a mãe teria se matado, não, ela não se matou.
O detetive olha para a adolescente bonita, e se volta para o marido:
– “Odeio ser eu a dizer isso, mas centenas de esposas somem toda semana. Se uma mulher quer sumir, meu amigo, ela consegue.”
Era um casamento profundamente infeliz. E mãe e filha não se davam bem
Nos dias seguintes, Eve não aparece. Kat passa a ver – por insistência do pai – uma psicóloga, a dra. Thaler (Angela Bassett). Ela conta para a psicóloga que na verdade não sente saudade da mãe, falta da mãe. Na verdade, não sente nada com o fato de a mãe ter desaparecido.
Às vezes sonha com a mãe – e o diretor, roteirista e também montador Gregg Araki mostra alguns dos sonhos de Kat para o espectador. Em um deles, Kat está no meio da tela inteiramente branca, com neve caindo – é como se fosse o pássaro branco na nevasca, o white bird in a blizzard do título, traduzido literalmente pelos exibidores brasileiros. E a mãe está nua, deitada na neve.
O retrato que o relato de Kat dá para o espectador – e todo o filme é mostrado através dos olhos da garota que tinha 17 anos quando sua mãe desapareceu – é de um casamento muito, muito, muito infeliz.
Eve não amava o marido. Muito ao contrário: tinha desprezo por ele. Achava o marido sem graça, sem encanto, sem nada especial. Por que teria se casado com ele, então? A pergunta chega a ser formulada, mas ninguém tem, é claro, exatamente a resposta. Provavelmente ela não encontrou opção melhor, apesar de ser linda, de ter estudado até a faculdade, de ser elegante – e então se casou com o homem de quem não gostava, e logo passou a desprezá-lo. E, apesar de viver nos anos 80, quando a maior parte de mulheres em sua situação tinha profissão ou no mínimo emprego, ela não procurou nada para fazer na vida – e se conformou em cuidar da casa e preparar as refeições para o marido que não admirava.
Com a filha, a relação não foi muito boa a partir do início da adolescência de Kat. Eve implicava com a filha porque ela era gordinha – mas quando, ali pelos 15, 16, Kat encompridou e deixou de ser magra, e passou a ser, isso sim, gostosérrima, Eve começou a dar mostras de uma implicância talvez provocada por ciúme da beleza e da juventude da filha.
Pior ainda: nos últimos tempos, antes de de repente desaparecer, como centenas de esposas desaparecem toda semana, Eve andou querendo se mostrar para Phil, o namorado de Kat. Uma noite, havia flagrado Phil e Kat dando uns amassos, e tinha mandado o garoto embora de casa. Algum tempo mais tarde, apareceu no porão da casa da família, onde Kat e Phil estudavam, trajando um shortinho, tomando um copo de vinho – seguramente não o primeiro – e dançando.
Não dá para garantir que era o objetivo de Gregg Araki, mas o fato é que o espectador poderá ficar imaginando, nessa altura do filme, quando há esses flashbacks mostrando esses eventos, que talvez Phil tivesse tido um caso com a mãe de sua namorada. Eu, pelo menos, fiz essa conjetura, e comentei com Mary. Fiz também outras conjeturas, aí, quando o filme está chegando ali pela metade – e passei perto do que será revelado no final. Não digo isso para me gabar, de forma alguma, mas para indicar que o roteiro leva o espectador a fazer esse tipo de conjetura.
Atenção: aqui vem um spoiler. Melhor pular para o intertítulo seguinte
Kat tinha dois grandes amigos: Beth e Mickey, respectivamente Gabourey Sidibe e Mark Indelicato – ela uma moça negra bem gorda, ele um jovem gay cheio de gestual de veado, os dois inteligentes, espertos, bons companheiros. Kat confidencia a eles sua decepção com o fato de, após um gostoso início de boas relações sexuais com Phil, o rapaz agora não estar se mostrando interessado em trepar com ela. E Kat – o espectador vai vendo isso com clareza – é um vulcão de sensualidade.
E aqui vem um spoiler. Não vou revelar como termina a história, mas vou dar algumas indicações, e por isso sugiro que, se o eventual leitor ainda não tiver visto o filme, pule para depois do próximo intertítulo.
Passado um tanto mais da metade deste filme que começa – repito – como um sensível drama familiar, a história vira algo como um thriller, um policial. E aí, creio, ele perde bastante, ou se perde inteiramente.
Haverá uma revelação talvez não de todo surpreendente, e em seguida uma nova e definitiva revelação, essa totalmente inesperada – e que não se ajusta com nenhum ponto mostrado pela história até então. Mary a chamou de saída Mandrake, e é exatamente isso. É Mandrake: é mágica, não se coaduna com nada do que foi mostrado anteriormente.
Uma pena.
A melhor coisa do filme, disparado, é essa garota Shailene Woodley
Depois de tanto relato, algumas informações.
White Bird in a Blizzard (um belo título, que, pelo som, faz lembrar Sweet Bird of Youth, a novela de Tennessee Williams filmada por Richard Brooks em 1962) foi a segunda novela publicada por Laura Kasischke, novelista e poeta nascida em Grand Rapids, Michigan, a cidade em que minha sobrinha Rejane passou um ano e que criou o que eu chamei de o clipe mais emocionante da história – um plano sequência extraordinário ao som de “American Pie”, de Don McLean.
Laura Kasischke publicou o livro em 1999, quando estava com 38 anos de idade – ela é de 1961.
Gregg Araki é dois anos mais velho que a autora: nasceu em 1959, na Califórnia. Tem 12 títulos como realizador, mas eu nunca tinha visto nenhum dos outros filmes dele.
A melhor coisa deste filme, disparado, é Shailene Woodley. Como o diretor, é californiana; nasceu em 1991, e portanto estava com 24 anos quando Pássaro Branco na Neve foi lançado. Vinte e quatro anos intensos, já que ela começou a carreira como modelo em comerciais aos 4 anos de idade, e a carreira de atriz aos 8. Em setembro de 2015, o IMDb listava 30 títulos na filmografia da moça: 30 filmes, 36 prêmios e 49 outras indicações. Entre seus filmes está o excelente Os Descendentes (2011), de Alexander Payne, A Culpa é das Estrelas e Divergente (os dois de 2014).
(Ao procurar as fotos para este post, vi que há vários gifs de Shailene Woodley em poses sensuais em sequências do filme. Além de muito talentosa, a moça é bela.)
Na minha opinião, vem se juntar a outras jovens de talento faiscante: Ellen Page, Jennifer Lawrence, Saoire Ronan, Elizabeth Olsen.
Posso estar enganado, é claro, mas acho que essas moças serão daqui a uns dez anos o que eram, aí na casa dos 30 e muitos anos, Katharine Hepburn, Jane Fonda e Meryl Streep.
Anotação em setembro de 2015
Pássaro Branco na Nevasca/White Bird in a Blizzard
De Gregg Araki, EUA-França, 2014
Com Shailene Woodley (Kat Connors),
e Eva Green (Eve Connors), Christopher Meloni (Brock Connors), Shiloh Fernandez (Phil), Angela Bassett (Dr. Thaler), Ava Acres (Kat aos 8 anos), Thomas Jane (Detetive Scieziesciez), Gabourey Sidibe (Beth), Mark Indelicato (Mickey), Dale Dickey (Mrs. Hillman), Sheryl Lee (May), Jacob Artist (Oliver)
Roteiro Gregg Araki
Baseado na novela de Laura Kasischke
Fotografia Sandra Valde-Hansen
Música Harold Budd e Robin Guthrie
Montagem Gregg Araki
Produção Desperate Pictures, Orange Studio, Why Not Productions, Wild Bunch. DVD Imovision.
Cor, 91 min
**
Não esperava muito desse filme, e até que não achei tão ruim, ainda que ele vire outra coisa da terça parte em diante, como você disse. O rumo que a história toma infelizmente deixa buracos no roteiro.
Para mim uma das coisas boas é o bonitão Thomas Jane, que não me lembro de ter visto em outros filmes (pelo o que li por cima, ele é ex-marido de Patricia Arquette). A outra, é a amizade de Kat com os dois amigos, que são tipos “não aceitos” pela sociedade (e ela, mesmo dentro dos padrões, também trazia sua parcela de sofrimento).
O fato de sonhar com a mãe na neve é uma boa sacada, que ajuda o espectador na cena em que Katrina e os amigos estão conversando e tomando champanhe no porão da casa dela, durante o recesso da faculdade.
Eva Green está vários tons acima na interpretação. O histrionismo de sua personagem só irrita o espectador.
Shailene Woodley é mesmo boa atriz, mas achei desnecessárias as cenas de (quase) sexo com ela (super mal feitas), principalmente as com o cara de 40. Devo estar pegando birra desse tipo de coisa gratuita em filmes. Queremos uma sociedade menos machista, mas não paramos de objetificar a mulher, nesse caso, uma adolescente. Só que é isso que vende e atrai o público, principalmente quando a história não se sustenta sozinha.