15 Anos e Meio / 15 Ans et Demi

2.5 out of 5.0 stars

Um leitor do IMDb escreveu lá que 15 Anos e Meio é uma gigantesca tolice; que parece uma refilmagem francesa de comédias ruins de Hollywood, quando o normal é que Hollywood refilme comédias inteligentes feitas na França.

O rapaz seguramente estava mal humorado na hora em que viu o filme. Na minha opinião (e também na de Mary, que é bem mais exigente que eu), é uma comedinha tão gostosa quanto despretensiosa. Não se leva a sério, nem é para ser levada a sério. Quer apenas divertir – e diverte.

O tema é eterno e universal: a distância entre as gerações, a imensa dificuldade de os pais compreenderem seus filhos adolescentes.

Já é dificílimo os pais compreenderem os filhos adolescentes quando convivem com eles todos os dias. Quando são pais ausentes, distantes, então, aí há mais que um Grand Canyon entre um e outro. Há uma ida e uma volta até o fim do universo.

É o caso de Philippe e Églantine, os protagonistas do filme dirigido pela dupla François Desagnat e Thomas Sorriaux, sobre roteiro dos dois e mais do autor da história original, Vincent Ravalec. Philippe (interpretado, em momento de bom humor, quase de descanso, pelo incansável Daniel Cinco Filmes por Ano Auteil), um grande cientista, papa da biologia molecular, deixou a mulher e a filha recém-nascida 15 anos antes, para uma temporada no MIT, o prestigioso Massachussets Institute of Technology, em Boston.

Prevista para alguns meses, a estadia de Philippe na grande instituição se perpetuou. Uma vez por ano, no verão, ele viajava para estar por alguns dias com a filha. Quando a narrativa começa, Philippe está recebendo uma honraria dos colegas cientistas em Boston, e aproveita para anunciar que passará os três meses seguintes em Paris: sua ex-mulher iria fazer uma viagem longa ao exterior, e ele ficaria tomando conta da filha.

Pai que vê a filha todo santo dia tem imensa dificuldade para compreendê-la, em especial quando chega a adolescência. Repito isso porque falo de experiência própria. Após passar uma vida inteira distante, falando ocasionalmente por telefone e vendo apenas durante alguns dias a cada ano, então…

O universo de distância entre pai e filha cresce à velocidade do Big Bang

Églantine (interpretada por Juliette Lamboley, uma gracinha de jovem atriz, que já era experiente em séries da TV francesa) recebe o pai sem um abraço sequer. Assim que ele chega à casa dela, ela diz para ele se virar e dar um jeito na casa porque ela tem que estudar. Resta ao renomado cientista replicar, sorridente: – “Também estou feliz em te ver”.

O planeta Adolescência talvez consiga ser até mais difícil de ser compreendido do que o planeta China, essa coisa misteriosa. Por mais bambambã que seja na biologia molecular, Philippe não está, de forma alguma, preparado para chegar perto dele.

Não que Églantine seja uma louca varrida, um problema ambulante, um desajustamento em pessoa. Não é. Nem sequer experimenta drogas. É apenas uma adolescente típica, com leve problema comportamental na escola. Mas Philippe, evidentemente, vai fazer besteira atrás de besteira. Tentará impor autoridade no grito, ao que será obrigado a ouvir a resposta óbvia: “Você só é meu pai biológico”.

O universo de distância entre um e outro cresce à velocidade do Big Bang.

E entra em cena o tio de Églantine do lado de mãe, Jean-Maxence (François Damiens). Jean-Maxence é uma espécie assim de cruzamento de Paulo Coelho com Chalita com o Padre Marcelo: escreveu trocentos livros de auto-ajuda, é tido como entendendor de adolescentes.

As conversas de Philippe com Albert Einstein (François Berléand), seu amigo imaginário, não conseguem melhorar muito as coisas entre ele e a filha. E então Philippe aceita participar os workshops de Jean-Maxence voltados para pais que não entendem os filhos adolescentes.

As sequências nos workshops são de um ridículo atroz – e elas devem certamente ter enfurecido aquele leitor do IMDb que citei acima. A questão é que esses workshops são mesmo do ridículo mais atroz que se pode imaginar. E de novo sei disso por experiência própria: a S.A. O Estado de S. Paulo nos submetia a um workshop por mês, cada um mais sonso, imbecil e inútil que o outro.

Um detalhinho para nos fazer lembrar que a cor da pele não diferencia as pessoas

Um detalhinho interessante.

Uma das duas maiores amigas de Églantine é Anne-Sophie (Coura Traoré), sua vizinha e colega de escola. Anne-Sophie tem um irmão mais novo, Enzo, a quem Philippe pedirá ajuda para tentar saber o que sua filha anda aprontando. Os dois são filhos de Fionna (Julie Ferrier), que frequenta bastante a casa de Églantine. Fionna tem a pele branca. Anne-Sophie e Enzo têm a pele negrinha, negrinha. Ninguém, em momento algum, faz qualquer tipo de referência à cor da pele de qualquer um dos personagens do filme.

Me lembro que Steven Spielberg já havia feito isso, em Jurassic Park – O Parque dos Dinossauros. No filme, a filha do protagonista, interpretado por Jeff Goldblum, tem a pele negra, sem que se tenha de dar qualquer explicação para o fato.

Uma salutar forma de lembrar a todos os que costumam se esquecer de que a cor da pele não tem qualquer importância. Somos todos iguais neste planeta que tentamos a cada dia destruir mais depressa.

Um filme que cita outros filmes – de Kubrick, de Hitchcock, de Carné

A dupla François Desagnat e Thomas Sorriaux gosta de citar filmes. Como adoro filmes que citam filmes, me diverti bastante com este Quinze Anos e Meio.

Por exemplo: Églantine está apaixonadinha por um garoto da escola, Vincent (Lionel Lingelser). Philippe, que não consegue imaginar a filha partindo para as vias de fato com qualquer rapaz, se imagina duelando com Vincent – e de repente temos uma cena de duelo em que Daniel Auteuil incorpora o Barry Lyndon de Stanley Kubrick, com a mesma trilha sonora do filme do mestre. A piada é tão boa que será repetida uma vez – e continua engraçada.

Enquanto está mesmo em Paris para cuidar da filha, Philippe é convencido por um velho amigo, Guy (Lionel Abelanski), a trabalhar em seu pequeno laboratório. O experimento a que o laboratório se dedica é o desenvolvimento de um tônico capilar. Barbara (Sara Mortensen) será a cobaia. Ao ser apresentado a ela, Philippe se vê transformado no Cary Grant que passeia pelas estradas sinuosas da Riviera Francesa ao lado de Grace Kelly em Ladrão de Casaca.

As experiências no laboratório viram um filme de horror parecido com os da Universal dos anos 30.

E, num momento raro de distensão com Églantine, em que poderia tentar uma aproximação, Philippe, tapado como um jumento, insiste em levá-la ao cinema para ver Filhos do Paraíso, um dos filmes que compõem O Boulevard do Crime, que Marcel Carné realizou em 1945. O Boulevard do Crime é um dos meus maiores desencontros com os grandes clássicos; ao vê-lo já depois dos 50 anos de vida, não consegui enxergar nada da qualidade que tanta gente aponta na obra. Achei uma trolha, insuportavelmente chata. Imagine Églantine, com 15 anos e meio.

Na fila do semana, profundamente infeliz, ela reclama:

– “Três horas de filme! E vai ver que é preto-e-branco!”

Ao que Philippe abre um imenso sorriso de alegria profunda por estar para ver um filme de três horas preto-e-branco.

Essa pequena cena – a filha enojada diante da perspectiva que deixa o pai nas nuvens – diz bastante sobre a distância entre pais e filhos adolescentes. Se a mesma cena estivesse num filme assinado por alguma grife elegante – tipo Quentin Tarantino, ou Lars Von Triers –, seria tida como antológica. Como pertence a um divertissement feito pelo cinemão comercial, ninguém repara nela.

Como já passei muito da idade de me levar por grifes, saúdo esses nada pretensiosos senhores Desagnat e Sorriaux. Souberam fazer uma comedinha gostosa, agradável, sobre drama sério.

Assim como Preston Sturges, gosto “daqueles que nos fazem rir: os saltimbancos, os palhaços, os bufões, em todas as épocas e em todas as nações, cujos esforços diminuíram um pouco nosso fardo”.

Anotação em agosto de 2012

15 Anos e Meio/15 Ans et Demi

De François Desagnat e Thomas Sorriaux, França, 2008

Com Daniel Auteuil (Philippe Le Tallec), Juliette Lamboley (Églantine),

François Damiens (Jean-Maxence), Lionel Abelanski (Guy), Julie Ferrier (Fiona), François Berléand (Albert Einstein), Elise Larnicol (Sylvie), Sara Mortensen (Barbara), Coura Traoré (Anne-Sophie), Benjamin Siksou (Gaspard), Chick Ortega (Denis), Alain Chabat (Norbert), Lionel Lingelser (Vincent), Dylan Imayanga (Enzo), Lucie Lucas (Karine)

Roteiro Vincent Ravalec, François Desagnat e Thomas Sorriaux

Baseado em história de Vincent Ravalec

Fotografia Vincent Mathias

Música Alexandre Azaria

Produção Gaumont International, Pulsar Productions, Bikini Films, TF1 Films Production. DVD Imovision.

Cor,

**1/2

 

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