3.5 out of 5.0 stars
Resenha na coluna O Melhor do DVD, no site estadao.com.br, em 2000: O Mundo de Andy, do grande Milos Forman, não é o melhor do diretor de Um Estranho no Ninho e Amadeus. Mas Milos Forman é sempre Milos Forman; um filme dele é sempre melhor do que 95% do que chega à praça.
Ao longo de 36 anos, ele fez apenas 11 filmes; nas duas últimas décadas, de 1980 para cá (2000), foram cinco. Pouquíssimos – mas com uma concentração extraordinária de brilhantismo. O número tão pequeno torna ainda mais expressivo o fato de que O Mundo de Andy seja seu segundo filme consecutivo (o primeiro foi O Povo contra Larry Flynt, de 1996) a retratar a vida real de uma personalidade polêmica ligada ao showbiz.
O filmebiografado anterior de Forman foi um pornógrafo, drogado, desajustado, o retrato perfeito do que boa parte das pessoas considera como a essência de tudo o que há de errado na sociedade. Comparado com Larry Flynt, o criador da revista Hustler e depois de um império da mídia baseado na exploração do sexo, o biografado de agora até que não é uma figura tão detestada.
Andy Kaufman (1949-1984) deixou uma legião de fãs apaixonados – basta lembrar que o R.E.M. dedicou a ele uma bela canção, Man on the Moon, no seu disco de 1992, Automatic For People. O título da canção é o título original do filme. (Ela e outra do R.E.M., The Great Beyond, estão na trilha sonora e seus videoclipes são algumas das apresentações especiais do DVD.)
Não foi difícil para Forman explicar por que resolveu fazer O Povo Contra Larry Flynt: ele quis fazer um filme sobre a liberdade de expressão, o direito a ela, a necessidade fundamental dela. Criador irreverente, contestador de todo tipo de conformidade, defensor feroz dos que diferem do modelo abençoado pelo status quo desde os tempos da Primavera de Praga, ele teve que fugir do comunismo de sua Checoslováquia natal para continuar trabalhando e defendendo suas idéias libertárias.
Nas entrevistas do making of que aparecem no DVD de O Mundo de Andy, ele deixou para o produtora Stacey Sher explicar o que motivou o filme: “Foi o fato de Andy ser um iconocasta, à frente de seu tempo”.
Sim, porque, se tem sua legião de fãs, Andy Kaufman seguramente deixou um número muito maior de pessoas escandalizadas, chocadas, perplexas com seu humor estranho, diferente, insólito, às vezes abertamente grosseiro (um humor “desconstrutivista”, descreve a produtora Stacey Sher no DVD). Forman conta que viu um show de Andy em Los Angeles, em 1975, e ficou impressionado. “Andy não se importava se a audiência gostasse ou não, vaiasse ou aplaudisse, jogasse tomates”, conta o diretor; “importava-se apenas com uma coisa: que a audiência não ficasse indiferente; que despertasse emoção nas pessoas.”
Andy Kaufman seguramente recebeu muito mais vaias do que aplausos, na carreira curta na TV mas mais especialmente em shows em cabarés, boates, teatros e faculdades – morreu em 1984, com apenas 35 anos. E, ao contrário da imensa maioria das pessoas do showbiz, que se guia apenas pelos aplausos, que procura agradar ao gosto médio, mediano, medíocre, que prefere a repetição à ousadia, cada vez ele radicalizava mais suas apresentações. Foi fazendo, cada vez mais, do imprevisível e improvável o centro do seu trabalho – de tal maneira que, como bem mostra o filme, boa parte de sua própria platéia não sabia o que era verdade, o que era falso, e até, simplesmente, onde estava a graça. Uma figura estranhíssima, doida, absolutamente singular. Tanto, mas tanto, que – como lembra Danny DeVito no DVD -, na própria cerimônia fúnebre, em que um telão mostrava imagens dele fazendo graça, muitas pessoas achavam que era tudo uma grande brincadeira e ele apareceria em seguida.
Dá para entender perfeitamente por que ele fascinou Forman, o cineasta da não conformidade.
Naturalmente, da mesma forma é de se esperar que o filme não agrade a todos. Até porque, remando contra todas as correntes, inclusive e principalmente a do politicamente correto, Andy Kaufman feria a moral reinante com o uso exagerado do politicamente incorreto. “Qual é o problema?”, diz, num filmete das apresentações especiais do DVD, o verdadeiro Andy Kaufman, quando alguém observa que a mulher que ele derrubou numa luta livre parece realmente machucada: “Não faz mal; ela é pobre, não tem dinheiro, não pode me processar”.
Note-se: o verdadeiro Andy Kaufman, que aparece em seis seqüências de filmes de época nos extras do DVD, é muito pouco charmoso; é muitíssimo menos charmoso do que Jim Carrey interpretando a sua vida – embora Forman diga no making of que não foi Jim Carrey que trabalhou no filme, mas sim o próprio Kaufman encarnado em Jim Carrey.
Muita gente provavelmente achará que esse sujeito maluco é quase tão repulsivo, ou simplesmente chato, quanto Larry Flynt, o pornógrafo.
Forman seguramente não se importaria com esse tipo de conclusão. O que o fascina é exatamente isso: o singular, o que foge do mainstream, do meio da estrada, do padrão, da mesmice, e faz avançar a sociedade rumo à aceitação do diferente, do díspare, do oposto. Só com isso, com a aceitação do diferente, diz Milos Forman, nos seus filmes estupendos, é que se pode dizer que há democracia.
O Mundo de Andy/Man on the Moon
De Milos Forman, EUA, 1999
Com Jim Carrey, Danny DeVito, Courtney Love, Paul Giamatti
Roteiro Scott Alexander e Lary Karaszevski
Música R.E.M.
Produção Universal
Cor, 118 min
Eu gosto muito dos filmes dos anos 70 e eu gostaria de tirar uma peça desses filmes
Bom filme e a trilha do REM é sensacional