Um Sonho de Liberdade / The Shawshank Redemption


4.0 out of 5.0 stars

Anotação em 1997: Extraordinário, magnífico, soberbo, fascinante desde a primeira tomada – um jovem banqueiro da Nova Inglaterra, Andy Dusfrene (Tim Robbins), sendo interrogado no júri, acusado de ter assassinado a mulher e o amante dela, intercalando com cenas dele em um carro se embebedando com um revólver na mão.

O filme é impressionante por tudo. A história é riquíssima, cheia de sutilezas misturadas às obviedades das histórias sobre condenados vivendo em penitenciária; e que surpreende sempre com reviravoltas. Os diálogos são excepcionais, brilhantes, trabalhadíssimos, cheios de grandes verdades. A narrativa é clara, direta, mas se permite alguns brilhos. A câmara, cheia de planos longos com gruas que sobem e descem, zooms, uma beleza de se ver. Os atores, todos ótimos, mas sobretudo a dupla central, dois gigantes.

Não me lembro de um filme sobre vida na prisão tão brilhante, tão rico. E houve vários muito bons. O Homem de Alcatraz. Papillon. Inferno nº 17. Este tem todos os componentes necessários – a brutalidade dos guardas, o diretor mão de ferro adorador da Bíblia que se revelará mais tarde corrupto e capaz de mandar assassinar, a brutalidade dos próprios presos, o homossexualismo, a rotina, o desencanto, a incapacidade de viver do lado de fora depois de décadas lá dentro, as pequenas corrupções internas.

Só o personagem do diretor, o conservador que posa de temente a Deus mas na verdade adora é o próprio bolso, já bastaria – embora não seja propriamente novidade. Mas ele acrescenta outros.

Na verdade, é um filme sobre vida na prisão que vai muito além disso, pra discutir a postura de cada um diante da vida. Na oposição entre as personalidades de Red (Morgan Freeman) e Andy está a diferença básica; como diz Andy, que a mim parece estar citando Bob Dylan, que talvez já estivesse citando algo anterior: ou você se ocupa em morrer ou você se ocupa em viver. He is not busy being born, is busy dying.

A história é narrada por Red, já veterano na penitenciária Shawshank quando chega, em 1947, o grupo em que está Andy. À chegada de uma turma de peixes frescos, os veteranos apostam em quem vai chorar primeiro, na primeira noite – e Red aposta em Andy, com aquela magreza que faz parecer que um vento mais forte vai carregá-lo, e aquelas roupas de rico. Perde feio: Andy não dá um pio.

Ao longo do tempo e do filme, Red vai percebendo que Andy é diferente de todos os demais presos – não só porque garante ser inocente; não só por ter sido rico, por ter estudado, por saber fazer contas, por saber fazer o imposto de renda de todos os guardas e depois do diretor do presídio. Mas, basicamente, por ter esperança de sair dali, e por ser meticuloso, e meticulosamente aplicado em apostar na vida, investir na vida.

Por sua capacidade contábil, utilizada inclusive para amealhar uma fortuna desonesta para o diretor, Andy vai mudando coisas na prisão; aumenta a biblioteca, ensina os demais presos, ajuda-os a conseguir os certificados escolares. E ele faz isso, como diz Red, porque as pessoas têm muito tempo na prisão, e é preciso encontrar alguma coisa para se fazer. Mas o que o espectador vai descobrir só no finalzinho é que, enquanto fazia tudo isso para os outros, Andy ao mesmo tempo cuidava de si mesmo.

Em uma das seqüências mais impressionantes que tenho visto nos últimos tempos, Andy é chamado ao escritório do diretor (que está ausente naquele momento) para receber livros enviados para a nascente biblioteca do presídio. Entre as tralhas, estão velhos discos; Andy escolhe um Mozart, tranca o guarda no banheiro, liga a radiola e todos os alto-falantes do presídio, e transmite música para todas aquelas centenas de pessoas perdidas. É uma seqüência arrepiante, estupenda, gloriosa.

O monólogo de Red durante essa seqüência é brilho puro, mas o diálogo depois, entre os presos, Andy identificando música com vida e esperança, é ainda melhor.

Um Sonho de Liberdade/The Shawshank Redemption

De Frank Darabont, EUA, 1994.

Com Tim Robbins, Morgan Freeman, Bob Gunton, William Sadler, Clancy Brown, Gil Bellows, James Whitmore

Roteiro Frank Darabont

Baseado no conto Rita Hayworth and the Shawshank Redemption, de Stephen King.

Música Thomas Newman

Mont Richard Francis-Bruce

Fotografia Roger Deakins

Cor, 142 min.

5 Comentários para “Um Sonho de Liberdade / The Shawshank Redemption”

  1. Encontrei essa crítica no google, bem antiga, mas bateu uma vontade de deixar algo escrito. Fantástica sua referência ao verso do Dylan, realmente se encaixa perfeitamente. Desde a primeira vez que vi esse filme, vi sua grandiosidade, o livro de Stephen King não poderia ter sido melhor adaptado. Todas as referências e comentários dentro do filme constroem uma filosofia da vida impecável. Sempre achei que tudo que uma pessoa precisa saber sobre a vida, o passado, o presente e o futuro, estavam contidos nesse filme.
    Fiquei surpreso em saber que milhares de outras pessoas pensam o mesmo ao ver que este filme está em primeiro lugar no ranking do site do IMDB, realizado por votação de qualquer pessoa que se cadastre. Em poucos momentos identifico tanta certeza no senso comum.
    Abraço.

  2. Este é um dos meus filmes favoritos, já o vi vezes sem conta.
    A adaptação da obra de Stephen King está excelente e, como se trata de um conto ou novela curta, foi desenvolvida de uma forma que enriqueçe imenso o filme.
    Excelente e não me canso de o ver.

  3. Sérgio, fico feliz de encontrar entre os seus ‘nota 4’ alguns dos meus nota 4, antigos, já, mas que minha história, um pouco mais curta que 50 anos de filmes, não me deixa esquecer.
    abraço

  4. Que delícia, Patrícia! Bom concordar em alguns pontos, né?
    Necessariamente haverá “nota 4” seus que não estão aqui, ou que aqui não são “nota 4”. Mas é assim que é tudo, né? Ninguém concorda com ninguém sempre… Ainda bem!
    Um abraço, e muito obrigado.
    Sérgio

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