Um Estranho na Escuridão / I See a Dark Stranger

0.5 out of 5.0 stars

(Disponível no YouTube em 6/2025.)

Em 1946, o mundo mal saído da Segunda Guerra Mundial, os parceiros ingleses Frank Launder e Sidney Gilliat perpetraram este I See a Dark Stranger, no Brasil, Um Estranho na Escuridão, uma comédia sobre uma garotinha irlandesa que, por ódio aos ingleses, resolve servir como espiã para os alemães durante a guerra, antes do Dia D, o do desembarque aliado na Normandia.

Bridie Quilty é interpretada por uma Deborah Kerr tão absolutamente jovem que fica até difícil de a gente reconhecer – embora, aos 25 aninhos, já fosse uma estrela, com seu nome em primeiro lugar nos créditos e nos cartazes, o tal do top billing desejado por todos os atores. Seu nome está acima do de Trevor Howard, ator já famoso, respeitado, que um ano antes, 1945, havia estrelado o extraordinário Desencanto/Brief Encounter, de David Lean.

É um roteiro original, ou seja, a história foi criada diretamente para o filme pelos roteiristas, Frank Launder, Sidney Gilliat e Wolfgang Wilhelm. Launder e Gilliat – ambos diretores – haviam criado uma produtora, Individual Pictures, e este I See a Dark Stranger foi o primeiro dos nove filmes que seriam feitos pela empresa.

Apenas em 1947 o filme foi lançado nos Estados Unidos, e lá ele teve o título de The Adventuress, a aventureira – e a versão exibida sofreu cortes, segundo Leonard Maltin informa. O original britânico tinha 114 minutos, e nos Estados Unidos o filme foi exibido com 98.

Eis o que diz Maltin – que deu ao filme 3 estrelas em 4: “Uma combativa garota irlandesa é persuadida a ajudar um agente alemão durante a Segunda Guerra Mundial – porque com isso vai atacar seus inimigos jurados, os britânicos. Filme bem feito, discreto, com toques de humor galhofeiro. As cópias britânicas tinham originalmente 114 minutos, o que explica alguma brusquidão na narrativa. Título britânico: I See a Dark Stranger.”

O texto de Pauline Kael sobre o filme faz uma boa sinopse básica e dá informações:

“Uma comédia romântica de suspense, com Deborah Kerr no papel de uma garota irlandesa, alimentada com folclore anti-britânico por seu pai. No seu aniversário de 21 anos, ela viaja (da sua pequenina cidade, de onde nunca havia saído) para Dublin, na esperança de se unir ao I.R.A. (Exército Republicano Irlandês), mas acaba se envolvendo em um tipo diferente de atividade anti-britânica: espionar para os nazistas. Frank Launder e Sidney Gilliat, que produziram, com Launder também dirigindo, haviam escrito (o roteiro de) The Lady Vanishes, de Hitchcock (A Dama Oculta, 1938) e Night Train to Munich (Gestapo, 1940), de Sir Carol Reed, e outros thrillers inteligentes; este roteiro, que eles escreveram com Wolfgang Wilhelm, tem os mesmos ingredientes básicos. Mas sem um Hitchcock ou um Reed para dar estilo e terror, os resultados parecem conscientemente inteligentes demais. A trilha sonora e as atitudes são um pouco brejeiras, um pouco condescendentes. É agradável, mas não excitante; seu único brilho é Kerr, que é fresca e encantadora, com lábios carnudos e jovens. O herói, Trevor Howard, não tem nada a fazer a ser segui-la, adorando-a; Raymond Huntley interpreta o nazista que a recruta.”

Na minha opinião, uma história boba, idiota

Achei o filme ruim demais, A história é boba, bocó, idiota. Tudo é falso, inverossímil – e bobo. Ingênuo. Naïve. Parece uma composição infantil terrivelmente mal escrita por uma criança sem inteligência. O sentimento anti-britânico da mocinha que não sabe nada de nada da vida, transmitido pelo pai mentiroso, inventor de histórias sobre sua participação gloriosa na luta contra os ingleses na revolta irlandesa de 1916, é algo que poderia passar pela cabeça de uma criança, uma pré-adolescente. Em uma mulher de 21 anos de idade, não tem sentido, justificativa. É bobo. Transformar-se em espiã nazista na Irlanda de 1944 é algo absolutamente inverossímil, absurdo.

Nem Deborah Kerr se salva. A atuação dela parece a de uma ginasiana encenando uma peça escrita por um colega. Ela arregala os olhos de absoluta surpresa diante do mundo umas 25 vezes ao longo do filme – é chocante, constrangedor.

É um filme que tem espionagem – mas com uma trama imbecil, de uma pobreza, uma ingenuidade inacreditáveis. E é uma comédia que não tem graça alguma. Não dei sequer um sorriso ao longo de toda a grande bobagem.

E morro de preguiça de descrever momentos pavorosamente ruins para demonstrar que meu desagrado tem razão de ser.

Assim sendo, vou transcrever o início da longa apresentação da história do filme na Wikipedia, a opinião de mais um guia, e chega.

O tenente inglês apaixona-se pela irlandesa que odeia ingleses

“Irlanda, 1937. A jovem Bridie Quilty cresceu ouvindo as histórias heróicas de seu pai sobre a revolução irlandesa. Por isso, ele desenvolve um ódio por tudo e todos os ingleses, especialmente ‘o assassino canalha e perverso’ Oliver Cromwell. Ali por 1944, o sr. Quilty (o papel de W.G. O’Gorman) está morto. Bridie, que agora tem 21 anos, vai para Dublin para construir sua própria vida, na esperança de se juntar ao IRA. No trem, ela se senta no mesmo compartimento de J. Miller (o papel de Raymond Huntley, como Pauline Kael informou), um homem de negócios que está voltando do exterior. Ele é também um agente alemão que entrou na Irlanda sem ter sido percebido pelas autoridades. Ele rapidamente recebe sua missão: ajudar na fuga de um outro espião que está preso. Miller recruta Bridie, que consegue um emprego em um hotel e bar em Wynbridge Vale. Ela se aproxima de um certo sargento, que sem qualquer intenção informa a ela que um prisioneiro nazista está para ser transferido para Londres. Ao mesmo tempo, Miller fica perturbado com a chegada (a Wynbridge Vale) do tenente David Baynes, um oficial britânico de folga que ele suspeita seja um agente da contra-inteligência. (Esse tenente é o papel de Trevor Howard.) Para que possa ajudar a libertar o espião, Miller pede a Bridie que distraia Baynes no dia da transferência do preso. Baynes fica feliz em levá-la para um passeio pelo campo. Mas (ao contrário do que Miller suponha), ele não tem nada a ver com a transferência do prisioneiro.”

O texto da Wikipedia vai em frente, relatando toda a trama, detalhadamente, mas creio que a parte que transcrevi já é suficiente. O tenente inglês apaixona-se pela irlandesinha linda e não larga do pé dela. E por aí vai a coisa…

Só Jean Tulard não faz elogios ao filme bobo

O Film Guide da Time Out diz que este é um thriller de espionagem “bastante divertido (embora ideologicamente cosy), passado durante a Segunda Guerra Mundial”.

Esse guia da revista inglesa Time Out costuma ser muitíssimo mal-humorado. Não consigo compreender como ele pode ter achado esse abacaxi azedo bastante divertido – menos ainda “if ideologically cosy”. A não ser que cosy tenha aí alguma acepção diferente daquela dada pelos dicionários, de confortável, aconchegante. É confortável, aconchegante, uma garotinha mal saída dos cueiros, como diria minha mãe, aliar-se a nazistas?

O próprio Jean Tulard assina o verbete sobre L’étrange Aventurière, como o filme foi chamado na França, em seu colossal Guide des Films. “Launder e Gilliat rodaram vários filmes e tiveram grande popularidade na Inglaterra. Embora famoso, este filme não está entre suas melhores obras.”

Epa! Finalmente alguém que diz algo não muito elogioso ao filme!

Sim, sim, o mestre Tulard tem toda razão: Frank Launder e Sidney Gilliat tiveram amplas filmografias, e bastante sucesso.

Launder (1906-1997) assinou 73 roteiros, inclusive os de A Dama Oculta/The Lady Vanishes e Gestapo/Night Train to Munich, como citou Dame Kael.

E Sidney Gilliat (1908-1994) pôs seu nome em 73 roteiros e dirigiu 24 filmes, inclusive O Passado do Meu Marido/The Constant Husband (1955), A Fortuna é Mulher/Fortune is a Woman (1957) e Noite Interminável/Endless Night (1972).

Neste filme aqui, pisaram no tomateiro. Bem, mas esta é só minha opinião. Quem sabe o filme é uma absoluta delícia, e aconteceu de

eu não ter entrado em sintonia com ele porque estava em um dia de mau humor?

Anotação em junho de 2025

Um Estranho na Escuridão/I See a Dark Stranger

De Frank Launder, Reino Unido, 1946

Com Deborah Kerr (Bridie Quilty),

Trevor Howard (tenente David Bayne),

Raymond Huntley (Miller, o espião para a Alemanha), Michael Howard (Hawkins), Norman Shelley (o homem do chapéu de palha), Liam Redford (Timothy), Brefni O’Rorke (Michael O’Callaghan, o diretor do museu de Dublin), James Harcourt (o avô), W.G. O’Gorman (Danny Quilty, o pai de Bridie), George Woodbridge (Steve), Garry Marsh (capitão Goodhusband), Olga Lindo (Mrs. Edwards, a dona da hospedaria), Tom Macauley (tenente Spanswick), David Ward (Oscar Pryce, o preso), Kathleen Harrison (garçonete), Harry Webster (tio Joe), Eddie Golden (Terence Delaney), Marie Ault (      Mrs. O’Mara), Humphrey Heathcote (sargento Harris),

Roteiro Sidney Gilliat, Frank Launder, Wolfgang Wilhelm

Fotografia Wilkie Cooper

Música William Alwyn

Montagem Thelma Myers

Produção Sidney Gilliat, Individual Pictures.

P&B, 114 min (1h54).

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Titulo nos EUA: “The Adventuress”. Na França: “L’étrange Aventurière”. Em Portugal: “A Espia da Irlanda”.

 

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