(Disponível no Amazon Prime Video em 9/2024.)
4.0 out of 5.0 starsA minissérie Expatriadas, produção dos Estados Unidos de 2024 filmada e passada em Hong Kong, é absolutamente extraordinária. São muito, muito impressionantes a riqueza, a complexidade, a amplitude de temas que a obra aborda em seis episódios elaborados com perfeição técnica e uma carga monstruosa de sensibilidade.
Ao relatar um período especialmente traumático da vida de três mulheres de diferentes origens que vivem fora de sua pátria na Hong Kong de 2014, o ano da Revolta do Guarda-Chuva, Expatriadas trata das várias questões envolvendo a maternidade; a dor impensável da perda de um filho que os pais não sabem se morreu ou se está vivo, levado por alguém; a necessidade de se ter uma fé, uma religião, para não ser destruído pela angústia; as relações sempre difíceis entre donas de casa e empregadas domésticas; e, claro, a vida longe de sua terra, seu país, suas raízes.
Tudo acontecendo nesse lugar absolutamente único no planeta, que atravessou meio século como um símbolo de todas as maravilhas e todas as mazelas do capitalismo encravado na China comunista, e, naquele momento mostrado ali, vivendo a transição após sua devolução pelo Reino Unido aos chineses.
A diretora e roteirista Lulu Wang e sua diretora de fotografia Anna Franquesa-Solano souberam com brilhantismo usar as paisagens daquela Babel humana, e encheram os episódios com tomadas gerais de fantástica beleza da cidade de mais de 7 bilhões de habitantes e mais arranha-céus que Nova York.
Babel. Uma mistura incrível, fantástica, de etnias, origens, línguas. Margaret é uma americana mãe de três filhos que deixou Nova York quando seu marido, o executivo descendente de japoneses Clarke Woo, foi promovido e transferido para Hong Kong. Hilary é filha de indianos radicados em Los Angeles casada com um inglês, David, no momento às voltas com a pressão geral e o desejo do marido de ter um filho. Mercy, bem mais jovem e mais pobre que as duas mulheres ricas da faixa dos 40 e muitos, é uma filha de coreanos criada em Nova York que decidiu tentar a vida em Hong Kong – e acabou precipitando uma tragédia.
A americana Margaret é o papel da havaiana de nascimento e australiana de criação Nicole Kidman. Hilary é o papel o de Sarayu Blue, nascida em Wisconsin de pais indianos. Mercy é interpretada por Ji-young Yoo, nascida no Colorado de pais coreanos. Clarke Woo, por Brian Tee, ator nascido em Okinawa, filho de japonês americano e coreana, radicado desde os dois anos na Califórnia. David é o papel de Jack Huston, inglês de nascimento e criação, embora descendente de uma família da realeza de Hollywood – ele é neto de John, bisneto de Walter, sobrinho-neto de Anjelica.
Babel, Babel.
A série se baseia no livro The Expatriates, de autoria de Janice Y.K. Lee, nascida e criada na Hong Kong britânica em 1972, filha de pais coreanos que emigraram para os Estados Unidos quando a garota tinha 15 anos.
A roteirista e diretora Lulu Wang nasceu em Pequim, em 1983; tinha 6 anos de idade quando a família emigrou para os Estados Unidos e se radicou em Miami.
Lulu Wang é um absoluto fenômeno. Assim como a série que filmou quando estava apenas com 38 anos, em Hong Kong, em 2021, em plena pandemia.
Mulheres de várias origens – mas só mulheres
Lulu Wang e Nicole Kidman foram produtoras executivas da série. A escritora Janice Y.K. Lee foi produtora e também escreveu o roteiro de um dos episódios. Lulu Wang fez o roteiro de dois, e Alice Bell, Vera Miao e Gursimran Sandhu escreveram os outros três.
Nicole, Sarayu, Ji-young, Lulu, Janice, Alice, Vera, Gursimran, Anna. Atrizes principais, diretora, roteiristas, diretora de fotografia, produtora, produtoras executivas. Descendentes das mais diferentes nacionalidades, mas com um ponto em comum: são todas mulheres.
Expatriadas é uma obra absolutamente feminina.
Em uma entrevista em janeiro de 2024, mês de lançamento da série no Amazon Prime Video, Lulu falou sobre isso: – “Não foi intencional que fôssemos todas mulheres. Eu apenas pensei, ao juntar todas em uma sala, que havia perspectivas interessantes. Mas houve um momento – e eu não me lembro disso como se estivesse fazendo piada, em que pensei assim: ‘Precisamos de mais diversidade? Precisamos de um homem para ficarmos certas de que não está faltando um ponto de vista?’ E todas nós fizemos um ‘Não, nós estamos bem’. Nós sabemos qual é o ponto de vista deles; sabemos muito bem.”
“Quero saber daqueles que causaram as tragédias”
Tragédias. A série abre falando de tragédias.
Foi feito um imenso esforço para deixar Nicole Kidman – a grande estrela da série, essa mulher de beleza estonteante, fulgurante – menos bela, menos charmosa, menos atraente. Um esforço gigantesco. Hercúleo – dela mesma e, claro, das equipes de maquiagem.
A Margaret que a grande atriz compõe é uma mulher sufocada pela angústia, pela dor. E as realizadoras não têm pressa alguma em explicitar para o espectador qual foi exatamente a tragédia que se abateu sobre Margaret, seu marido Clarke e os filhos Daisy e Philip.
A série abre com uma voz de mulher jovem falando, em off, sobre tragédias. Conta que uma médica, após um dia longo, pesado, dormiu no volante e atropelou várias pessoas em uma feira de rua, matando três pessoas e ferindo cinco. Depois relata que três pilotos voavam numa pequena aeronave, perto de um teleférico; havia muita neblina, a visibilidade era péssima, e a asa direita do avião cortou os cabos do teleférico; todas as 20 pessoas que estavam no bondinho morreram com a queda. Uma terceira tragédia: dois irmãos gêmeos de 12 anos de idade estavam brincando em casa; um deles derrubou o outro sobre a mesinha de centro da sala, o garoto caiu, fraturou a coluna, ficou paraplégico.
– “As histórias sempre focam nas vítimas”, diz a voz em off da jovem. “A pessoa responsável pela calamidade nunca é mencionada. (…) Mas eu quero saber sobre os responsáveis. Quero saber daqueles que causaram as tragédias. Pessoas como eu. Elas são perdoadas? Conseguem seguir em frente?”
Plano geral em plongée, a câmara bem no alto, provavelmente em um drone, de uma rua de metrópole com movimento intenso de pedestres. Corta. Plano geral, agora com a câmara no chão, mostrando as pessoas caminhando na rua. A voz em off continua:
– “Não existe um momento em que eu não pense no que fiz. Não existe um momento em que eu não pense em você. No que você está fazendo. Em como você está. Em como você está vivendo. Quando eu despedacei a sua vida.”
Uma jovem oriental pára de caminhar, no meio da faixa de pedestres cheia de gente, e se vira para a câmara, para o espectador. Logo saberemos que é Mercy, moça de 24 anos descendente de coreanos que deixou Nova York e agora vive em Hong Kong. O papel, como já foi dito, de Ji-young Yoo (na foto acima).
Corta, e na sequência seguinte ficamos conhecendo Margaret, o papel de Nicole Kidman.
Nos primeiros momentos da série, vários detalhes importantes
Margaret está em uma confeitaria, conversando com a funcionária de uma agência que organiza festas, sobre os detalhes da comemoração, daí a alguns dias, dos 50 anos de seu marido Clarke. As duas mulheres estão sentadas frente à frente, e também à mesa está Philip (Bodhi del Rosario), garoto aí de uns 10 anos, quietinho, desenhando. Também está por ali a filha mais velha de Margaret e Clarke, Daisy (Tiana Gowen), adolescente de uns 14 ou 15 anos.
Na conversa entre a funcionária e a cliente, ficamos sabendo que Margaret é uma arquiteta paisagista – mas, desde que a família se mudou para Hong Kong, ela não tem trabalhado.
Nessa sequência há vários detalhes que podem até passar despercebidos se o espectador não estiver bem atento. Quando Daisy passa pela mesa e pergunta para a mãe se ainda vai demorar muito – “Quero ir para casa”, ela diz –, a funcionária elogia a beleza da garota, e pergunta se são só aqueles dois filhos. Margaret não responde, faz alguma pergunta objetiva sobre a preparação para a festa.
Quando Margaret está para sair, a moça elogia Philip pelo fato de o garoto estar ali tranquilo, na boa, e pede para ver o desenho que ele terminou de fazer. No desenho há um pai, uma mãe e três crianças, o mais novo, um garoto, de mãos dadas com um homem de barbas longas. A moça pergunta quem é o garoto mais novo, Philip diz “É o Gus”. Margaret se levanta rapidamente, pega o desenho, dobra, põe na bolsa e chama Daisy para irem embora.
Corta, surge na tela o título do episódio, “The Peak”, o pico, e vemos a terceira das três mulheres expatriadas que são as protagonistas da história, Hilary Starr (o papel, como já foi dito, de Sarayu Blue, na foto abaixo), a americana filha de indianos. Hilary está correndo, se exercitando, em um bairro arborizadíssimo, evidentemente de gente muito, mas muito rica.
Os detalhinhos, os detalhinhos – essa coisa que, cada vez mais me convenço disso, quando bem usadas, transformam os filmes em grande arte. Hilary chega ao prédio em que mora, um prédio de gente muito, mas muito rica, e entra no elevador no exato instante em que estão passando pela porta de entrada, lá longe, Margaret, Daisy e Philip. Daisy grita: – “Tia Hilary, segura o elevador!” E vemos em close-up o dedo de Hilary apertando o botão para fechar a porta, não para mantê-la aberta.
Mas as crianças correm e conseguem segurar a porta. Sobem todos juntos – e o espectador percebe perfeitamente que há uma saia justa danada entre as duas mulheres, duas americanas ricas, expatriadas em Hong Kong, vizinhas, que seguramente são ou ao menos já foram bem próximas.
Naqueles instantes dentro do elevador que parecem intermináveis, Margaret pergunta se ela recebeu o convite para a festa de Clarke; Hilary diz que sim, mas ela e David tinham já um compromisso marcado para aquele dia. Margaret diz: – “Eu sei que as coisas estão…”. Não termina a frase, e diz outra: – “É que eu realmente gostaria muito que vocês fossem”.
Hilary promete que vai conversar com David.
Quando Margaret e as crianças chegam em casa, são surpreendidas porque já estão lá os pais de Clarke, obviamente vindos do Japão para o aniversário dele. – “Achei que vocês fossem relaxar no hotel hoje”, ela diz.
Depois de algum tempo com eles, Margaret vai para seu quarto, fecha a porta e suspira profundamente, como alguém que finalmente vai ter um instante de paz, sozinha, sem ter que aparentar que está tudo bem.
A câmara está fixada no rosto de Margaret-Nicole Kidman tornada menos bela do que é. Philip entra no quarto perguntando se pode tomar chocolate – e o rosto dessa atriz extraordinária mostra angústia extrema, cansaço absoluto, vontade de desaparecer, sumir.
Mas, já que havia mesmo sido interrompida, Margaret pega na bolsa o desenho e pergunta para Philip quem é o homem de barba grande no desenho, e o garoto responde, tranquilamente: – “É Jesus”.
– “Jesus? Por que você desenhou Jesus? Não quero que você o desenhe mais, tá bom?”, diz a mãe.
Depois que Philip sai do quarto da mãe, e a câmara mostra novamente o rosto angustiado de Margaret em close-up, corta, e vemos pela primeira vez o marido dela, Clarke Woo – em uma igreja batista.
O começo dá o tom da série – mas deixa muito em aberto
Como sempre acontece quando falo de um filme e/ou série de que gostei muito, me alonguei bastante no relato desses primeiros minutos do primeiro dos seis episódios deste Expatriadas. ERsses fatos que detalhei estão nos 10 primeiros minutos da série. Não consigo me conter: acho importante registrar o tom com que o filme e/ou série começa. Quase sempre a abertura da narrativa já define todo o tom do que virá a seguir.
O roteiro deste primeiro episódio, escrito pela diretora Lulu Wang, apresenta os personagens principais, dá o clima do que virá – um relato sensível, atento, sobre aquelas três mulheres e seu entorno –, espalha detalhes importantes, mas não abre de cara alguns dos fatos básicos. Quase como se fosse não um drama familiar, e sim um thriller, uma história policial.
É uma maneira, é claro, de fisgar o espectador, deixá-lo curioso, prender sua atenção.
Só aos poucos ficamos sabendo qual foi e como foi a tragédia que se abateu sobre a família de Margaret – a perda de Gus, o caçula dos três filhos. Demora um tanto para sabermos que Clarke busca conforto na religião mas não conta para a mulher, já que ambos eram ferrenhos agnósticos. Demora um tanto para sabermos por que foi que Margaret e Hilary se distanciaram. Demora muito para sabermos o que a mais jovem das três mulheres, Mercy, tem a ver com o fato de que Gus não está mais presente.
Ao contrário do que tem sido cada vez mais comum, a série não fica indo e voltando, indo e voltando, indo e voltando no tempo, que nem bola de pingue-pongue. Há apenas um grande flashback no segundo episódio. Nele vemos que, um ano antes, toda a família – Margaret, Clarke e as três crianças – tinha feito um longo passeio de navio pela costa de Hong Kong. Em um determinado momento, Gus, o caçulinha, de 3 anos de idade, tinha se aproximado da borda do convés, e tentava subir na mureta de proteção, quando foi visto e pego por Mercy, que estava bem perto dele. Margaret logo se aproximou, e as duas mulheres começaram a conversar, depois trocaram seus contatos.
Pouco depois, Margaret passou a se demonstrar incomodada com Essie (Ruby Ruiz), a boa senhora filipina empregada da casa, por achar que ela estava mimando demais os meninos, em especial o caçula Gus. E se lembrou de Mercy, achou que a garota talvez aceitasse o convite para trabalhar para a família. E a convidou para um lanche perto de um mercado de rua, junto com as três crianças. É nesse mercado, apinhado de gente, que, mais tarde, acontece a tragédia, perto do final do segundo dos seis episódios da série.
A série dá grande importância à Revolta do Guarda-Chuva
Esse segundo episódio é quase todo o longo flashback. Em seguida, voltamos aos dias “de hoje” – 2014, o ano do que ficaria conhecido como o do Umbrella Movement, a Revolta do Guarda-Chuva, uma série de gigantescas manifestações pró-democracia em Hong Kong, que, após a devolução à República Popular da China pelo Reino Unido em 1997, ainda se mantinha como uma região administrativa especial, mas era cada vez mais pressionada pelo governo comunista.
A partir do finalzinho desse segundo episódio, e ao longo dos quatro seguintes, a história volta a ser contada em ordem cronológica. Acho que seria spoiler relatar o exatamente o que ocorreu naquele mercado de rua – mas creio que não é spoiler registrar que Margaret e Hilary reatam a amizade, depois de um período em que se distanciaram, justamente após o que aconteceu com o garotinho Gus. E que uma teia de eventos envolve as duas amigas ricas com a terceira protagonista da história, a garota Mercy.
Seria muito estranho se uma série passada em Hong Kong exatamente no ano da Revolta do Guarda-Chuva não falasse daquelas manifestações dos habitantes da cidade em defesa das liberdades desfrutadas por seus antepassados ao longo dos séculos em que o lugar era um enclave do Império Britânico no território chinês. Imagino que o romance de Janice Y.K. Lee, The Expatriates, inclua os personagens que entram na trama para mostrar as manifestações populares; não creio que eles tenham sido criados apenas para a série. Mas o fato é que, no episódio 5, o espectador acompanha de perto algumas das manifestações de rua pela manutenção da democracia.
E é tudo muito bem costurado. Mercy fica conhecendo uma garota descendente de coreanos como ela, Charly (Bonde Sham), mas, diferentemente dela, uma ativista, ligada às manifestações, assim como seu grande amigo Tony (Will Or). As sequências em que Charly e Tony participam de uma manifestação são de uma beleza emocionante.
Cinco dos episódios de Expats duram cerca de 50 minutos, que é o tamanho usual em boa parte das séries. Nesse quinto episódio em que a trama passa a englobar os eventos históricos de 2014, a diretora Lulu Wang não se conteve. São 100 minutos – que passam muito depressa, como acontece sempre quando é bom cinema.
Esse quinto episódio inclui também uma maravilhosa sequência de uma reunião dominical alegre, festiva, colorida, de empregadas domésticas, várias delas de origem filipina. Lá estão Essie, a empregada de Margaret, e Puri (Amelyn Pardenilla), a empregada de Hilary. As duas, Essie e Puri, têm importância na trama.
Nicole sacou que a diretora tinha que ser Lulu Wang
The Expatriates, o romance de Janice Y.K. Lee, foi lançado em janeiro de 2016, apenas dois anos depois, portanto, dos eventos do Umbrella Movement no lugar em que a escritora havia nascido. Era o segundo romance de Janice, após The Piano Teacher, de 2009, também ambientado em Hong Kong, durante e após a Segunda Guerra Mundial. O romance de estréia ficou 19 semanas na lista dos best-sellers do New York Times e foi traduzido para 26 línguas.
Em fevereiro de 2017, um ano depois de The Expatriates ter chegado às livrarias, anunciou-se que Nicole Kidman e sua produtora, a Blossom Films, tinha comprado os direitos para transformar o romance em uma minissérie,
Entre comprar os direitos e tocar efetivamente o projeto, costuma-se mesmo passar um bom tempo. As filmagens de Expats só começaram em 2021. Dois anos antes, em janeiro de 2019, havia estreado no Sundance Film Festival, o festival de Cannes do cinema independente criado por Robert Ford, o filme The Farewell, no Brasil A Despedida, em que a personagem central, Bill, nascida na China e radicada nos Estados Unidos desde os seis anos, volta ao país Natal para ver a avó muito doente, desenganada pelos médicos. O filme foi escrito e dirigido por Lulu Wang (na foto abaixo), que, exatamente como Bill, a protagonista de The Farewell, nasceu na China de pais que emigraram para os Estados Unidos quando tinha seis anos – e, já adulta, voltou à China para ver a avó doente.
Quando vi o filme, que foi o segundo longa-metragem de Lulu Wang, escrevi, absolutamente encantado, trocentas linhas que começavam assim: “A Despedida/The Farewell é uma beleza de filme. Um retrato extremamente sensível, e extremamente bem feito em todos os quesitos, de um drama familiar que já seria tocante, emocionante, qualquer que fosse a situação da família – mas se torna ainda mais impressionante por se tratar de uma família que se dividiu entre três diferentes países.”
Quando Nicole Kidman viu o filme, “soube que havia encontrado a mulher para dirigi-la em Expats”. A frase está em destaque logo abaixo do título de uma longa reportagem assinada por Claire Armitstead, no Guardian, publicada no dia 17/1/2024, dias antes da estréia mundial da série no Amazon Prime Video. A abertura do texto é ótima:
“O que a palavra expat significa? Sua associação tradicional é com estrangeiros ricos relaxando junto a piscinas em lugares exóticos, servidos por pessoas do lugar.”
(Sim, é verdade. Estrangeiros ricos. Usava-se a palavra expatriados para os americanos ricos que passavam longas temporadas na Europa nos anos 1920, como os personagens de F. Scott Fitzgerald…)
“Mas para Lulu Wang, cujos pais emigraram para os Estados Unidos da China quando ela tinha 6 anos, é mais complicado. ‘Quando eu volto para visitar minha família, não sou mais chinesa. Não mesmo. Mas eu pareço chinesa. Também não sou completamente americana, mas não sou uma imigrante, certo? Eles nem mesmo entendem o que é isso. E então eu sou tipo ‘espera aí. Eu sou uma expat aqui?’ Sabe? Eu estudei fora no colégio, e quando voltei, as pessoas achavam que eu era a guia de turismo, porque todos os meus amigos eram brancos.’”
Mais adiante, depois de definir a série Expats como “ao mesmo tempo glamourosa, empática e politicamente astuta”, a jornalista Claire Armitstead escreve: “Wang, uma mulher de 40 anos elegantemente vestida de preto, voou dos Estados Unidos para apresentar a série no London Film Festival quando nos encontramos. Como ela tem feito no seu longo circuito promocional, o episódio que escolheu para apresentar não é o primeiro, mas o quinto. Como a história em parte é do tipo que nos faz roer as unhas, cuja premissa é (…) de uma criança pequena que (…), isso poderia parecer perverso. (Omiti algumas palavras por considerar que seriam spoiler.) Estou para dizer isso quando Wang vem ela própria com uma pergunta. Parece que eu sou excêntrica, por ver os episódios na ordem numérica. ‘Sou meio curiosa para conversar sobre como começam com (episódios) diferentes. É meu pequeno experimento. Ver se elas trazem coisas diferentes. Então o que você acha de, em vez de ver o primeiro, ver o quinto?”
Achei isso fascinante: Lulu Wang apresenta sua série não pelo começo, mas pelo quinto episódio, aquele que tem as sequências da Revolta do Guarda-Chuva e da reunião festiva das empregadas domésticas. Fica óbvio que ela tem especial orgulho daquele episódio.
E ele de fato é extraordinário. Um ponto altíssimo em uma série que é toda extraordinária.
Anotação em setembro de 2024
Expatriadas/Expats
De Lulu Wang, diretora, criadora, roteirista, EUA, 2024
Com Nicole Kidman (Margaret),
Sarayu Blue (Hilary Starr),
Ji-young Yoo (Mercy),
Brian Tee (Clarke, o marido de Margaret),
Jack Huston (David Starr, o marido de Hilary),
Tiana Gowen (Daisy Woo, a primogênita de Margaret e Clarke), Bodhi del Rosario (Philip Woo, o filho do meio de Margaret e Clarke), Connor James (Gus Woo, o caçula de Margaret e Clarke), Ruby Ruiz (Essie, a empregada de Margaret e Clarke), Sudha Bhuchar (Brinder, a mãe de Hilary), Amelyn Pardenilla (Puri, a empregada de Hilary e David), Poon Pak Shing (Sam, o motorista), Bonde Sham (Charly, a jovem militante), Blessing Mokgohloa (pastor Alan Mambo), Flora Chan (Olivia Chu), Will Or (Tony, o jovem militante), Maggie Lee (Wen Ng, a mãe de Tony), Jennifer Beveridge (Tilda), Lesley Chiang (Philena Song), Gabrielle Chan (Jing Woo, a mãe de Clarke), Steven Chan (detetive Chang), Elizabeth Ng (Shellac), Rose Han (Ruby)
Roteiro Lulu Wang, criadora, Janice Y.K. Lee, Alice Bell, Vera Miao, Gursimran Sandhu
Baseado no romance “The Expatriates”, de Janice Y.K. Lee
Fotografia Anna Franquesa-Solano
Música Alex Weston
Montagem Matt Friedman, Alex O’Flinn
Casting Julia Kim, David Rubin
Desenho de produção Yong Ok Lee
Figurinos Malgosia Turzanska
Produção Janice Y.K. Lee, Amazon Studios,
Blossom Films, Local Time, Per Capita Productions.
Cor, cerca de 350 min (5h50)
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