(Disponível na Netflix em 4/2022.)
Até a Próxima Vez, comedinha romântica peruana em co-produção com a Espanha de 2022, pode perfeitamente merecer uma avaliação assim: Horroroso filme peruano que tenta imitar as grotescas comédias românticas de Hollywood, com uma história repleta de clichês e um visual que parece um longo comercial do Ministério de Turismo do Peru. Ignora completamente a miséria e a imensa injustiça social que caracterizam não apenas aquele país como também toda a América Latina.
Poderia também ser avaliado desta maneira aqui:
Agradável comedinha romântica sobre o encontro de um arquiteto espanhol bonitão, milionário e workaholic com linda garota peruana tipo hippie que curte a vida aqui e agora e se recusa a ter laços afetivos, compromissos e raízes, Até a Próxima Vez ainda nos brinda com paisagens maravilhosas, esplendorosas, de Cusco e Machu Pichu – e mais a beleza dos atores Maxi Iglesias e Stephanie Cayo nos papéis centrais.
Pois é. E ainda poderia também haver uma avaliação assim:
Por trás da trama um tanto clichê do encontro de um arquiteto espanhol com uma jovem peruana tipo hippie, na deslumbrante e histórica região de Cusco e Machu Pichu, na Cordilheira dos Andes, Até a Próxima Vez apresenta para o espectador aquele eterno choque de duas visões de mundo, duas filosofias de vida antagônicas, antípodas – a que privilegia os valores materiais, o dinheiro, o lucro, e a que se volta para a espiritualidade, o usufruir do que há de belo e prazeroso no mundo, as amizades, a beleza das artes.
Hê hê! É bem isso aí. Deve haver, claro, outras formas de ver o filme, mas acho que essas três aí são bem interessantes. Creio a maioria dos espectadores do filme ficará com uma delas.
Como em Candelabro Italiano. Como no conto de Maugham
Eu, pessoalmente, já tive, mas não tenho mais nada a ver com aquela primeira forma de avaliação, típica dos esquerdóides militantes e/ou da moçadinha de nariz empinado que diz que só gosta de “filme de arte” (seja lá o que isso for…) e que de-tes-ta “filme americano” (como se houvesse apenas um tipo de filme americano).
E assinaria embaixo das opções 2 e 3. Que, aliás, não são opostas e na verdade se complementam.
Até a Próxima Vez me fez lembrar de Candelabro Italiano/Rome Adventure, aquela gostosa bobagem de 1962 com as caras lindas de Suzanne Pleshette e Troy Donahue que vi várias vezes, garotinho, deslumbradinho. Como este filme aqui, é a história um jovem casal que se conhece em lugares especialmente lindos – no caso, a Itália.
E me fez lembrar também a beleza séria, adulta, de um conto de William Somerset Maugham no livro Histórias dos Mares do Sul, de 1936, no original “The Fall of Edward Barnard”, traduzido no Brasil como “O Degenerado”. É uma discussão sobre essas duas formas absolutamente opostas, antagônicas de ver a vida, a voltada para o que George Harrison botou na canção como “material world”, e a outra, a oposta, a que ele perseguiu na sua curta vida, aquela que não se importa com a quantidade de bens que nós conseguimos reunir neste mundo material antes de ser torrado pelo fogo ou então ir para debaixo da terra alimentar os vermes.
Maxi Iglesias, de Madri, Stephanie Cayo, de Lima
Noventa e nove vírgula nove por cento das pessoas que gostam de filmes mas nasceram, digamos, depois de 1975 – para pegar uma data redonda, importante, entre outras coisas porque foi o ano da minha filha –, jamais ouviram falar de Suzanne Pleshette e Troy Donahue ou de Candelabro Italiano. Não sei o eventual leitor, mas euzinho jamais tinha ouvido falar nem em Maxi Iglesias nem em Stephanie Cayo. São extremamente jovens: ele é espanhol de Madri de 1991, ela é peruana de Lima de 1988.
Maxi Iglesias faz o papel de Salvador Campodónico, competentíssimo arquiteto espanhol, autor do projeto de vários maravilhosos hotéis mundo afora. Além de ser arquiteto brilhante, Salvador trabalha feito um louco para a gigantesca corporação presidida pelo seu pai – um misto de cadeia de hotéis especialmente caréssimos com empresa imobiliária que projeta e constrói seus próprios empreendimentos. Quando o filme começa, Salvador está sendo entrevistado em um programa de TV em Lima. Ele viajou para o Peru para iniciar a implantação do projeto do primeiro hotel 7 estrelas do conglomerado Campodónico fora da Espanha. O hotel será erguido em Cusco, num local que Salvador vai pessoalmente escolher.
O workaholic Salvador se hospeda em uma casa alugada via Airbnb numa região alta de Cusco, com uma visão extraordinária para a cidade deslumbrante, capaz de fazer o mineiro mais bairrista achar que Ouro Preto não é, afinal das contas, a coisa antiga mais bela da América do Sul.
Um pequeno (e, para a trama, providencial) acidente com a chave da porta – que se quebra no momento em que ele tenta entrar na casa alugada – fará com que Salvador procure um quarto para passar a noite no vizinho hostel.
O vizinho hostel em que o biliardário jovem arquiteto espanhol adentra é… É… É…
Diacho! Não encontro o adjetivo!
É tudo o que todos os filmes leves e alegres mostram como sendo o paraíso na Terra. Um lugar onde todos dançam e cantam e são felizes, e a vida é como num musical especialmente cor-de-rosa da Hollywood dos anos 30 a 50.
Não há uma única pessoa triste ou sequer séria ou pensativa no amplo jardim do hostel de Lichi (Wendy Ramos, uma atriz interessantíssima, ótima no papel). Não há uma pessoa feia ou que não saiba cantar e dançar.
Mas a mais alegre, a mais fantasticamente linda de todas é Ariana, a sobrinha de Lichi, a dona do lugar.
Como se fosse num musical hollywoodiano dos anos 30 a 50, quando Salvador adentra o jardim do hostel de Lichi está rolando um imenso e bem coreografado show de música e dança – aqui no caso, de música e dança de nuestra latino-america, mais especificamente do Peru. Não se canta apenas em español, ou castellano, mas também em línguas dos índios, perdão, dos povos originários.
O espanhol absolutamente workaholic, diante da beleza daquela moça que dança e canta maravilhosamente, baba.
Na primeira conversa que têm, enquanto as pessoas ali perto cantam em uma língua estranha, Salvador pergunta se é quíchua, a língua falada no antigo império inca, até hoje comum entre os indígenas que vivem junto da Cordilheira dos Andes, do Chile à Colômbia. Ariana diz que tem aprendido um pouco de quíchua (em espanhol, quechua) com os amigos – e conta que em quíchua não existe palavra para “adeus”.
– Como se despedem, então?” – pergunta ele. “Ou não se despedem?
E ela: – “Existe uma expressão. Tupanachiskama. Significa algo como até a próxima vez.”
Papo vai, papo vem, ele tenta beijá-la, e a princípio ela diz que nunca beija no primeiro encontro. Mas depois se beijam, é claro, e trepam maravilhosamente – para, no dia seguinte, quando fica sabendo que ele é um capitalista pavoroso que quer construir ali um edifício cheio de concreto que viola toda a beleza da histórica Cusco, ela dizer que aquela vez tinha sido a primeira e única. E que ela não quer saber dele nem morto.
Na Espanha, o título foi Michileros
Tupanachiskama. Expressão da língua dos incas que significa “até a próxima vez”. Foi daí que o povo da Netflix tirou o título com que o filme está em exibição no Brasil. No original é bem parecido, mas creio que mais belo, mais sonoro: Hasta que Nos Volvamos a Encontrar.
Me surpreendi ao ver que, na Espanha, país que é co-produtor do filme, o título foi outro: Mochileros. Como nos Estados Unidos, onde é Backpackers. Na França, optaram por algo no tom do original peruano, Bien Plus qu’un Au Revoir, bem mais que um adeus.
Interessante um filme com tantos títulos diferentes.
Tenho visto muitos filmes espanhóis, e também séries, mas nunca vi nenhum dos outros em que aparece esse rapaz Maxi Iglesias. Sua filmografia tem mais de 30 títulos – boa parte deles séries de TV.
Também nunca vi nenhum outro dos 20 filmes e/ou séries em que aparece essa belíssima Stephanie Cayo, nos documentos Stephanie Cristina Cayo Sanguinetti. A moça é jovem, mas tem estrada – e fãs apaixonados, como indica a longa e detalhada biografia dela no IMDb. Aos 9 anos de idade já trabalhava em Travesuras del Corazón, a primeira das várias séries de TV de que participou, no Peru e também na Colômbia. Além de atriz, é cantora e dançarina.
Diferentemente do caso da bela atriz, as informações no IMDb sobre o diretor e autor do argumento e do roteiro deste Hasta que Nos Volvamos a Encontrar são pouquíssimas. Mas dá para perceber que Bruno Ascenzo é daquele tipo que se dedica a um único gênero: parece que todos os filmes com roteiro dele (seis) ou dirigidos por ele (seis também) são comédias. Não acho isso mal, não, de forma alguma.
O rapaz tem talento.
Anotação em abril de 2022
Até a Próxima Vez/Hasta que Nos Volvamos a Encontrar
De Bruno Ascenzo, Peru-Espanha, 2022
Com Maxi Iglesias (Salvador Campodónico),
Stephanie Cayo (Ariana)
e Wendy Ramos (Lichi, a tia de Ariana), Amiel Cayo (Uberto, o amigo de Ariana), Carlos Carlín (Mauricio), Renata Flores (Urpi), Alberik García (funcionário), Mayella Lloclla (Sofia), Anai Padilla (Ines), Rodrigo Palacios (Vito), Jely Reategui (Janice), Muki Sabogal (Eva), Vicente Vergara (Alberto)
Argumento e roteiro Bruno Ascenzo
Fotografia Miguel Valencia
Montagem Eric Williams
Desenho de produção Mario Frias
Produção Roxana Rivera, Netflix Studios, Tondero Films.
Cor, 96 min (1h36)
**1/2
Título na Espanha: Mochileros. Nos EUA: Backpackers. Na França: Bien Plus qu’un Au Revoir.
Um comentário para “Até a Próxima Vez / Hasta que Nos Volvamos a Encontrar”