Nos primeiros 15, talvez 20 minutos de Atlantique, co-produção Senegal-França-Bélgica de 2019, tive a impressão de que aquilo era muito chato porque a diretora, Mati Diop, tentava imitar o estilo de obras de grandes cineastas europeus – sem ter noção de por que aqueles mestres faziam aquele tipo de coisa.
Há longas, muito longas sequências, naquele início de Atlantique, em que não acontece absolutamente nada. Por exemplo: a câmara focaliza um grupo de operários em um caminhão; no centro do quadro está um homem, especificamente, que demonstra estar em profunda angústia. Uma tomada de um minuto seria mais do que suficiente para o espectador compreender que aquele rapaz ali – veremos que se chama Souleiman, o papel de Ibrahima Traore – é o personagem da história. Mas a tomada prossegue, prossegue, prossegue.
Pouco mais tarde, ficamos conhecendo Ada (Mame Bineta Sane), a namorada de Suleiman. Há uma tomada de Ada caminhando que dura o que parecem ser uns bons 3 minutos. Não acontece absolutamente nada: Ada está caminhando na rua – e a tomada parece durar, se não eternamente, ao menos uns 3 minutos, ou 4.
Pensei: ah, o diretor deve ser jovem. (Ainda não sabia que Mati Diop era uma moça.) Viu a trilogia da incomunicabilidade de Michelangelo Antonioni, não entendeu muito bem por que motivo, em O Eclipse (1962), a câmara extraordinária do diretor de fotografia Gianni Di Venanzo se detinha durante alguns segundos, talvez até mesmo uns 40, 50 segundos, num objeto inanimado – um poste de luz, por exemplo. Não compreendeu que, em O Eclipse, aquela longa tomada de um objeto inanimado era importante para contar a história, tinha sentido, não era algo gratuito – e então resolveu copiar a coisa de manter a câmara numa situação em que não acontece nada. Mesmo que, nesses casos específicos – o rosto de Suleiman no caminhão, o corpo de Ada caminhando numa rua de Dacar –, a tomada longa não significasse coisa alguma, não quisesse dizer coisa alguma.
Pensei: ah, ele é jovem, o diretor. Viu os filmes dos mestres, não entendeu direito, não deglutiu. Vamos em frente, vamos ver o que ele tem a dizer.
Quando o filme estava ali com uns 40 dos seus dolorosos, intermináveis, excruciantes 106 minutos, percebi que minha avaliação havia sido errada: na verdade, o rapaz simplesmente não tem talento. O filme é uma absoluta porcaria. Um danado de um abacaxi azedo.
Disse isso a Mary. Mary, mais esperta do que eu, e não tendo que escrever sobre filmes porque não tem site de filmes, já havia chegado a essa conclusão bem antes de mim.
Um casal que não se ama vai se casar
É um roteiro original assinado pela diretora Mati Diop e Olivier Demangel. Mati Diop é francesa de Paris, de 1982; estava, portanto, com 37 anos quando Atlantique foi lançado. Este aqui foi seu primeiro longa de ficção como diretora – antes, havia realizado quatro curta-metragens e um documentário. Olivier Demangel tem 18 títulos em sua filmografia como roteirista.
A trama de Atlantique, se é que se pode chamar aquilo de trama, é mais ou menos assim, pelo que pude compreender, com minha parca experiência de ver filmes há uns 58 anos:
Um grupo de operários que trabalhava na construção de um gigantesco prédio em Dacar se rebela após passar 3 meses sem receber pagamento. Sai cantando na carroceria de um caminhão. Um dos operários do grupo é Souleiman, um rapaz que se sente extremamente angustiado com a situação em que vive. Souleiman está namorando uma moça chamada Ada – são, os dois, pobres, vivem num bairro bem pobre de Dacar, embora diante daquele Atlântico todo.
E dá-lhe tomada do Atlântico. No total, as diversas tomadas do Atlântico em Atlantique devem somar uns bons 10 dos 106 intermináveis minutos do filme.
Souleiman tenta comer Ada, mas a moça não permite. Combina que vai encontrá-lo mais tarde, de noite. Na verdade, Ada está noiva de Omar (Babacar Sylla), um rapaz de família riquíssima, que passa 7 meses de cada ano na Itália, o filme não se preocupa em nos explicar fazendo o quê. Aliás, o filme não se preocupa em nos explicar por que raios o riquíssimo Omar está noivo da pobretona Ada, que não gosta dele e está prestes a dar para Souleiman, que é o sujeito que ela ama. Vê-se que é um casamento arranjado – mas arranjado por quem, para quê? O filme não conta. O que o filme conta é que o riquíssimo Omar não tem tesão alguma pela pobretona Ada.
Então por que, diabos vão se casar?
Mistério neste mundo de mistérios.
De repente, na cerimônia de casamento dos pombinhos que não se amam, na casa rica dos pais de Omar, há um incêndio. O lindo colchão na linda cama no lindo quarto do riquíssimo Omar pega fogo.
O chefe de polícia manda seu mais esperto inspetor investigar o caso. O detetive tenta interrogar Ada, mas não extrai nada dela – mas ele logo tem umas febres estranhas. Muitas amigas de Ada também são acometidas por febres estranhas. Parecem possuídas por seres de outro mundo – ficam com os olhos virados para dentro. O próprio policial também fica de olho virado para dentro. De repente, parece que Atlantique, filme muito sério sobre a exploração do homem pelo homem, foi abduzido por um desses Walking Dead do Império.
E aí ficamos sabendo que aqueles dignos operários da construção civil que não receberam seus salários, Souleiman inclusive, embarcaram num barco rumo à Espanha. Diacho, de Dacar à Espanha são, digamos, umas 40 vezes a distância entre Havana e a Flórida, umas 40 vezes a distância entre Ceuta e Gibraltar, mas lá foram eles – e, tal como na canção de Caymmi, o barco vira, morrem todos. E aí parece que aqueles bravos operários mortos reencarnam nas mulheres amigas de Ada, porque lá vão elas, olhos vazados, procurar vingança exigindo o salário não pago do mau patrão. E vai daí que…
O imperdoável crime de desonestidade intelectual
Atlantique foi exibido na mostra competitiva do Festival de Cannes, um dos três mais importantes do mundo, ao lado dos de Berlim e Veneza.
Ser admitido na mostra competitiva de Cannes é uma honra para poucos, para grandes filmes.
A jovem diretora e co-autora Mati Diop venceu o Grande Prêmio do Júri.
Ora, ora, ora. Atlantique é pior do que abacaxi azedo. Atlantique é un film de merde.
Premiar a diretora dessa obra patética com o Grande Prêmio de Júri é uma palhaçada.
Pior que palhaçada: é um crime. É um imperdoável crime de desonestidade intelectual.
Ah, os senhores do júri estavam se sentindo culpados pelo passado colonialista da França, da Europa como um todo? Fizessem um pedido de perdão no Le Monde.
Premiar um filme ruim, mal feito, mal idealizado, mal ajambrado, troncho, bocó, porque se tem culpa do passado colonialista, isso pra mim é crime. O imperdoável crime de desonestidade intelectual.
Anotação em fevereiro de 2020
Atlantique
De Mati Diop, Senegal-França-Bélgica, 2019
Com Mame Bineta Sane (Ada), Amadou Mbow (Issa), Ibrahima Traore (Souleiman), Nicole Sougoub (Dior, amiga de Ada). Aminata Kane (Fanta, amiga de Ada), Coumba Dieng (Coumba), Ibrahima Mbaye (Moustapha), Diankou Sembene (Mr. Ndiaye), Abdou Balde (Cheikh), Babacar Sylla (Omar), Arame Fall Faye (a mãe de Ada), Ya Arame Mousse Sene (a avó de Ada), Babacar Samba (o pai de Ada), Astou N’Diaye (a mãe de Souleimane), Khouda Fall (a mãe de Mariama)
Argumento e roteiro Mati Diop e Olivier Demangel
Fotografia Claire Mathon
Música Fatima Al Qadiri
Montagem Aël Dallier Vega
Produção Ad Vitam Production, Arte France Cinéma, Canal Plus, Canal+ International, Cinekap, Ciné Plus, Frakas Productions, Les Films du Bal, MK2, TV5 Monde.
Cor, 106 min (1h46)
Disponível na Netflix em fevereiro de 2020.
½
A melhor crítica de “Atlantique” até agora! Hahahahah.
Olha… eu amei o filme , mas demorei 3 anos pra assistir. Como sempre , veio ler críticas e mais informações depois. Acho que vc deveria escrever para a Revista Mad ou a antiga Casseta e Planeta urgente kkkkkkk mucho loka sua crítica