Verónica

Nota: ★★☆☆

A direção de Verónica, produção mexicana de 2017, é assinada, nos bem cuidados créditos iniciais, por Los Visualistas. Assim: uma entidade, um grupo. Se a reunião de músicos tem nome – Los Hermanos, The Beatles, Les Luthiers -, por que um conjunto de diretores de cinema não pode ter também?

A produção do filme é assinada por Visualistas e Producciones A Ciegas. O eventual leitor sacou a inteligência da jogada? Los Visualistas e Producciones A Ciegas – bela brincadeira com palavras, um lance inteligente.

Os realizadores de Verónica abusam do direito de se acharem inteligentes. Mais que inteligentes: geniais. Acabaram de chegar, mas não apenas querem se sentar na janelinha: querem mostrar que sabem fazer filme tão genial quanto Persona, de Ingmar Bergman, Psicose, de Alfred Hitchcock, Repulsa ao Sexo, de Roman Polanski, A Ilha do Medo, de Martin Scorsese.

Quem enumerou esses filmes como sendo algumas das influências de Los Visualistas não fui eu, foi um sujeito atento, esperto, chamado Luís Fernando Galván, no site EnFilme (http://enfilme.com/en-cartelera/veronica ). O cinéfilo que vir Verónica certamente concordará com esse crítico: de fato, nota-se que há um pouco de cada um desses grandes filmes aí neste “thriller psicológico”, como parece que os autores gostam de definir sua obra.

Um dos dois diretores é também co-autor da história e do roteiro

Los Beatles, a gente sabe, são John, Paul, George e Ringo; Los Visualistas, que provavelmente acham que em breve serão mais famosos não só que Jesus Cristo, mas também que Los Beatles, são Carlos Algara e Alejandro Martinez-Beltran – e Verónica é seu primeiro longa-metragem.

Carlos Algara, além de co-dirigir, co-escreveu a história e o roteiro, ao lado de Tomás Nepomuceno. Nasceu na Cidade do México em 1984 (estava portanto com 33 anos quando foi lançado Verónica – apenas sete anos mais que Orson Welles tinha quando lançou Cidadão Kane), estudou no Instituto Tecnológico de Educação Superior de Monterrey, e já em 2010 lançou seu primeiro curta, El Intruso, que teve indicações aos prêmios de melhor curta e melhor direção no Festival Internacional de Xangai. De lá para cá Algara fez mais dois curtas, antes de chegar até Verónica; já ganhou 2 prêmios em festivais, fora outras 11 indicações.

Alejandro Martinez-Beltran já havia dividido a direção do terceiro curta de Algara, Mi Angel (2012).

Os próprios diretores divulgaram uma sinopse de seu filme, que está reproduzida no IMDb e reproduzo de novo aqui. Se eles mesmos já fizeram a sinopse, para que eu me daria a esse trabalho?

“Uma psicóloga reclusa, de meia-idade, que já parou sua prática há alguns anos, decide aceitar o caso de Verónica, uma jovem cujo tratamento havia sido misteriosamente interrompido por um velho professor de psicólogos, e que desapareceu. Como condição, a psicóloga exige que Verónica fique com ela em sua casa no campo enquanto dura o tratamento. Aqui, as duas vão descobrir o que se esconde por trás de seus mais profundos segredos.”

O filme é preto-e-branco – e ambientação é sueca. Não parece América Latina

Duas características fortes chamam a atenção do espectador desde o iniciozinho do filme. A fotografia – caprichadíssima, esplendorosa, assinada por Miguel Angel Gonzales Avila – é em preto-e-branco, como Persona, Psicose, Repulsa ao Sexo. E a ambientação está a anos-luz do que poderia parecer México, América Latina, Terceiro Mundo. A psicóloga (interpretada por Arcelia Ramírez, atriz competente, experiente, quase 90 títulos na filmografia) mora numa belíssima casa completamente isolada deste insensato mundo, no meio de uma floresta, numa região montanhosa.

É tudo muito mais suíço, ou sueco, do que latino-americano.

Na primeira sequência do filme, a psicóloga está sentada na varanda da casa esplêndida, de frente para uma vista deslumbrante; usa óculos escuros – veremos que ela tem problema de fotofobia. Toca o telefone, ela atende. Explica que não está mais atendendo a pacientes, que está aposentada. Mas se interessa ao saber que a paciente que gostariam de encaminhar para ela estava antes sendo tratada pelo professor Van Rocie. Diz para o interlocutor que Van Rocie havia sido professor dela durante muitos anos. E então admite tratar daquela paciente, que se chama Verónica.

E então Verónica de la Serna, uma moça aí de uns 25 anos (interpretada por Olga Segura), aparece na casa de campo em que vive, isolada do mundo, a psicóloga.

Por que uma psicóloga aposentada, que não trata mais de pacientes, tem ao lado de sua poltrona preferida na varanda um telefone, isso não se explica. Quem fez a ligação, quem se dispõe a pagar caríssimo pelo tratamento da moça – isso não ficamos sabendo. Quem leva Verónica até a casa isolada no meio de uma montanha – isso também não ficamos sabendo.

Verónica simplesmente aparece lá.

A psicóloga terá sua psique profundamente abalada pela paciente

As duas – a psicóloga sem nome e Verónica – estarão em cena ao longo de todo o filme. Praticamente só as duas; em algumas tomadas, em flashbacks, aparecerão também a mãe de Verónica (interpretada por Sofía Garza) e Verónica criança (Eugenia Morales Marín), mas, tirando esses breves momentos, serão apenas as duas – a psicóloga e a paciente.

Duas mulheres em cena, o tempo todo. Exatamente como em Persona, a obra-prima de Ingmar Bergman de 1966 com Bibi Andersson e Liv Ullmann. Igualinho que nem.

Na primeira noite, assim como acontecerá nas noites seguintes, a psicóloga ouvirá sons vindos do quarto em que Verónica foi acomodada: gritos abafados, gritos de quem está tendo pesadelos – e, depois, os suspiros e gemidos de uma mulher se masturbando até chegar ao orgasmo.

A psicóloga terá sua psique profundamente abalada pela paciente

Haverá muito papo-cabeça. Menções a Freud, claro, e até a Platão. Depois as coisas se complicam bastante. A psicóloga telefona várias vezes para tentar falar com seu professor e mentor, o dr.  Van Rocie, para saber o que ele tem a dizer sobre Verónica – mas, num desses telefonemas, é informada de que o dr. Van Rocie desapareceu. Desapareceu, misteriosamente.

Terá Verónica algo a ver com o desaparecimento do psicólogo e professor?

Existe, afinal de contas, uma psicóloga, ou é tudo projeção, invenção da cabeça confusa de Verónica?

Mary, mulher esperta, parou de ver o filme quando ele estava com 15 minutos. Foi aproveitar melhor o seu tempo. Eu fiquei até o fim. Sou quase tão louco quanto Verónica – se é que Verónica existe, não é uma projeção, uma invenção da cabeça da psicóloga –, e além de tudo tenho um site de filmes, gosto de escrever sobre filmes, sejam eles bons ou ruins.

É um filme feito especialmente para agradar ao público de festivais

Verónica foi exibido em diversos festivais mundo afora. Passou no Festival de Filme de Horror do Brooklin, no Festival de Cinema de Madri, no Festival Internacional de Cinema de Guadalajara, no Festival de Cinema Mundial de Montréal. Não ganhou prêmios, mas colecionou 11 indicações.

É um filme feito para passar em festivais. Feito especialmente para agradar ao público de festivais.

Por uma dessas coincidências fascinantes, vimos Verónica logo depois de ver outro filme mexicano recente, Una Ultima Y Nos Vamos, que é o oposto exato deste aqui – é um filme simples, despretensioso, feito para agradar ao povão, ao espectador mediano. Interessante, isso: é uma amostra da riqueza do cinema mexicano.

Anotação em outubro de 2017

Verónica

De: Los Visualistas, México, 2017.

Com Olga Segura (Verónica de la Serna), Arcelia Ramírez (a psicóloga)

e Sofía Garza (a mãe de Verónica), Eugenia Morales Marín (Verónica criança)

Argumento e roteiro Carlos Algara e Tomás Nepomuceno

Fotografia Miguel Angel Gonzales Avila

Música Daniel Wohl

Montagem Luis de la Madrid e Eugenio Richer

Produção Producciones A Ciegas, Visualistas.

P&B, 81 min (1h21)

**

Um comentário para “Verónica”

  1. Olá! Ultimamente tenho “investido” no cinema latino-americano (graças ao cine ibermedia da TV Brasil), confesso que ainda não vi este (embora a sinopse tenha me lembrado um pouco As Deusas do Khoury). Mas realmente, gosto bastante desse contraste de estilos, cheguei á ver filmes que aposto que se fossem feitos no EUA seriam clássicos mundiais, mas terminam renegados apenas a festivais e sessões cult (mesmo quando são comedias populares), uma pena… Desculpe o desabafo, mas tenho que botar pra fora hahaha

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