As voltas que o mundo dá. Em 2006, Anne Hathaway era Andy, a jovem jornalista recém-formada que se sujeitava às piores provações como secretária de uma megera no competitivíssimo mundo de Manhattan, o miolo da capital do mundo, em O Diabo Veste Prada.
A megera, sua chefe, era a diretora de redação de uma revista de moda, interpretada por uma atriz que é um mito, uma lenda, Meryl Streep.
Nove anos depois, em Um Senhor Estagiário/The Intern (2015), Anne Hathaway é Jules Ostin a chefe, a patroa, a criadora e proprietária de uma empresa de venda de roupas online. Não chega a ser uma megera como a Miranda Priestley da revista de moda, mas, como ela, é competente no que faz, workaholic, sempre ocupadíssima, de poucos amigos – e sua secretária, Becky (Chistina Scherer) come o pão que o diabo amassou. Quase tanto quanto a pobre Andy do outro filme.
Se em Prada Anne Hathaway tinha que obedecer às ordens marciais de uma personagem interpretada por um mito, uma lenda, neste Um Senhor Estagiário, como o título indica, ela, ao contrário, dá as ordens a um personagem – interpretado por outro mito, outra lenda do cinema americano, Robert De Niro.
Uma daquelas pessoas que simplesmente não conseguem entender a vida sem o trabalho
As voltas que o mundo dá. Robert Anthony De Niro Jr, que já foi jovem mafioso em esplendorosa ascensão, chefão mafioso, motorista de táxi ensandecido que sem querer vira herói, chefão mafioso, campeão de boxe, chefão mafioso de novo, conselheiro político de presidente da República, e até mesmo o próprio Lúcifer, entre muitas outras coisas, desta vez é um pacato ex-executivo de empresa impressora de listas telefônicas em que trabalhou calma, firme e diligentemente durante 40 anos.
Depois de perder a mulher, o grande amor da vida inteira, Ben Whitaker aposentou-se – e não se adaptou à vida sem ter a obrigação de trabalhar oito horas por dia. Simplesmente não se adaptou.
Ele mesmo conta isso para o espectador, nas primeiras rápidas sequências do filme escrito e dirigido por Nancy Meyers. Experimentou práticas para tranquilizar corpo e mente – vemos Robert De Niro-Ben Whitaker fazendo algo como um esquisito tai-chi-chuan no meio de um parque, o único homem no meio de um grupo de senhorinhas. Viajou bastante – vemos Robert De Niro-Ben Whitaker chegando em casa com uma daquelas guirlandas que os turistas recebem quando chegam ao Havaí no pescoço. Mas, ao chegar em casa – uma bela, confortável, gostosa casa –, sentia-se solitário.
Sentia falta de se sentir útil. Em suma, sentia falta de trabalhar. Ben Whitaker, coitado, é daquele tipo de ser humano que não consegue compreender a vida sem a obrigação de trabalhar.
Tudo de previsível que o espectador puder imaginar vai acontecer no filme
Eu, particularmente, aposentado há mais de dez anos e sempre sem tempo para riscar todos os itens da eterna e longa lista de coisas a fazer que jamais pára de receber novos itens, entendo que só tem tédio quem é imbecil.
Mas e daí?
Se Ben Whitaker fosse um sujeito cheio de coisas para fazer depois da aposentadoria, com diversos hobbies interessantes, gostosos, prazerosos, não haveria o filme de Nancy Meyers. E então um dia ele encontra um panfleto de uma empresa em fase de expansão que está disposta a contratar estagiários seniors. Ou seja, experientes. Dizendo claramente: velhinhos.
E então Robert De Niro se encontra com Anne Hathaway na sede da empresa dela.
Que, por uma fascinante coincidência, agora ocupa o mesmo prédio tipo galpão de fábrica de dois ou três andares e imensa área em cada andar onde antes funcionava a empresa que imprimia catálogos telefônicos, essa coisa de que a humanidade não precisa mais, na qual Ben Whitaker chegou a vice-presidente.
Um ex-executivo experientíssimo de 70 anos diante de uma jovem empreendedora, workaholic, na casa dos 30 e poucos.
Tudo o que o espectador puder prever que acontecerá a partir daí numa comedinha de Hollywood vai acontecer.
Tudo, tudo, tudo: a princípio Jules vê aquele estagiário como um absoluto estorvo. O velhinho se esforça para agradar a todos os colegas de trabalho – e pouco a pouco vai conquistando a admiração e o respeito da patroa…
e etc, etc, etc, etc.
Para desmentir quem diz que é tudo absolutamente previsível, a trama, bastante previsivelmente, cria lá pela tantas uma situação insólita, esquisita, inesperada: Ben se oferece para, juntamente com três rapazes da empresa, invadir a casa da mãe de Jules para impedir que possa ler mensagem bem crítica a ela, quase ofensiva, enviada sem querer pela filha.
É a sequência nonsense, imprevisível, diferente, da trama absolutamente previsível criada por Nancy Meyers.
Uma autora fiel a suas idéias, que faz filmes gostosos, divertidos, positivos
Registro que não tenho nada contra tramas previsíveis. E que gosto bastante de comedinhas, românticas ou não.
The Intern não tem nada que seja ofensivo às pessoas de boa índole. Não faz apologia de nada que seja errado. Bem ao contrário: é um filme em tudo correto, que defende só valores corretos – o afeto, a amizade, a solidariedade.
São assim os trabalhos dessa roteirista, diretora e produtora nascida na Pensilvânia em 1949, que em geral faz filmes escritos por ela mesma. São em geral comedinhas suaves, sobre relações familiares, relações afetivas, relações entre colegas no trabalho. Filmes gostosos, divertidos, saborosos, sempre com um ponto de vista positivo sobre a vida, sempre defendendo os melhores valores – como Do Que as Mulheres Gostam (2000), Alguém Tem Que Ceder (2003), O Amor Não Tira Férias (2006), Simplesmente Complicado (2009).
Gosto dos filmes de Nancy Meyers desde Presente de Grego/Baby Boom (1987), escrito por ela e pelo então marido, Charles Shyer, um filme feito no auge do yuppismo que remava com firmeza contra a corrente, ao mostrar como uma executiva competente, compulsiva workaholic (interpretada por Diane Keaton), de repente se via na obrigação de criar um bebê deixado para ela por uma parente distante – e, pouco a pouco, vai mudando seus hábitos, seus interesses, e descobre que a vida tem mais prazeres a oferecer do que o sucesso profissional.
Um tema, como se vê, bem parecido com os abordados neste The Intern. Nancy Meyers é uma autora fiel a suas idéias: trata sempre dos mesmos temas em seus filmes.
Robert De Niro me pareceu estar fazendo uma caricatura de Robert De Niro
Uma das coisas boas do filme é a personagem interpretada por Rene Russo (na foto acima). Essa atriz interessante, atraente, sexy, mais vistosa que propriamente bela, faz o papel de Fiona, uma mulher de meia-idade (Rene Russo estava com 61 no ano de lançamento do filme), divorciada, independente, que trabalha como massagista na empresa de Jules Ostin.
Na primeira vez em que ela se encontra com o estagiário, no meio do salão gigantesco onde trabalham dezenas de funcionários, Fiona aplica-lhe uma massagem gostosa – e os rapazes que trabalham ao lado dele têm que jogar no seu colo um jornal, para disfarçar a ereção do velhinho.
Claro que o velhinho estagiário vai ter um caso com a massagista gostosa.
O maior defeito deste The Intern, na minha opinião (e é sempre bom repetir que minha opinião não vale mais que uma moeda furada de dois guaranis), é seu elemento mais vistoso: exatamente Robert De Niro.
Excelente ator, dos melhores de sua geração e dos que apareceram depois dela, De Niro parece trabalhar com o piloto automático ligado, em alguns de seus filmes dos últimos 10, 15 anos.
Interessante: em 2009, De Niro interpretou um personagem bastante parecido com este Ben Whitaker aqui, em Estão Todos Bem/Everybody’s Fine (2009), de Kirk Jones. Era a refilmagem de uma obra de Giuseppe Tornatore, Estamos Todos Bem/Stanno Tutti Bene (1990), e De Niro interpretava o personagem que no original havia sido de Marcello Mastroianni.
Chamava-se Frank Goode. Como este Ben Whitaker, havia trabalhado demais a vida toda, havia perdido a mulher e agora estava se sentindo solitário. Mas é um batalhador, não se deixa vencer pelo desânimo, e então sai em viagem para rever cada um dos três filhos, espalhados pelo país afora.
Anotei sobre sua interpretação: “Nos últimos tempos, De Niro, grande ator, andou fazendo filmes com uma certa preguiça, fazendo uma caricatura de Robert De Niro. Neste aqui, não – ele me pareceu muito bem, como costuma ser quando de fato quer, quando se interessa pelo papel que está fazendo. Compôs um personagem cheio de matizes.”
Não sei se foi um problema meu, do momento em que vi este Um Senhor Estagiário, mas achei que aqui De Niro estava fazendo a pior caricatura de De Niro que ele jamais fez. São raríssimas as tomadas em que ele aparece com o rosto normal, sem fazer careta.
Uma pena.
Os filmes de Nancy Meyers são “bem elaborados e escritos com inteligência”
Mas esta, insisto, é apenas a minha opinião. Vejo na Wikipedia que, no New York Times, Mahnohla Dargis escreveu que o filme é similar a outros trabalhos de Nancy Meyers – “espumoso, divertido, homogêneo, rotineiramente enlouquecedor e de uma maneira geral bastante irresistível”. Apontou que o roteiro tem “idéias conflitantes sobre mulheres poderosas”, e que De Niro “é o dono do filme a partir do momento em que abre a boca”.
O site Rotten Tomatoes diz que o filme teve cotação de 5,8 em 10, com base nas opiniões de 168 leitores, e que ele “se beneficia da química nada ortodoxa de seus dois talentosos protagonistas”.
O respeitabilíssimo site AllMovie da 3.5 estrelas em 5, e em sua crítica Tim Holland afirma que Nancy Meyers não é conhecida por fazer grande cinema, e sim por criar filmes que agradam às platéias às quais se dirige. E dá uma informação interessante, que eu não desconhecia: nenhuma outra mulher dirigiu filmes que renderam tanto dinheiro quanto ela. É a diretora comercialmente mais bem sucedida do cinema americano.
Bem mais adiante em sua crítica, Tim Holland faka da Miranda Priestley de O Diabo Veste Prada que citei na abertura – antes, é claro, de ler o que diz o All Movie:
“Os filmes de Meyers não são nunca profundos, mas são bem elaborados e escritos com inteligência. Ela sabe como tirar risadas de situações aparentemente mundanas, e sempre consegue grandes atuações de seus atores classe A. Os vencedores do Oscar Hathaway e De Niro brilham sob sua direção e obtêm uma grande química na tela. Teria sido um pouco mais engraçado se Jules fosse um pouco mais desagradável, como Miranda Priestley, diante de Ben (como a própria Hathaway teve que enfrentar quando ela era a secretária da chefe em The Devil Wears Prada), mas isso é uma queixa menor.”
Anotação em fevereiro de 2017
Um Senhor Estagiário/The Intern
De Nancy Meyers, EUA, 2015
Com Robert De Niro (Ben), Anne Hathaway (Jules)
e Rene Russo (Fiona), Anders Holm (Matt), JoJo Kushner (Paige),
Andrew Rannells (Cameron), Adam DeVine (Jason), Zack Pearlman (Davis), Jason Orley (Lewis), Christina Scherer (Becky), Nat Wolff (Justin), Linda Lavin (Patty), Celia Weston (Doris), Steve Vinovich (Miles), C.J. Wilson (Mike)
Argumento e roteiro Nancy Meyers
Fotografia Stephen Goldblatt
Música Theodore Shapiro
Montagem Robert Leighton
Produção Waverly Films.
Cor, 121 min
**1/2
Obrigado pelo post, o filme é muito bom. Sempre achei o seu trabalho excepcional, sempre demonstrou por que é considerado um grande ator, desfrutei do seu talento em no filme Mãos de Pedra, umo dos melhores filmes de Robert de Niro faz uma grande química com todo o elenco, vai além dos seus limites e se entrego ao personagem.