Quanta lindeza. E quanta tristeza.
Essas expressões ficaram pipocando na minha cabeça assim que terminei de ver pela primeira vez A Piscina, exatos 47 anos após o lançamento do filme, em 1969.
Quanta lindeza. E quanta tristeza.
É lindeza demais da conta, um absurdo de lindeza. Quase toda a ação se passa numa rica, maravilhosa villa no meio do mato, no Sul da França, perto do mar da Côte d’Azur. A piscina da villa é um estupor de beleza. E os protagonistas são Alain Delon e Romy Schneider.
Pode ter havido outros casais tão belos, ao longo destes 110 anos de cinema, quanto Romy Schneider e Alain Delon. Mais belos, não. Seria impossível.
Romy Schneider e Alain Delon têm a beleza dos deuses gregos, dos deuses pintados pelos renascentistas italianos. Boticelli não conseguiria criar nada mais belo.
E ainda tem Maurice Ronet e Jane Birkin.
É lindeza saindo pelo ladrão.
Fiz umas continhas. Maurice Ronet, de 1927, estava com 42 anos. Belo como Apolo, o filho do mãe. Alain Delon, de 1935, ainda mais belo que Maurice Ronet, estava com 34. Romy Schneider, de 1938, um ano antes do início da Segunda Guerra, tinha 31. Jane Birkin, de 1946, um ano depois do fim da Guerra, tinha 23 – mas de fato parecia ainda mais jovem. Seu personagem tem 18 anos.
Em metade do filme, Romy e Delon estão em traje de banho
Luchino Visconti fez dois filmes com Delon, Rocco e Seus Irmãos (1960) e O Leopardo (1963). Nobre, aristocrata, comunista, mestre Visconti era também homossexual, mas isso não importa nada: era um apaixonado pela beleza, e então filmou Alain Delon sem camisa – assim como depois filmaria outro belo homem sem camisa, Jean Sorel, em Vagas Estrelas da Ursa (1965).
Pareceu chocante. Falou-se muito disso, na época – filmar Alain Delon sem camisa. Como também se falaria das cenas de Paul Newman sem camisa em Doce Pássaro da Juventude/Sweet Bird of Youth (1962). Sobre esse filme, Pauline Kael escreveu: “Quando o peito nu de Newman não está sendo manuseado e cantarolado por (Geraldine) Page, está sendo unhado e dedilhado por Shirley Knight, que interpreta sua namorada de cara linda, Heavenly Finley.”
O que o grande Richard Brooks fez com o peito nu de Paul Newman e o muito maior ainda Luchino Visconti fez com o próprio Alain Delon é bobagem, é fichinha, é brincadeira de criança perto do que o diretor Jacques Deray faz neste A Piscina.
Pelo menos na metade dos 120 minutos de filme, Alain Delon veste apenas um calção de banho e Romy Schneider, maiô ou biquíni. E não é forçação de barra, pois, afinal, seus personagens estão passando férias numa villa da Côte d’Azur, em pleno verão, plein soleil, e estão quase sempre junto da piscina que dá título ao filme, ou dentro dela.
Dois dos seres mais belos que já passaram diante de uma câmara, quase o tempo todo seminus, apenas com uns pedacinhos pequenos de panos cobrindo as pudicícias.
Um amigo do casal aparece na casa com a filha de 18 anos
Na primeira sequência do filme, Jean-Paul (o papel de Alain Delon) está deitado ao sol na beirinha da piscina. Usa óculos escuros – um modelo, o Vuarnet 006, que o filme transformaria num sucesso absoluto de vendas, mas isso é um detalhe que não interessa nada.
Marianne (o papel de Romy Schneider) aparece.
Deita-se sobre Jean-Paul.
Grudam-se, se beijam.
Ele tira o sutiã do biquíni dela.
Toca o telefone.
Ele a joga dentro da piscina, e depois pula na água.
Beijam-se.
A empregada, Emilie (Suzie Jaspard), aparece, diz que há um telefonema para madame. Madame sai da piscina, cobre os seios nus com uma toalhinha, vai atender ao telefone.
É Harry do outro lado da linha. Ele está viajando – mas que coincidência! – exatamente por ali, pela Côte d’Azur. Marianne diz que eles estão passando férias na villa de um amigo, em tal e tal lugar – venha, venha, passe por aqui.
Daí a pouquinho Harry (o personagem de Maurice Ronet) chega à villa, num carro esporte vermelho caríssimo. Traz com ele a filha, Pénélope, a garotinha de 18 anos interpretada por Jane Birkin de 23 mas que de fato parece ter uns 17, 18.
Nem Jean-Paul nem Marianne sabiam da existência de uma filha de Harry. Ele conta que foi coisa da juventude; a mãe dela é inglesa, ele agora está passando um tempo com a garota.
Marianne propõe que eles fiquem hospedados ali na villa por alguns dias – o lugar é lindo, e enorme, há quartos de sobra.
Antes de conhecer Jean-Paul, Marianne havia sido amante de Harry
Muito poucos fatos acontecem entre a chegada de Harry e Pénélope à villa – isso rola quando o filme está aí com uns 12, 15 minutos – até pouco adiante da metade da narrativa.
As informações sobre aquelas pessoas, o que fazem, quem são, vão vindo bem aos poucos – mas, de cara, o espectador pode perceber que a) houve algo no passado entre Harry e Marianne, e poderá haver de novo; e b) periga rolar alguma coisa entre Jean-Paul e a garotinha Pénélope.
O que nos será contado acerca daquelas pessoas, ao longo de todos os 120 minutos de duração do filme, é o seguinte:
* Jean-Paul e Marianne estão juntos há dois anos, dois anos e meio. Ele tinha veleidades literárias, mas o livro que escreveu foi um fracasso absoluto. Jean-Paul ficou um tempo bem mal, mas depois reagiu; parou de beber; arranjou um emprego numa agência de publicidade; não gosta do que faz, mas continua lá, e conseguiu aquele período de férias e teve a sorte de obter a villa emprestada de um casal de amigos. Está se recuperando.
* Marianne tinha um emprego, algo relacionado a texto, que não se especifica. Harry acha que ela escreve muito bem, quando quer, quando se dedica – mas recentemente ela deixou de trabalhar. Estava curtindo em tempo integral a relação com Jean-Paul. Gostava dele, da companhia dele – e sabia que sua presença era importante na vida dele, nesse momento em que ele tentava seguir à tona, sobreviver à frustração de ver a carreira literária ir para o brejo.
* Harry mexia com música, de alguma maneira, e ganhava muito dinheiro com isso – o roteiro assinado por Jean-Claude Carrière, um dos maiores roteiristas do cinema europeu na segunda metade do século XX, e pelo diretor Jacques Deray jamais se preocupa com explicitar as coisas. Se Harry compunha, produzia, tocava, disso não se fala, mas o fato é que ele ganhava uma boa grana.
* Sim, Harry era mulherengo. Belo, bem de vida, atraía mulheres como as flores atraem as abelhas. E, sim, no passado Marianne havia sido amante dele. Houve uma época em que Harry e Jean-Paul ficaram grandes amigos, amigos irmãos – e foi através de Harry que Jean-Paul e Marianne haviam se conhecido.
Na villa maravilhosa, a tensão vai crescendo entre aquelas pessoas belas
Num determinado momento em que Jean-Paul e a garotinha Pénélope ficam a sós, ela vai confidenciar a ele coisas que Harry disse a ela a respeito do amigo. São coisas pesadas, muito pesadas, que certamente terão influência no que acontecerá depois.
De qualquer forma, o passado não parece importar muito aos roteiristas. Eles sequer tentam esclarecer as coisas do passado dos personagens. O que eles querem mostrar é que, ali, naquela villa rica, maravilhosa, a tensão vai crescer sem parar entre aquelas quatro pessoas lindérrimas.
Tipo aquela coisa velhíssima: se num tem pobrema, nóis inventa.
Ou aquela outra coisa velhíssima: na Botsuana morre-se de fome, na Escandinávia de suicídio, porque riqueza demais traz tédio, danação.
Ou ainda aquela outra: como quase absolutamente todos os realizadores franceses e italianos da segunda metade do século XX eram socialistas, comunistas, ou no mínimo simpatizantes, era preciso representar os “burgueses” como seres horrorosos, ruins da cabeça e doentes dos pés.
O filme marca uma bela série de encontros e reencontros
A Piscina foi um filme que marcou uma bela série de encontros e reencontros.
Alain Delon e Maurice Ronet haviam trabalhado juntos nove anos antes, em 1960, dirigidos por René Clément, em Plein Soleil, no Brasil O Sol Por Testemunha – um daqueles filmes que marcaram gerações.
Bem, eram tantos os filmes que marcavam gerações… Quer filme mais marcador de geração do que Trinta Anos Esta Noite/Le Feu Follet, de 1963, em que Louis Malle dirigiu Maurice Ronet naquele que talvez tenha sido sua melhor interpretação de todas?
Interessante: água, verão, céu azul, Alain Delon, Maurice Ronet e uma mulher de beleza extraordinária e olhos verdes faiscantes. De uma certa forma, A Piscina parece ser O Sol por Testemunha 2, com a belíssima Romy Schneider substituindo a belíssima Marie Laforêt.
Em O Sol Por Testemunha, Romy Schneider tinha tido um pequeno papel, pequeníssimo. Ela aparece bem rapidamente numa sequência passada em Roma. De novo: o filme é de 1960.
E isso é maravilha.
Em 1960, Alain Delon despontava como uma grande estrela. Romy Schneider, três anos mais nova que ele, já era uma estrela de fama mundial. Entre 1955 e 1957, havia protagonizado a trilogia Sissi, um absoluto sucesso na Alemanha e também fora dela. Não vem ao caso, mas este escriba aqui viu os três filmes Sissi antes mesmo de, aos 12 anos, começar o primeiro caderninho de filmes. Sim, vi, levado pela minha mãe, os três filmes Sissi no Cine Tupi de Belo Horizonte, mais tarde Cine Jacques. O que quer dizer que em 1960, em todo o mundo ocidental, senhorinhas e crianças tinham profunda paixão por aquela austríaca linda demais da conta.
Conheceram-se, o belíssimo francês e a belíssima austríaca, em 1958 – e, obviamente, se apaixonaram.
Viveram juntos de 1958 a 1963.
Fariam, no total, cinco filmes juntos. Este aqui foi o quarto dos cinco.
Quando fizeram o filme, Delon e Romy já estavam separados
O que há de especialmente belo em A Piscina, me parece, não está no filme, mas nos fatos por trás das telas.
O DVD do filme lançado pela Versátil, e depois incluído numa das Coleções Folha, traz um fascinante, impressionante, mesmerizante trecho de pouco mais de 2 minutos de um cinejornal da época pré início das filmagens. Entrevistador e câmara estavam no então muito pequeno aeroporto de Nice-Côte d’Azur, à espera do vôo em que Romy Schneider chegaria para o início das filmagens. Alain Delon já estava lá, e já havia dado uma entrevista. Dizia que se sentia emocionado, porque fazia então 10 anos que ele havia encontrado Romy Schneider pela primeira vez. E avisava ao entrevistador: a Romy Schneider que vai chegar agora não é mais uma jeune fille, não é mais Sissi – é une femme, uma mulher adulta.
E então o avião trazendo Romy Schneider chega, e ela desce, e ela e Alain Delon se abraçam e se beijam.
Há poucas coisas mais belas na vida do que um casal que se separou e continua amigo camarada cúmplice.
A rigor, a rigor, como já foi dito lá atrás, não há nada mais belo na vida que Romy Schneider e Alain Delon.
Agora, euzinho – que não sou do tipo troglodita, muitíssimo antes ao contrário –, se eu fosse Harry Meyen, o então marido de Romy Schneider, teria morrido de ciúme ao ver aquelas cenas em que ela fica roçando, quase literalmente trepando com Alain Delon, embora a rigor quem estivesse roçando, quase literalmente trepando fossem os personagens Jean-Paul e Marianne.
Delon declarou que jamais reveria A Piscina. Alguém poderia condená-lo?
O belo Maurice Ronet morreu aos 55 anos. Romy Schneider morreu aos 43.
Segundo o IMDb, Alain Delon declarou que jamais reveria A Piscina.
Alguém poderia discordar dele por não querer rever o filme em que aparecem sua ex-mulher e seu grande amigo, ambos já mortos?
Foi o primeiro filme francês da garotinha inglesa Jane Birkin. Fiquei impressionado como o francês dela era carregadérrimo de sotaque.
Três anos antes, em 1966, ela havia aparecido em Blow-Up, o filme de Michelangelo Antonioni filmado em Londres. Naquele mesmo ano de 1969, Jane Birkin viraria notícia planetária por causa da canção “Je t’aime, moi non plus”, composta por Serge Gainsbourg e cantada pelos dois amantes, entre sussurros dela – os primeiros sons de gozo presentes e muito audíveis na música popular.
Piscina é de fato uma coisa fascinante – e muito cinematográfica
Impossível não lembrar que o cinema francês faria de novo um filme sobre conflitos psicológicos que se dão em uma villa, em torno de uma piscina: em Swimming Pool (2003), de François Ozon, Charlotte Rampling faz uma escritora de livros policiais inglesa que visita a villa de seu editor na França, e fica conhecendo a estranha filha dele, interpretada pela bela e ótima Ludivine Sagnier.
E é impossível não lembrar também que uma piscina tem importância fundamental em outro filme estrelado por Alain Delon, uma beleza de thriller, ou, como dizem os franceses, polar, Gângsters de Casaca/Mélodie en Sous-sol (1963), de Henri Verneuil. Foi um dos filmes que reuniram o então jovem Delon com o monstro sagrado Jean Gabin.
E, já que fiquei lembrando de coincidências, Paul Newman, essa espécie assim de Alain Delon americano (ou seria Delon uma espécie de Paul Newman francês?), fez em 1975 um filme chamado The Drowning Pool, no Brasil A Piscina Mortal.
Piscina é sem dúvida uma coisa fascinante. E muito cinematográfica.
Depois deste aqui, Delon faria mais oito filmes com Jacques Deray
Me surpreendeu muito a informação do IMDb de que este A Piscina foi o primeiro de nove filmes dirigidos por Jacques Deray e estrelados por Alain Delon. Não tinha idéia que o ator tivesse feito tantos filmes com esse diretor.
Para falar bem a verdade, o nome Jacques Deray não me dizia nada, até o momento de ver A Piscina.
“Ator, assistente de Rouquier, Boyer, Dassin e Buñuel, tornou-se realizador com a adaptação de um romance de Jacques Robert, estrelado por Alida Valli e Jean-Claude Brialy”, diz sobre ele o Dicionário de Cinema – Os Diretores, de Jean Tulard. “Logo se fez respeitar como um profissional que conhece perfeitamente seu ofício graças a policiais como Rififi em Tóquio ou Un Homme est Mort (…) A Piscina, filme psicológico admiravelmente estrelado por Delon, Ronet, Romy Schneider e Jane Birkin, foi um sucesso.”
Sim, um imenso sucesso. Segundo o IMDb, foi a quarta maior bilheteria na França no ano de lançamento.
Tulard prossegue: “Não é de se surpreender que Delon, particularmente exigente na escolha de seus diretoeres, tenha-o preferido para Borsolino, uma bela evocação dos gangsters marselheses que reinaram sobre a cidade nos anos 30. Delon chamou novamente Deray para Confissões de um Tira e A Gang, e depois para Três Homens para Matar.
O Guide des Films de Jean Tulard dá 3 estrelas para o filme, algo bem raro: “Dificilmente um filme dá tanto a impressão de ter sido controlado. A passagem de um dolce far niente a uma tensão cada vez mais forte que desemboca numa tragédia permite medir a sutil construção do roteiro. A interpretação é deslumbrante, opondo mais uma vez Delon e Ronet (nove anos depois de Plein Soleil de R. Clément). O cenário cria enfim um clima de falsa serenidade. Foi com este filme que Deray se impôs.”
Anotação em agosto de 2016
A Piscina/La Piscine
De Jacques Deray, França-Itália, 1969
Com Alain Delon (Jean-Paul), Romy Schneider (Marianne), Maurice Ronet (Harry), Jane Birkin (Pénélope)
e Paul Crauchet (Lévêque), Steve Eckardt (Fred), Maddly Bamy (a mulata), Suzie Jaspard (Emilie, a empregada), Thierry Chabert (um amigo), Stéphanie Fugain (um amigo)
Adaptação e roteiro Jean-Claude Carrière e Jacques Deray
Baseado em história de Alain Page (assinada com o pseudônimo de Jean-Emmanuel Conil
Fotografia Jean-Jacques Tarbès
Música Michel Legrand
Montagem Paul Cayatte
Produção Société Nouvelle de Cinématographie (SNC), Tritone Cinematografica. DVD Versátil, Coleção Folha.
Cor, 120 min.
***
Romy era divina mesmo. Faz uma falta danada!
Cresci ouvindo minha mãe falar de Alain Delon, sobre sua beleza ou galanice.
O cara foi galã, não tem como negar, mas tinha o mesmo tipo de beleza do Marlon Brando, que teve uma fase linda mas fugaz, e envelheceu mal. Ambos embarangaram rapidamente. É o tipo de beleza que só dura enquanto fresca, e se esvai com o tempo, em vez de amadurecer.
Sobre a questão Paul Newman x Alain Delon, acho que Delon é que é uma espécie de Paul Newman francês, até porque Paul veio antes, e foi belo a vida toda, um fato raro para o resto dos mortais; só não envelheceu melhor por causa do cigarro. Para mim Paul foi o ator mais bonito a pisar a face da Terra, e olha que não é o meu preferido, mas o homem era gato demais e não saía feio em nenhuma foto ou take. O mais belo dos belos, sem dúvida. Galãs sempre vão existir, mas outro Paul Newman jamais.
Voltando a Alain Delon, acho lindo que ele se dedique à causa animal. Ele tem um lugar no meu coração por isso. <3
Obviamente que ainda não vi o filme, senão não estaria aqui conversando brioches, mas que história de vida tristíssima a de Romy Schneider, hein?!
Ver Alain Delon pessoalmente no Av Copacabana, quando lançamento filme no Rio, foi um êxtase!!! E Romy num jantar em Paris, mais ainda!!!