Rua da Redenção / Ustanicka ulica

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3.0 out of 5.0 stars

Belo, denso, pesadíssimo filme sobre as sequelas deixadas pela sangrenta guerra civil na ex-Iugoslávia nos anos 90. Muito bem realizado em todos os quesitos técnicos, não parece de forma alguma obra de um estreante – e no entanto foi o primeiro filme dirigido pelo sérvio Miroslav Terzic, nascido em Belgrado em 1969, quando a cidade ainda era a capital da Iugoslávia do marechal Tito.

A ação se passa na Belgrado de hoje (o filme foi lançado em 2012), capital da Sérvia, uma das várias repúblicas formadas após o fim do regime comunista e a pavorosa guerra que se seguiu a ele.

A situação dos Bálcãs nos anos 90, os conflitos na região, o terror instalado nas lutas por motivos políticos e étnicos, tudo é extremamente complexo. A trama do filme é também bastante complexa, confusa, intrincada. Não é, de forma alguma, um filme fácil, nem para todos os públicos.

Mas vale a pena. É cinema de grande qualidade. E permite que o espectador conheça um pouco daquela realidade.

A idéia original da história é do ator que faz o protagonista

De acordo com os créditos finais – apresentados paralelamente em sérvio e em inglês –, a idéia básica que deu origem ao filme é de Gordan Kicic. Três pessoas trabalharam para desenvolver o roteiro a partir da idéia original: Djordje Milosavljevic, Nikola Pejakovic e Filip Svarm.

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Fascinante: o autor da idéia original que resultou na bela trama e no belo filme é exatamente o ator que interpreta – muitíssimo bem – o protagonista, Dusan Ilic (na foto acima), um assistente da promotoria do Tribunal Especial para Crimes de Guerra da Sérvia atual.

Dusan Ilic está trabalhando no tribunal há mais de um ano, e ainda não foi encarregado, até o momento em que a ação se inicia, de nenhum caso importante, de nenhuma investigação. Pelo que o filme irá mostrando, ninguém tem muita confiança nele, não o leva muito a sério, não o respeita como um bom profissional. Nem mesmo sua mulher, Irena (Jelena Djokic).

O pai de Dusan, agora aposentado, velho, doente da próstata, havia sido um professor de Direito com belo histórico como profissional íntegro, honrado. O superior de Dusan, o promotor-chefe (não consegui identificar o nome do ator que o representa), diz ter pelo pai dele grande respeito.

Bem no início da narrativa, o promotor-chefe chama Dusan a seu grande gabinete, faz elogios a seu pai, e entrega a ele um grosso dossiê; pede que o examine bem, que reconsidere tudo o que está ali. O caso é tão importante que Dusan poderá ocupar um apartamento para trabalhar no dossiê – e, ao mesmo tempo, ele ganhará um carro. Mas não poderá comentar o caso com ninguém, absolutamente ninguém.

Em muitos momentos Rua da Redenção lembra os filmes de Costa-Gavras

Posso estar muito enganado, mas o personagem de Dusan Ilic faz lembrar bastante o juiz de instrução interpretado por Jean-Louis Trintignant em Z, o maravilhoso filme de Costa-Gavras de 1969 sobre a ditadura dos coronéis na sua Grécia natal. É uma figura tida como menor, apagada, e exatamente por isso é escolhido para atuar como juiz no caso do assassinato de um proeminente político de esquerda, interpretado por Yves Montand.

zzredenção4Pois, durante o processo, que era para ser levado como queriam os ditadores gregos, o juiz surpreende, e vai fundo na investigação.

Qualquer semelhança com Joaquim Barbosa não será mera coincidência.

O mundo é muito pequeno, o mundo é uma esfiha de carne, o mundo é uma salada russa, e então não é nada improvável que o jovem diretor sérvio Miroslav Terzic tenha visto e revisto filmes do grande Costa-Gavras, como Z e também Sessão Especial de Justiça.

Este Rua da Redenção em muitos momentos lembra os grandes filmes políticos de Costa-Gavras.

O roteiro não facilita a compreensão da situação política complexa

Os roteiristas não facilitam muito a compreensão da situação absolutamente complexa. Talvez, para um espectador sérvio de bom conhecimento histórico, este Ustanicka ulica não seja assim tão complexo. Não sei, não tenho a menor idéia. Posso dizer é que, para um espectador brasileiro, não é propriamente fácil apreender o que se passa.

Por exemplo: não se tenta deixar claro, em hora alguma, por que o pai do protagonista Dusan e ele próprio não se gostam, não se entendem. Mostra-se que eles, pessoas que estão no mesmo campo profissional, o Direito, não se bicam – mas não se procura explicar os motivos. Sequer se procura mostrar por que a bela Irena não acredita na capacidade profissional do marido.

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Mostra-se que Irena não está nada confortável por viver no mesmo apartamento com o sogro doente e chato, enquanto o marido passa a viver a maior parte do tempo no apartamento muito maior alugado pelo procurador-chefe para que Dusan trabalhe.

Mas, sobretudo, o filme não mostra por que o pai de Dusan não confia absolutamente nada no procurador-chefe, que faz elogios a ele, e a quem ele conhece há 30 anos.

O procurador-chefe na verdade não quer uma investigação séria

Quando a narrativa está aí pelos 30 minutos, o espectador começa a perceber que, na verdade, o procurador-chefe não quer que aquele caso seja de fato escarafunchado até o fim. Que o caso foi entregue a Dusan porque a) o procurador vinha recebendo pressões de cima para que o caso fosse investigado a fundo; e b) porque, ao entregar o caso a Dusan, ele ao mesmo tempo fingia que obedecia às ordens superiores de reexaminar o caso e tinha a certeza de que, como Dusan era um incompetente, nada seria de fato escarafunchado até o fim.

Algo mais ou menos assim como botar nas mãos de um Dias Toffoli ou um Lewandowski a tarefa de investigar um crime de um petista, o partido ao qual eles serviram sempre.

Mas Dusan, ao contrário do que o procurador-chefe entendia, não é um idiota, nem um preguiçoso, nem um incompetente.

Ele vai em frente na investigação – em frente e a fundo.

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O caso que se investiga é de um senhor de guerra sérvio que havia cometido os mais cruéis crimes de guerra. Todos os seus lugares-tenentes haviam desaparecido após o final das guerras nos Bálcãs. Na verdade, haviam sido todos mortos pelos novos capatazes do senhor de guerra. Todos – menos um. Este último, o único que poderia depor em um tribunal e levar o criminoso a uma condenação, tentava viver uma vida normal, escondido com um falso nome, uma nova profissão. Estava casado com uma mulher a quem amava profundamente, Jadranka (Milica Mihajlovic).

O destino, o mero acaso faz com que o assistente da promotoria que tem as mãos e a consciência limpas (embora todos o acreditem um fraco, um incompetente) cruze seus caminhos da vida com o sujeito que foi, durante a guerra civil, um assassino cruel – embora no momento atual deseje tudo menos a lembrança do que havia sido.

É um belo filme. Merece ser visto.

Anotação em junho de 2014

Rua da Redenção/Ustanicka ulica

De Miroslav Terzic, Sérvia-Eslovênia, 2012.

Com Gordan Kicic (Dusan Ilic), Uliks Fehmiu (Sredoje Govorusa), Rade Serbedzija (Glavni Tuzilac), Jelena Djokic (Irena), Milica Mihajlovic (Jadranka), Petar Bozovic ( Grbavi), Predrag Ejdus (Otac), Bojan Zirovic (Buca), Aleksandar Djurica (Strmi)

Roteiro Djordje Milosavljevic, Nikola Pejakovic e Filip Svarm

Baseado em idéia de Gordan Kicic

Fotografia Miladin Colakovic

Montagem Dejan Urosevic

Produção FilmKombajn, Pakt Media.

Cor, 97 min

***

6 Comentários para “Rua da Redenção / Ustanicka ulica”

  1. Achei muito interessante a sua análise e gostaria muito de assistir ao filme, contudo não o encontrei na minha locadora. Achei no YouTube, mas sem legenda. Enfim, como posso descobrir se “Rua da Redenção” é uma versão “servio-eslovênia” do nosso Mensalão? Abraços.

  2. Olá, Maria Teresa.
    O filme está (ou pelo menos esteve) na programação do Max Prime. Foi de onde eu gravei e vi.
    Mas creio que você acabará encontrando uma versão com legendas na
    internet… Espero que encontre!
    Um abraço.
    Sérgio

  3. Lamentável o comentário do filme ao associar o personagem aos ministros Toffolli e Lewandowski, um dos maiores juízes deste país. Acredito que você deve ser fã do PSDB. Lamentável sob todos os aspectos. O seu comentário é um nojo.

  4. Joaquim Barbosa? Francamente… Meu caro, você
    não poderia ter sido mais infeliz no seu comentário. Costa-Gavras anteviu a “saga” do Joaquim Barbosa na “ditadura” petista? Isso é que é distorcer as coisas, hein? Só rindo.

  5. Onde consigo este filme? Há muito tempo consigo ver partes do filme somente, Queria passar este filme em sala de aula para meus alunos.

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