Diferenças & Semelhanças / The Pretty One

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1.5 out of 5.0 stars

The Pretty One, no Brasil Diferenças & Semelhanças, é o primeiro longa-metragem de uma jovem que parece promissora, Jenée LaMarque. Nascida na Califórnia em 1980, ela – também autora do argumento e do roteiro – estava portanto com apenas 34 anos quando o filme foi lançado.

Sua única experiência anterior na direção havia sido no curta Spoonful, de 2012, do qual foi também autora da história e do roteiro.

A moça demonstra talento: The Pretty One tem coisas boas, interessanteas. E parece ter sido bem recebido pela crítica americana. Eu, pessoalmente, no entanto, achei muito estranha a mistura de comédia com tragédia da história. Não me pareceu que o filme tenha um equilíbrio acertado entre os elementos tão díspares. Mas pode ser um problema específico meu. Mary, por exemplo, não sentiu isso, e gostou do filme.

         Duas gêmeas idênticas fisicamente e opostas no jeito de ser

São duas jovens gêmeas idênticas, absolutamente idênticas fisicamente, Audrey e Laurel – e, claro, opostas em todo o resto –, interpretadas, as duas, por uma única atriz, Zoe Kazan.

zzzoe4A mãe havia morrido quando ainda eram pequenas, e foram criadas pelo pai, Frank (John Carroll Lynch), num sítio próximo a uma cidadezinha minúscula de um interior qualquer (não se faz referência ao lugar, uma indicação de que poderia ser qualquer cidadezinha minúscula do interiorzão dos Estados Unidos). Frank é assim uma espécie de artista hippie após o tempo dos hippies: vive de criar e vender réplicas propositalmente imperfeitas de quadros dos mais famosos pintores da história. É um sujeito um tanto desligado das coisas mundanas, do dia a dia; quando a ação começa, faz tempo que está morando com uma namorada, May (Shae D’Iyn), e com Laurel.

Laurel jamais saiu da casa paterna, jamais comprou um único vestido (usa os que eram da mãe), parece jamais ter cortado os cabelos, que chegam quase até a cintura. É extremamente tímida, pouco articulada, parece ter medo do mundo. Adora o pai, faz tudo para ele, todo o serviço doméstico – e aprendeu com ele a arte de fazer réplicas de pinturas.

Audrey, ao contrário, é uma moça solta, atirada, independente. Saiu de casa faz tempo, mudou-se para a cidade grande (o filme não diz explicitamente qual é, mas é Los Angeles), trabalha como corretora de imóveis, tem sua própria casa – e subloca parte dela para um rapaz de quem não gosta, Basel (Jake Johnson). Tem todos os cuidados possíveis com a aparência, usa as roupas da moda.

Desde muito cedo Audrey foi a estrela, entre as duas gêmeas; Laurel sempre foi a figurinha apagada.

Audrey é the pretty one, como diz o título original. A bela da história.

As duas, a tímida e a atirada, se adoram. Várias vezes Laurel dirá que Audrey era a única pessoa que de fato gosta dela, a respeita, a admira.

Laurel, a tímida, resolve perder a virgindade com um garoto menor de idade

Logo na abertura da narrativa, Laurel está perdendo a virgindade. Como dirá depois, cansou-se de esperar por um príncipe encantado que sabia que não viria, e então escolheu para o ato um garoto menor de idade, de quem ela havia sido baby-sitter alguns anos antes.

zzzoe6A sequência é engraçada, gostosa: vemos um close-up do rosto de Zoe Kazan – ela tem um rosto de uma beleza estranha, pouquíssimo usual. Muita gente, talvez a maior parte das pessoas, talvez dissesse que Zoe Kazan sequer é bela. Tem imensos olhos de um azul claro impressionante, um nariz um tanto descomunal, um rosto de bebê mais baby face que o de Paul McCartney aos 20 anos de idade. É um rosto extremamente simpático, de uma expressividade fantástica.

O garotão Hunter (Sterling Beaumon) é cuidadoso. Dá início ao processo, mas tem o cuidado de perguntar a Laurel se está tudo bem. Ela, embaixo dele, sem expressar o mínimo de prazer ou sequer curiosidade, apenas determinação, manda que ele prossiga.

A estrela da família reaparece na casa paterna para a comemoração do aniversário dela e da irmã. O reencontro das duas após algum tempo sem se verem é comemorado como se as duas tivessem 11 anos de idade: saltitam felizes, beijam-se, abraçam-se, dão gritinhos.

O filme toma o cuidado de não precisar a idade das duas jovens. Pode ser algo entre 21 e 29. Pela baby face da atriz que interpreta as gêmeas, poderia ser até 20 – embora Zoe Kazan já tivesse 30 em 2013, o ano em que o filme foi produzido. Pela quilometragem demonstrada pela personagem de Laurel, as duas deveriam estar fazendo no mínimo uns 25, talvez um pouco mais. Mas a idade exata de fato não importa tanto.

Um banho de loja e um cabeleireiro deixam as duas gêmeas idênticas   

O fato é que, após uma grande confusão na festa de aniversário – provocada pela descoberta pela mãe de Hunter de que a ex-baby-sitter tinha dado para o garoto menor de idade –, Audrey decide que vai levar Laurel para morar com ela na cidade grande, para que ela se torne enfim uma pessoa independente, e pare de ser a empregada, a faz-tudo para o pai viúvo pouco afeito às tarefas cotidianas.

zzzoe2Antes de partirem para a cidade grande, vão de carro até a cidadezinha mais próxima do sítio do pai. Audrey compra roupas para Laurel, e bota Laurel sentada diante de uma cabeleireira. A profissional pergunta que tipo de corte ela deseja, e Laurel, feito uma criança, aponta para a irmã.

Com o cabelo agora cortado igualzinho ao de Audrey, Laurel está absolutamente idêntica à irmã que admira.

Entram no carro para voltar para o sítio; Laurel está dirigindo.

No caminho, no entanto, as duas repetem uma brincadeirinha de que Laurel gosta muito: parar o carro e trocar de lugar, carona no lugar da motorista, motorista no lugar da carona.

Estamos aí com exatos 13 minutos de filme. Acontece algo absolutamente inesperado, surpreendente.

Todas as sinopses do filme, até mesmo a da capinha do DVD, contam o que acontece aí. Na verdade, o que acontece é a base de toda a trama. Mas eu estou cada vez mais cuidadoso com essa coisa de spoiler, de entrega revelação/estraga prazer, e então dou o aviso:

Atenção: spoiler, spoiler, spoiler, spoiler, spoiler, spoiler

O eventual leitor que não tiver ainda visto o filme, e que talvez queira vê-lo, não deveria ler a partir daqui.

Quando estamos com exatos 13 minutos de filme, o carro das gêmeas bate de frente contra um pequeno caminhão.

A diretora Jenée LaMarque e a montadora Kiran Pallegadda dão aí um longo, bem longo fade out: a tela fica totalmente negra por alguns segundos.

zzzoe5Uma das irmãs está no hospital, saindo do período de inconsciência pós-trauma. Ao lado dela estão o pai e a namorada dele. O pai conta para a filha que Audrey morreu.

Claro: quem dirigia o carro havia morrido com a batida frente a frente. Laurel tinha cabelos imensos, quase até a cintura – e a sobrevivente tem cabelos curtos, como os Audrey. As pessoas da cidadezinha tinham visto Audrey sair dirigindo o carro – não poderiam saber que as duas haviam trocado de posição momentos antes da batida fatal.

Então a conclusão de todos era de que Laurel, a apagada, a sem brilho, a bobinha, havia morrido. Audrey, a bela, a esperta, a descolada, the pretty one, havia morrido.

Atordoada, chocada, Laurel, a que de fato havia sobrevivido, resolve assumir o papel de Audrey.

Me parece um absurdo fazer comédia em cima de tanta tragédia

Todo o filme se constrói a partir daí: Laurel, a tímida, a fechada, a inocente, assumindo o papel de Audrey, the pretty one, a descolada, a safa.

Li (claro que depois de ver o filme) algumas críticas em sites sobre os filmes independentes americanos que elogiam bastante o filme.

Há coisas boas, sim.

A melhor delas, sem dúvida alguma, é Zoe Kazan.

Zoe é filha de Nicholas Kazan, neta do grande, imenso, maravilhoso Elia Kazan. É, portanto, da terceira geração. Não é filha da realeza de Hollywood, como outro dia Michael Douglas definiu a si mesmo e a Jane Fonda. Zoe é neta. É a terceira geração.

Zoe está ótima no filme. Ela faz com talento os papéis da irmã aparentemente sem brilho e da irmã que brilha. E depois ainda faz, muito bem, o papel da irmã aparentemente sem brilho que faz as vezes da irmã que brilha.

zzzoe3Muito do que Laurel viverá personificando (ou tentando personificar) Audrey é interessante, e é bem mostrado.

Acho que de fato o problema do filme não é do filme – é meu.

Não consegui gostar de um filme que quer ser comédia dramática tratando de tanta tragédia.

Drama é uma coisa. Tragédia é outra. A gente pode fazer drama por qualquer pequena coisa, qualquer pequetito percalço. Não passo no vestibular, faço disso um puta drama; sou demitido do emprego, faço disso o maior drama da história.

Perder uma irmã num acidente de trânsito não é um drama – é uma tragédia incomensurável. Verificar que todo mundo em sua volta considera você um zero à esquerda, que não vale nada, não é drama – é uma tragédia absurda.

Transformar uma série de tragédias absolutas em um filminho que beira a comicidade quase o tempo todo – isso simplesmente não passa pelo meu estômago.

Mas – insisto – o problema pode ser todo e exclusivamente meu. Sou um sujeito caipira, primitivo. Detesto todos os pratos que se dizem à Califórnia: não consigo gostar de nada que misture comida de sal com frutas.

Vai ver que é isso. Não consegui, não fui capaz de engolir a saidinha perfeita de happy ending – para a qual o filme se encaminha inexoravelmente desde a metade – para uma história em que a protagonista perde em acidente a irmã que adora.

A moça Jenée LaMarque demonstra ter talento. Provavelmente, se optar por contar histórias melhores, será uma boa realizadora.

Anotação em julho de 2014

Diferenças & Semelhanças/The Pretty One

De Jenée LaMarque, EUA, 2014

Com Zoe Kazan (Laurel, Audrey)

e Jake Johnson (Basel), John Carroll Lynch (Frank, o pai), Shae D’Iyn (May, a namorada do pai), Frankie Shaw (Claudia), Ron Livingston (Charles), Sterling Beaumon (Hunter),

Argumento e roteiro Jenée LaMarque

Fotografia Polly Morgan

Música Julian Wass

Montagem Kiran Pallegadda

Produção Provenance Pictures, Schorr Pictures. DVD Sony Pictures.

Cor, 95 min

*1/2

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