Consta que Orson Welles viu The Lady Vanishes (no Brasil A Dama Oculta) 11 vezes. E que o escritor James Thurber, autor do conto “The Secret Life of Walter Mitty”, viu mais de 20 vezes.
François Truffaut disse sobre o filme de Alfred Hitchcock, que na França se chamou Une Femme Disparait: “Volta e meia o filme passa em Paris e me acontece ir vê-lo duas vezes na mesma semana, e toda vez penso: como o conheço de cor, não vou acompanhar a história, vou olhar para o trem… ver se o trem se mexe… ver como são as retroprojeções… se há movimentos de máquina dentro dos compartimentos, e toda vez fico tão cativado pelos personagens e pela trama que continuo sem saber como o filme foi fabricado”.
Quando o filme foi lançado, em 1938, o New York Herald Tribune publicou uma crítica, assinada por Howard Barnes, que dizia: “Mesmo em um meio tão sintético quanto a tela, é possível reconhecer o trabalho de um mestre. The Lady Vanishes é um produto da imaginação e da arte tão individual quanto um quadro de Cézanne ou uma peça de Stravinsky”.
A Dama Oculta é uma absoluta delícia, e revê-lo é sempre um renovado prazer, como foi agora para mim. E, no entanto, se formos analisar a história assim apenas do ponto de vista racional, lógico, veremos que, a rigor, a rigor, a trama não se sustenta muito.
“A plausibilidade de um filme é a menor preocupação de Hitchcock, e ele é o primeiro a admitir isso. Como tantos outros de seus filmes, The Lady Vanishes parte de uma premissa improvável”, escrevem Robert A. Harris e Michael S. Lasky no livro The Films of Alfred Hitchcock. E prosseguem: tivesse determinado personagem da história dado um simples telefonema, “ficaríamos sem uma clássica caçada hitchcockiana pela Europa Oriental”.
Os dois autores estão certíssimos. Eu só gostaria de saber como eles – e vários outros que escreveram sobre o filme – conseguiram definir que a ação se passa na Europa Oriental. Porque eu não vi hora nenhuma referência expressa ou mesmo implícita que pudesse indicar o local da ação. Sei que este é apenas um pequeno detalhe, mas voltarei a ele.
E não são só os autores do livro sobre os filmes do mestre que dizem que a trama é implausível. O próprio realizador questiona a verossimilhança da trama, nas entrevistas que deu a François Truffaut e que resultaram no calhamaço de babar Hitchcock Truffaut Entrevistas.
Então tá: racionalmente, logicamente, a trama não se sustenta. Falta verossimilhança, plausibilidade. Um telefonema teria resolvido tudo, e não haveria história.
Hitchcock está aí para provar que, diante do talento de como se conta uma história em imagens em movimento, a verossimilhança, a plausibilidade são dispensáveis.
Foi o penúltimo filme da fase inglesa de Hitchcock
De 1938, como já foi dito, The Lady Vanishes é o penúltimo filme da fase inglesa de Hitch, e também o penúltimo a ser feito antes do início da Segunda Guerra Mundial. Em seguida ele faria A Estalagem Maldita/Jamaica Inn, de 1939 – e aí se mudaria para Hollywood. Foi durante as filmagens de The Lady Vanishes que ele recebeu um telegrama do todo-poderoso produtor David O. Selznick convidando-o para se mudar para a América. O próprio Hitch contou a Truffaut: “Enquanto eu filmava A Dama Oculta, recebi um telegrama de Selzinick pedindo que eu fosse a Hollywood fazer um filme inspirado no naufrágio do Titanic. Fui aos Estados Unidos pela primeira vez ao terminar a filmagem de A Dama Oculta, e fiquei lá dez dias. Era agosto de 1938. Aceitei essa proposta de filme sobre o Titanic, mas, como meu contrato com Selznick só devia começar em abril de 1939, tinha a possibilidade de fazer um último filme inglês, A Estalagem Maldita.”
Sabe-se que o projeto de um filme sobre o Titanic produzido por Selznick e dirigido por Hitch jamais virou realidade. Em 1940 foi lançado o primeiro filme resultado do contrato dos dois, o primeiro da fase americana do cineasta, Rebecca, a Mulher Inesquecível. Haveria um filme de Hitchcock inteiramente passado no mar, um de seus filmes mais simbólicos, mais políticos, Um Barco e Nove Destinos/Lifeboat, lançado em 1943, no auge da Segunda Guerra Mundial – mas nada a ver com o Titanic.
Todo o filme foi feito num estúdio com menos de 30 metros quadrados
A qualidade de um filme não deve ser medida por coisas como o orçamento de que o realizador dispunha, as facilidades ou as dificuldades que houve durante a realização. O que importa, o que deve ser julgado – ou simplesmente apreciado – é o resultado final.
Mas não dá para quem gosta de bons filmes deixar de babar ainda mais com A Dama Oculta quando se sabe que o orçamento era baixíssimo, e o estúdio em que tudo aquilo foi feito tinha menos de 30 metros!
Meu, 30 metros é um espaço absolutamente ridículo. As salas dos big-shots de Hollywood, a sala de David O. Selznik seguramente era maior que o estúdio em que Hitch fez a maior parte de A Dama Oculta. “Foi filmado em 1938 no pequeno estúdio de Islington, num palco de vinte e oito metros, onde havia um vagão, e o resto ficava por conta das retroprojeções ou das maquetes. Tecnicamente, era um filme muito interessante de ser feito”, contou Hitch para seu fã apaixonado François Truffaut.
Retroprojeções, maquetes. Hitch sempre usou esses recursos um tanto primitivos, um tanto básicos. Todo mundo usou, mas acho que dá para dizer que nenhum outro realizador abusou tanto das retroprojeções e das maquetes quanto esse inglês doido de pedra. Basta lembrar das sequências antológicas, maravilhosas, mesmerizantes de Um Corpo Que Cai/Vertigo, o carro do protagonista, o ex-policial interpretado por James Stewart, rodando devagar pelas ruas de San Francisco – James Stewart solidamente sentado em um carro no estúdio, e as ruas de San Francisco que aparecem atrás dele sendo meras projeções de filmes previamente feitos. Ou a mesma coisa, exatamente a mesma coisa, nas longas sequências de Psicose em que Janet Leigh dirige o carro da funcionária da imobiliária Marion Crane pelas estradas do Arizona – Janet Leigh no estúdio, e as imagens em fantástico P&B das estradas do Arizona sendo retroprojetadas. Ou ainda exatamente a mesma coisa quando Tippi Hedren cavalga loucamente quando a ação de Marnie vai se aproximando do fim, e o espectador vê Marnie cavalgar no campo aberto – Tippi Hedren está no estúdio, e o que se vê atrás dela, o campo onde se realiza a caça, são imagens retroprojetadas.
Começa com um belo e longo travelling de uma paisagem de miniaturas
Não tenho grande interesse em saber as coisas técnicas, os detalhes de como são criados os efeitos especiais, essa coisa toda. Na verdade, não tenho interesse algum pelos aspectos mais absolutamente técnicos dos filmes; não é minha praia. Especialmente agora, nas últimas décadas, com as CGI, as computer generated images.
Mas babo ao ver como Hitchcock usa retroprojeções e maquetes.
Hitch adora travellings, adora planos-sequência, essas duas coisas que fazem o absoluto prazer de quem gosta de ver filmes. The Lady Vanishes abre com um grande travelling, quase um plano-sequência – de miniaturas!
Os mais jovens, os muito jovens, esses seguramente poderão rir com o travelling com que Hitch abre seu filme de 1938. Para quem se acostumou a ver imagens feitas por computador, de fato é grotesco: é visível que aquilo é tosco, artificial. Mas é tudo fascinante: os créditos iniciais rolam enquanto vemos lá atrás uma paisagem gelada. Terminam os créditos iniciais (que naquela época eram rapidíssimos), e a câmara mostra, bem do alto, uma estação ferroviária tomada pela neve. E aí temos um zoom, a câmara se aproxima das edificações da cidade em que está a estação – e é tudo miniatura, moçadinha boa! E aí há uma fusão, a imagem anterior some, fixa-se a nova, e estamos agora numa tomada de interior, o lobby de um hotel, o maior (ou seria o único?) hotel do lugar.
O gerente do hotel, que atende pelo nome russo de Bóris, mas gesticula como um italiano, informa, em italiano, em francês e depois em inglês, que o trem daquele dia não vai partir, devido às nevascas, às avalanches. E pede então que quem queira dormir no hotel se registre, ou ficará sem quarto.
Os 20 primeiros minutos de A Dama Oculta não têm suspense, mistério, espionagem, nada disso. São comédia pura e simples. O livro The Films of Alfred Hitchcock chega a comprar esse início do filme com The Trouble With Harry, no Brasil O Terceiro Tiro, um dos poucos filmes de Hitch que é apenas e puramente comédia.
No início do filme, mocinho e mocinha se odeiam à primeira vista. Sinal de que…
Neste início de filme, somos apresentados aos personagens da história. Diversos personagens, figuras interessantes, curiosas, peculiares.
Há os dois cavalheiros tipicamente ingleses, Caldicott (Naunton Wayne) e Charters (Basil Radford, na foto acima), amigos que viajam juntos e estão preocupadíssimos em voltar o mais rapidamente possível para a Inglaterra, para assistir a um importante jogo de críquete. Não têm reservas no hotel, e o gerente Bóris só poderá oferecer para eles o quarto de uma empregada, Anna – com o detalhe de que Anna, uma loura grande, carnuda, terá que usar o quarto para trocar de roupa. O detalhe deixa os cavalheiros profundamente incomodados.
Detalhe importante: Bóris fala com Anna em alemão. Aliás, os moradores do local falam em alemão.
Há o casal inglês que faz de tudo para não ser visto, para passar despercebido, o sr. e a sra. Todhunter (Cecil Parker e Linden Travers). Veremos que são um casal de adúlteros – os dois são casados, não entre si, mas com outros cônjuges. Ela crê que ele vai se divorciar da mulher; ele demonstrará que não fará esforço algum para isso, alegando que a esposa não concordará em conceder o divórcio.
Há a jovem milionária americana, Iris Henderson (Margaret Lockwood, na foto acima), herdeira de uma fortuna amealhada pelo pai com uma indústria da área de alimentos. O pai faz o maior gosto com o casamento que ela tem marcado com um nobre inglês, Charles. Já a própria Iris demonstrará que seu interesse pelo noivo não é lá grandes coisas, como se dizia em Minas. Iris está acompanhada por duas amigas, e o gerente Bóris faz todas as vontades delas.
Os dois cavalheiros ingleses reparam nesse fato, que um deles define como sendo resultado do “almighty dollar”, o dólar todo-poderoso. (Dezenas e dezenas de filmes e livros mostram histórias de milionários americanos em viagem pelo Velho Mundo nas primeiras décadas do século XX, gastando fortunas do almighty dollar.)
Há aquela senhorinha inglesa idosa, simpática, afetuosa, total gracinha, Miss Froy (Dame May Whitty), que conta ter vivido naquele país (cujo nome jamais é dito) durante seis anos, como preceptora e professora de música de um garoto rico. Ele cresceu, e ela agora está iniciando a viagem de volta para a Inglaterra.
E há Gilbert, o musicólogo (Michael Redgrave, na foto abaixo), que está no país recolhendo canções tradicionais e registrando os passos das danças folclóricas.
Na noite do primeiro dia mostrado no filme, após o jantar – enquanto os dois cavalheiros ingleses estão apertados na cama da empregada carnuda, Miss Froy, da janela de seu quarto no hotel, ouve uma canção tocada por um flautista na rua, e a jovem Iris tenta dormir –, no andar de cima Gilbert presta atenção aos movimentos de três pessoas do lugar que executam passos da dança folclórica e faz anotações para um livro que está escrevendo.
Iris e Miss Froy ficam se conhecendo naquele momento, por causa do sujeito maluco que faz três pessoas dançarem no andar de cima, o teto do quarto delas tremendo, balançado.
Iris usa seu poder de persuasão para fazer o gerente Bóris expulsar do quarto do andar de cima o hóspede barulhento. Enxotado de seu quarto, Gilbert invade o da milionária americana e ameaça dormir ali mesmo. É ódio à primeira vista.
Mocinha e mocinho que se odeiam à primeira vista no início da trama. Poule de dez que no final ficarão juntos.
Não dá para exigir realismo, verossimilhança, da trama. Mas ela ataca os totalitarimos
No dia seguinte, todos esses personagens estarão no trem que partirá em direção a um país neutro, de onde os ingleses embarcarão em direção ao Canal da Mancha.
O país neutro no centro da Europa, parece óbvio que é a Suíça. Qualquer pessoa imaginaria isso.
Mas por que raios os alfarrábios dizem que a cidadezinha do início da narrativa fica nos Bálcãs? Com base em que eles afirmam isso?
Nos Bálcãs não se fala alemão.
Essa coisa da localização geográfica me parece importante. Tudo bem, os roteiristas e Hitch preferiram não dizer o nome de país algum da Europa continental, preferiram deixar em aberto. Mas era 1938, e sabia-se muito bem que estava para começar um conflito imenso. O nazismo de Hitler aproximava-se do fascismo de Mussolini. Estava para estourar um conflito a qualquer momento, e é desse clima de pré-guerra, que era o clima em 1938, que o filme trata. Afinal, a base de toda a história, de toda a trama – a tal base que é inverossímil, implausível – se refere a um segredo de Estado, um tratado de não-agressão entre duas nações, um tratado secreto, que precisa de qualquer maneira ser informado ao Foreign Office, o Ministério de Relações Exteriores da Grã-Bretanha.
(De quando é mesmo o tratado de não-agressão Stálin-Hitler? Ah, 23 de agosto de 1939.)
O que eu acho é o seguinte: quem quiser examinar a trama de The Lady Vanishes de uma forma apenas e tão somente realística, racional, vai dar com os burros n’água.
É apenas e tão somente um filme estupidamente bem feito, com personagens fascinantes interpretados por bons atores, que foge de qualquer razão, de verossimilhança, de contato com a realidade, como o diabo foge do cruz e o vampiro do alho.
Mas o fato é que, mesmo sem dar o nome aos bois, mesmo sem dizer explicitamente as palavras todas, The Lady Vanishes toma claramente partido: entre governos tirânicos, ditatoriais, que querem guerra (ele se referia, obviamente, à Alemanha hitlerista e à Itália mussolinista), e os governos democráticos, não há qualquer dúvida possível.
Quase todos negam a existência da dama – mas o espectador sabe que ela existe
The Lady Vanishes aos exatos 32 minutos de filme.
Quando estamos com 32 minutos de filme, Iris abre os olhos, após uma soneca num compartimento do trem, e a simpática Miss Froy não está mais diante dela. A dama havia desaparecido.
Hitch tem uma pecualiridade: ele é o oposto de outro ser velhinho inglês tão louco, desnaturado, necrófilo quanto ele, Agatha Christie.
Ambos adoram crimes, têm paixão absoluta por cadáveres, corpses. Mas a velhinha louca tem a mania de esconder dos leitores os fatos básicos, principais. De repente, quando estamos no finalzinho do livro, aí então ela solta os elementos fundamentais que indicam quem afinal de contas era o criminoso. Elementos que ela nos escondeu ao longo de toda a narrativa.
Hitch, bem ao contrário, mostra as pistas para o espectador.
Antes que a dama desaparecesse, o filme já havia mostrado a velhinha ouvindo a canção que o sujeito cantava e tocava na rua.
Já havia mostrado que um tijolo foi lançado em direção à gracinha da Miss Froy, mas, como elas se moveram, acabou atingindo a milionária Iris.
O espectador está cansado de saber que Miss Froy existe.
Por isso, quando, aos exatos 32 minutos de filme, a dama some, desaparece, vanishes, e todo mundo no trem começa a dizer que nunca viu aquela senhora, o espectador sabe perfeitamente bem que é mentira. Sabe tão bem quanto Iris que aquelas pessoas estão mentindo.
Até mesmo Gilbert duvida da existência de Miss Froy, e até chega a acreditar na teoria do médico de aparência sinistra, Dr. Hartz (Paul Lukas), de que Iris inventou a existência da velha senhora devido à pancada que recebeu na cabeça.
Mas o espectador sabe que Miss Froy existe, e desapareceu, e portanto há algo muito errado naquele trem.
Essa é a essência do suspense – e da graça – da narrativa deste filme delicioso.
Um formidável trio de atores nos papéis principais
Uma palavrinha sobre os principais atores. Michael Redgrave (1908-1985) formou, com John Gielgud, Ralph Richardson e Laurence Olivier, o quarteto de atores britânicos mais respeitados de sua geração. Ele mesmo filho de um ator da época do cinema mudo, Roy Redgrave, Michael deu origem a uma nobre dinastia: ele e sua mulher Rachel Kempson são os pais de Vanessa Redgrave, Corin Redgrave e Lynn Redgrave e avós Natasha Richardson, Joely Richardson and Jemma Redgrave.
A bela Margaret Lockwood (1916-1990) começou a carreira no teatro com 12 anos de idade, numa encenação de Sonhos de uma Noite de Verão, de Shakespeare. Permaneceu ativa no cinema e na TV entre 1934 e 1976, mas o auge de sua popularidade na Inglaterra veio nos anos 40, quando fez vários filmes de imenso sucesso nas bilheterias, entre eles Galante Rendição (1944), A Morte Apaixonada (1945) e O Homem de Cinzento (1943) e Malvada (1945).
Dame May Whitty (1865-1948) já tinha 25 anos de experiência e sucesso no teatro quando fez seu primeiro filme, em 1914. Durante a Primeira Guerra Mundial, trabalhou atuando e entretendo as tropas britânicas, tendo, por isso, sido nomeada em 1918 Dame Commander of the British Empire pelo Rei George. Nos anos 30, mudou-se para os Estados Unidos, teve diversos sucessos na Broadway e depois em Holluywood. Foi indicada duas vezes ao Oscar, por A Noite Tudo Encobre/Night Must Fall (1937) e Mrs. Miniver (1942).
Eu não reparei nisso, mas Mary notou que boa parte do filme Plano de Vôo/Flightplan é bastante semelhante à trama deste The Lady Vanishes. No filme de 2005, Jodie Foster interpreta uma mulher que está levando a filha de volta de Berlim para Nova York; no meio do vôo, a garotinha desaparece, e todos no avião dizem que não viram criança alguma.
“Pequenos choques e perversidades de montagem e detalhe”
Leonard Maltin dá a cotação máxima de 4 estrelas ao filme: “O desaparecimento de uma senhora idosa durante uma viagem de trem lança uma jovem mulher perplexa em uma perturbadora rede de intrigas. Deliciosa comédia de mistério; Hitchcock na melhor forma, com um roteiro inteligente de Frank Launder e Sidney Gilliat, e uma maravilhosa contribuição de Naunton Wayne e Basil Radford, que fez tanto sucesso como um par de patetas que repetiram aqueles papéis em vários outros filmes!”
Ao final de sua sinopse, Maltin lembra que houve uma refilmagem em 1979. Pois é, cometeram esse despropósito; Anthony Page dirigiu; nos papéis principais, o casal Elliott Gould e a deslumbrante Cybill Shepherd e Angela Lansbury no papel de Miss Froy.
O Guide des Films de Jean Tulard diz: “Filme de imenso sucesso, o mais célebre do ‘período inglês’ de Hitchcock. Ali passamos de um humor tipicamente britânico a um suspense angustiante. Hitchcock seria a partir daí mestre de sua técnica.”
Fazia muito tempo que não achava um comentário de Pauline Kael sem destruir o filme comentado. Eis o que diz a primeira-dama da crítica americana:
“A história policial de Alfred Hitchcock, sobre uma velhinha espalhafatosa e jovial que toma um trem e nele desaparece, é dirigida com tanta habilidade e rapidez que passou a representar a essência do suspense na tela. Oferece alguns dos melhores exemplos dos toques de Hitchcock – pequenos choques e perversidades de montagem e detalhe.”
De fato, há tantos detalhes deliciosos… A freira que usa salto alto! O garçom que fica intimidado ao levar para o quarto de Iris o jantar e encontrar as moças usando roupas de baixo, coxinhas à mostra… O casal de patetas ingleses que divide o único pijama – um fica sem a calça e o outro sem a blusa… A risadinha safada da camareira Anna…
Hitch é mesmo um velhinho safado. E genial.
Anotação em setembro de 2014
A Dama Oculta/The Lady Vanishes
De Alfred Hitchcock, Inglaterra, 1938
Com Margaret Lockwood (Iris Henderson), Michael Redgrave (Gilbert), Paul Lukas (Dr. Hartz), Dame May Whitty (Miss Froy), Cecil Parker (Mr. Todhunter), Linden Travers (‘Mrs.’ Todhunter), Naunton Wayne (Caldicott), Basil Radford (Charters), Mary Clare (a baronesa), Emile Boreo (Bóris, o gerente do hotel), Googie Withers (Blanche), Sally Stewart (Julie), Philip Leaver (Signor Doppo), Selma Vaz Dias (Signora Doppo), Catherine Lacey (a freira)
Roteiro Alma Reville (não creditada), Sidney Gilliat e Frank Launder
Baseado na novela The Wheel Spins, de Ethel Lina White
Fotografia Jack Cox
Música Louis Levy
Montagem Alfred Roome e R.E. Dearing
Produção Gainsborough Pictures, Gaumont British Picture Corporation of America. DVD Continental.
P&B, 97 min
R, ***1/2
Título na França: Une Femme Disparait. Título em Portugal: Desaparecida!
Comprei o DVD deste filme que não conhecia há alguns anos e fiquei muito contente com a compra. Já o vi várias vezes e gostei. De facto com Hitchcock não se coloca a questão do verossímil; penso que ele diz em conversa com Truffaut que a função do realizador é tornar o inverossímil em verossímil.
Ainda não vi 11 vezes, como Orson Welles. Mas já vi algumas… e a cada vez, o filme fica melhor. Um destes que “crescem” (a exemplo de certos livros) a cada revisão. Delícia! Com certeza. Porém discordo de você quanto a Agatha Christie: ela fazia em geral um “jogo limpo” como se diz. Se o leitor for ler, digamos, “Encontro com a Morte” ou talvez “O Natal de Poirot” com atenção, pode descobrir o culpado – as pistas estão lá, ao longo do texto. Não todo o “quem-como-por-quê” – porém boa parte.