No gênero infanto-juvenil, de filmes que podem ser vistos com prazer por toda a família, este Winter, o Golfinho, no original Dolphin Tale, é uma boa pedida.
Tem o sabor especial de ser inspirado numa história real, acontecida a partir de dezembro de 2005 – seis anos apenas, portanto, antes do lançamento do filme em 2011 –, na costa da Flórida. Produção caprichada, com orçamento folgado, de cerca de US$ 37 milhões, Winter se dá ao luxo de ter, em papéis secundários, Ashley Judd, Harry Connick Jr., Kris Kristofferson e ainda Morgan Freeman.
Grandes atores, grandes figuras, simpáticos, agradáveis de se ver, os astros seguramente são bons avalistas do projeto, e devem ter ajudado nas bilheterias. O filme não foi um blockbuster tipo esses baseados em super-heróis de histórias em quadrinhos, mas rendeu US$ 72 milhões nos Estados Unidos e Canadá e US$ 95 milhões no total, e para 2014, segundo o IMDb, está programado o início da produção de Dolphin Tale 2.
Nada mal para uma história em que não há qualquer tipo de Shazam, Shebam, Pow, Blop, Wiizzz, nenhum tiro, nenhuma perseguição de carros.
É um filme que gostaria de mostrar para Marina quando ela estiver aí com uns 5, 6 anos de idade.
Um tanto estranhamente, ele foi classificado pela Motion Picture Association of America (MPAA) como PG, de parental guidance suggested, os filmes para os quais se sugere o acompanhamento dos pais, por conterem “alguma violência, linguagem, referência a drogas, breve nudez e/ou inferência a atividade sexual”.
No IMDb, um pai escreveu o seguinte comentário: “Não deixe que a classificação PG impeça você de levar os pequenos. Meus dois meninos (de menos de 7 anos) gostaram bem”.
O protagonista da história é um garotinho triste, solitário
Winter, o Golfinho, começa com belíssimas imagens submarinas, povoadas por golfinhos, nadando naquele balé lindo deles. Vamos vendo golfinhos ao longo dos créditos iniciais (é: o filme, contra a atual maré, tem créditos iniciais).
Quando a câmara passa à superfície, vemos um pequeno barco pesqueiro; os tripulantes estão lançado ao mar pequenas jaulas, gaiolas, amarradas a cordas, para aprisionar caranguejos.
Corta, e, numa bela montagem, um jovem está pulando numa piscina olímpica. Um grupo de rapazes está treinando para disputas, e entre eles há uma promessa de recordista.
Assistindo aos treinos estão um rapaz aí de uns 20 anos, Kyle (Austin Stowell), e um garoto de uns 9 ou 10, Sawyer (Nathan Gamble, nas fotos acima e abaixo).
Kyle havia sido um grande nadador nos tempos de ginásio e colégio; alguns dos garotos mais jovens que estão ali treinando o conhecem, sabem sua fama. Kyle está agora alistado no Exército; pretende assim garantir uma boa economia para depois fazer faculdade e tocar a vida.
Sawyer, o garotinho, é primo dele – primo, amigo, fã.
O espectador não sabe ainda, neste início de narrativa, mas Sawyer será o protagonista da história.
Com talento, os roteiristas Karen Janszen e Noam Dromi levam poucas sequências para nos dar um bom retrato de Sawyer. É um garoto solitário, triste. O pai o abandonou e à sua mãe, Lorraine (o papel de Ashley Judd), cinco anos antes, e nunca mais deu qualquer notícia.
Sawyer não tem amigos – a não ser o primo Kyle –, é pouco sociável, fechado em seu mundinho. É (vê-se claramente) inteligente, mexe bem com computador e os gadgets deste admirável mundo novo, sabe consertar o helicóptero de controle remoto que é sua paixão – mas na escola é dispersivo, só consegue notas baixas, para óbvia preocupação da mãe.
O garoto é o primeiro a ajudar o golfinho – e o animal não se esquecerá disso
A narrativa abandona por um instante a história de Sawyer, e vemos um pescador – um amador – numa praia. O pescador de repente avista, à sua esquerda na praia, um bicho grande. Deixa o anzol preso à cadeira de praia e caminha até lá. É um golfinho, que havia se enrolado nas cordas de uma das gaiolas de pegar caranguejo; a gaiola prendia a cauda do belo animal.
O pescador olha em volta, à procura de alguém que tenha um telefone celular. Vê um garoto que passa de bicicleta – Sawyer, é claro –, e grita para ele, pergunta se ele tem um celular. Sawyer deixa a bicicleta, aproxima-se do pescador e do golfinho; entrega o celular para o homem, que disca para a polícia, informa que há um grande animal preso naquele determinado lugar, não sabe para quem pedir ajuda.
Nesse exato momento, um peixe havia fisgado o anzol do pescador, deixado na cadeira, a uns dez, 15 metros dali. O peixe parece ser grande, consegue puxar para o mar a cadeira. O pescador corre para pegar a cadeira e a vara de pescar.
Sozinho ao lado do golfinho, Sawyer puxa do bolso um canivete suíço fantástico, que havia ganhado de presente de despedida do primo Kyle antes de ele ir para a base militar. Corta a corda que está envolvendo a boca do golfinho.
Golfinhos, a gente sabe, são bichos inteligentes. Aquele golfinho não esquecerá que Sawyer foi o primeiro a ajudá-lo.
O garoto está tentando cortar outros pedaços de corda que envolvem o golfinho quando surge uma ambulância para animais marinhos. Para imensa sorte daquele golfinho, ali perto havia um aquário-hospital, pertencente a uma família de amantes da fauna marinha, os Hasketts.
Da ambulância desce uma meia dúzia de pessoas. São obviamente experientes naquilo, e de maneira bem rápida botam o golfinho numa maca, e de lá na ambulância.
Uma família que tem nas veias um tanto de água do mar
Me estendi na narrativa, como sempre faço, mas tudo isso aí acontece nos primeiros 15 minutos do filme que dura 113.
Sawyer fará amizade com os Haskett, a partir da garotinha Hazel (Cozi Zuehlsdorff), pouco mais nova que ele, que estava na equipe de socorro e viu que o garoto estava cortando as cordas que imobilizavam o golfinho.
O pai de Hazel, o dr. Clay (o papel de Harry Connick Jr., esse bom cantor e pianista que às vezes faz filmes) é um biólogo marinho, e administra o aquário-hospital. O dr. Clay, por sua vez, é filho de Reed Haskett, um velho com um tipão hippie, desde sempre um apaixonado pelo mar e pelos bichos do mar. Reed é interpretado por Kris Kristofferson, essa figura lendária da música americana, fina estampa após os 70 anos de idade.
Hazel contará a Sawyer que seu avô costuma dizer que no sangue da família Haskett há água do mar.
Num belo diálogo, a garotinha pergunta a Saywer o que o pai dele faz.
Ele: – “Não sei. Ele foi embora há uns cinco anos. Não sabemos onde ele está. Nunca telefona, nunca escreve.”
Ela: – “Oh.”
Ele: – “E a sua mãe, o que ela faz?”
Ela: – “Ela morreu quando eu tinha sete anos. Nunca telefona, nunca escreve.”
É preciso haver bons filmes para a gente mostrar para os netos
O gigante Morgan Freeman demora bastante a aparecer. Surge depois da metade do filme, no papel do dr. Cameron McCarthy, um especialista em próteses bem-humorado, de bem com a vida.
Quando Morgan Freeman aparece, a tela se ilumina. Ilumina-se ainda mais do que quando a câmara mostra o rosto lindo de Ashley Judd.
É interessante lembrar que Morgan Freeman e Ashley Judd já haviam trabalhado juntos em três filmes: Crimes em Primeiro Grau, Beijos Que Matam e Invasão à Casa Branca. Três thrillers. Na quarta vez em que contracenaram, se uniram no projeto de um filme infanto-juvenil.
Um eventual leitor poderia talvez se perguntar por que um cinéfilo velhinho, passado dos 60 anos, vê um filme infanto-juvenil.
A rigor, não escolhi ver o filme – ele me escolheu. Estava zapeando de madrugada, ainda sem sono, e em um dos canais estava aparecendo o logo da Warner. Epa, um filme começando! Bom pra ver o comecinho até o sono chegar.
E aí não deu para parar de ver. Porque é um bom filme. Porque tenho um site de filmes, de todos os tipos de filmes, e acho que a tag Para Toda a Família deveria ter boas opções. E também porque já começo a me preparar para mostrar filmes para Marina, assim como mostrei para a mãe dela quando ela era bem criancinha.
Não sei se vou chegar lá, mas já começo a me preparar.
“Um filme que honra o epíteto de ‘agradável para a família’”
O golfinho da vida real encontrado no litoral da Flórida em dezembro de 2005, e que foi levado para o Clearwater Marine Aquarium, ganhou o nome de Winter dado pela garotinha que no filme é Hazel.
Para que eu não fique falando sozinho, aí vai o início da crítica do respeitabilíssimo AllMovie, assinada por Alaina O’Connor:
“Dolphin Tale é um filme para a família de aquecer os corações, inspirado na história real de um adorável golfinho bottlenose (em português, parece que é golfinho roaz-corvineiro) chamado Winter, que foi resgatado por um garoto junto da costa da Flórida e levado para o Clearwater Marine Aquarium. Claro, a história de um garoto e seu amigo animal é conhecida – se não datada –, mas funciona razoavelmente bem aqui graças à sinceridade com que o diretor Charles Martin Smith tocou o projeto. Ele transforma Dolphin Tale em um tipo de filme que honra o epíteto de ‘agradável para a família’, e faz isso sem fugir do centro das experiências reais de Winter.”
Os de nariz empinado com certeza diriam que o filme, especialmente mais para o final, abusa do direito de ser otimista, açucarado. Não estariam de todo errado. Mas fazer o quê? É uma história real. Há histórias felizes na vida.
Anotação em agosto de 2013
Winter, o Golfinho/Dolphin Tale
De Charles Martin Smith, EUA, 2011
Com Nathan Gamble (Sawyer Nelson), Cozi Zuehlsdorff (Hazel Haskett), Harry Connick Jr. (Dr. Clay Haskett), Ashley Judd (Lorraine Nelson), Kris Kristofferson (Reed Haskett), Morgan Freeman (Dr. Cameron McCarthy),
Austin Stowell (Kyle Connellan)
Roteiro Karen Janszen e Noam Dromi
Música Mark Isham
Fotografia Karl Walter Lindenlaub
Produção Alcon Entertainment e Arc Productions
Cor, 113 min
**1/2
Sergio, gostei bastante de de “Winter” e fico feliz que você o coloque no site. Você há de mostrar muitos filmes maravilhosos para Marina. Felicidades para vocês!
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