É possível que o diretor Bruno Dumont tenha querido mostrar, em O Pecado de Hadewijch, que todo e qualquer fanatismo religioso é, em si mesmo, um perigo. E que os fanatismos todos a rigor se aproximam. Céline, a protagonista do filme, passa de um cristianismo exagerado, lunático, fanático, ao terrorismo muçulmano. Do abnegadérrimo amor a Cristo à jihad sangrenta dos muçulmanos fanáticos.
Se é isso que o filme pretende mostrar, se as pessoas que virem o filme perceberem isso, aleluia! É sempre bom lembrar dessas verdades.
Pena que o filme seja tão chato.
Bruno Dumont é um queridinho dos críticos e daquela turma de narizinho empinado que diz gostar de “filme de arte”. Já ganhou 18 prêmios, e teve outras nove indicações. O Pecado de Hadewijch venceu o Prêmio Internacional da Crítica (Fipresci) no Festival Internacional de Toronto, e recebeu loas e mais loas na imprensa.
Antes de passar a transcrever algumas das loas, apresento a sinopse do próprio site oficial do filme:
“Chocada pela fé estática e cega de Hadewijch, uma noviça, a madre superiora a põe para fora do convento. Hadewijch volta a ser Céline, jovem parisiense e filha de diplomata. Sua paixão por Deus, sua raiva e seu encontro com Khaled e Nassir a levam, entre a graça e a loucura, a caminhos perigosos.”
Ahn… Um tanto fluido demais da conta? Recorro à sinopse mais anglo-saxonicamente pé na terra do All Movie:
“Céline (Julie Sokolowski), a filha de uma rica e respeitada família, é uma estudante de teologia de 20 anos de idade cuja paixão pelo cristianismo é tão forte que alguns acham enervante. (Na verdade, a família da moça é podre de rica: mora num gigantesco apartamento da exclusivíssima, carésima Île de St. Louis). Céline tem estudado em um convento, mas sua devoção exagerada leva a madre superiora a pedir a Céline que volte para o mundo. Enquanto Céline luta para se encontrar num mundo que parece ter perdido sua bússola moral, ela encontra Yassine (Yassine Salime), um adolescente muçulmano que vive na cidade (na verdade, na periferia de Paris; não uma periferia miserável, mas classe média média). Yassine se interessa por Céline, e eles começam uma amizade, mas, embora ande com seus amigos e vá a bares com ele, ela teimosamente nega contatos físicos, insistindo em que seu caminho espiritual é mais importante que o sexo. Yassine introduz Céline a seu irmão Nassir (Karl Sarafidis), um muçulmano abnegado, e nele Célia encontra uma alma gêmea – apesar das diferenças em suas crenças, a fé dele é igualmente poderosa, e eles partilham da opinião de que vivem em mundo que se distanciou de Deus. Quando Nassir faz uma peregrinação ao Oriente Médio, Céline vai junto, numa estranha mistura de violência e medo.”
“O místico, para Dumont, é uma maneira de ‘passar pelas aparências do real para chegar a uma outra dimensão’”
Os Cahiers du Cinéma e o Libération deram a cotação máxima de 5 estrelas. Diz o Libé: “O equilíbrio que Bruno Dumont inventa para chegar a filmar essa fúria mística, é preciso ver para crer”.
A 20 Minutes diz: “Se é menos violento que os filmes precedentes do realizador de Flandres, este conto cruel é apesar de tudo estupendo”.
Le Monde: “O místico, para Dumont, é uma maneira de ‘passar pelas aparências do real para chegar a uma outra dimensão’. Passar pela queda do corpo para fazer aparecer a alma. Nesse sentido, Hadewijch é um filme rosselliniano”.
A revista Studio Ciné Live: “Um filme é uma entidade global que deve ser considerado na sua integralidade. Isso é algo óbvio, mas que convém recordar antes de abordar o novo filme de Bruno Dumont (L’Humanité, Flandres …). Porque, se se considerar apenas a primeira parte, é impossível deixar de constatar uma certa falta de jeito na maneira de esboçar o retrato de Céline. Essa jovem adolescente, cujas esperanças de uma vida religiosa foram cortadas pela autoridade do convento onde ela vivia, vai encontrar ao lado de Nassir uma outra forma de expor o fervor de sua fé. Mas, para acompanhar esse percurso iniciático, o cineasta frisa o maniqueísmo (a oposição simplista entre a católica Île Saint-Louis e a periferia muçulmana, a facilidade das imagens da violência na Palestina para justificar o engajamento de Céline…) Irrita-se ainda mais porque Dumont é ao contrário mais sutil que isso. E no entanto ele não pára de nos surpreender. Um final, imprevisível, redistribui todas as cartas? Flashback? Realidade? Projeção? Elipse? Parábola? Esse epílogo, liberado das restrições tradicionais da lógica narrativa, cheio de ambigüidade humana e de símbolos religiosos, relança as cartas e oferece diversas pistas de leituras (psicanalíticas, teológicas, filosóficas…). E cada uma das hipóteses é mais pertinente e intrigante que a precedente. Provando, ao final, que, quando um autor aposta no envolvimento, na sensibilidade e no livre arbítrio do espectador, ele sempre ganha o dia.”
Hadewijch tem 120 minutos. É tão chato que parece durar três dias e meio
Como já passei, e muito, da idade de ter que respeitar filmes porque seus autores são premiados e queridinhos da crítica e do pessoal de nariz empinado, digo o seguinte: este Hadewijch é um dos filmes mais terrivelmente chatos que vi nos últimos muitos anos – e olha que vejo filmes demais.
É o protótipo do filme feito para parecer “de arte”. Tem loooooooongas tomadas em que absolutamente nada acontece.
Só para dar um exemplo: após ser mandada embora do convento por excessos de auto-martírio em nome de sua desmesurada fé em Deus e paixão por Cristo (não se alimenta; expõe-se a temperaturas baixíssimas sem agasalho), Céline fica conhecendo Yasmine, que a leva para ver um show ao ar livre de uma banda amadora. A câmara do genialíssimo Bruno Dumont fica paradona mostrando a bandinha vagabunda tocando durante quatro minutos!
Quatro minutos! Longos, intermináveis, infindáveis, torturantes quatro minutos!
Meu! Em quatro minutos pode acontecer muita coisa. Você pode se apaixonar, ter um filho, uma neta, ter uma grande idéia, fazer o lead de um romance, ter o final da melhor trepada da vida, morrer, ouvir uma canção extraordinária, repensar a vida, mudar de profissão!
E o filme te obriga a ficar vendo e ouvindo uma bandinha de quinta categoria tocando uma musiquinha chinfrim!
Hadewijch tem 120 minutos. Parece que dura três dias e meio.
Mary, que é mais sábia do que eu, e além disso não tem um site de filmes, desistiu com uns 15 minutos dessa josta.
Encontro no allocine, um ótimo site sobre o cinema francês, a opinião de um espectador, um ser humano como eu, que me consola um pouco. Afinal, não estou sozinho neste mundão de Deus e o diabo.
Diz o leitor, ao final de um longo desabafo:
“Se se cortassem todos os planos inutilmente longos de vazio cinematográfico característico dos filmes programados no Arte às 2 da madrugada, não restaria mais que uma boa meia hora de propaganda fedorenta feita por um sujeito que se imagina pertinente ao adaptar o mundo versão Pravda, tendo como fundo uma enésima digressão freudiana de uma pequena burquesa que procura dentro do amor de Cristo preencher a falta afetiva de seu pai diplomata (…).”
Foi a estréia dessa moça Julie Sokolowski. Que ela seja feliz
Para não dizer que não falei de flores: essa moça Julie Sokolowski, que interpreta Céline, é um belo achado. Não era atriz, não tinha qualquer experiência de atuação. O diretor Bruno Dumont – que, talvez para imitar Robert Bresson e os neo-realistas italianos em seu início, gosta de usar pessoas sem experiência de teatro ou cinema em seus filmes – a teria conhecido logo após terminar de filmar Flandres, seu filme de 2006. Consta que ela trabalhava em um restaurante quando Dumont a conheceu.
Julie Sokolowski tem um jeito naturalmente desengonçado de andar, de se vestir, e um ar de adolescente perdida, que ajudam maravilhosamente a compor sua personagem.
Seu segundo filme está agora em fase de pós-produção, segundo o IMDb. É um filme americano, Young Bodies Heal Quickly, dirigido por um tal Andrew T. Betzer.
Que seja feliz a moça Julie Sokolowski. Que tenha uma vida completamente diferente da de Céline que interpretou nesta porcaria aqui.
Quanto a Bruno Dumont, depois de ter visto Flandres e este Hadewijch, fica combinado: não vejo mais filme algum feito por esse sujeito.
A vida é curta.
Anotação em janeiro de 2013
O Pecado de Hadewijch/Hadewijch
De Bruno Dumont, França, 2009
Com Julie Sokolowski (Céline vel Hadewijch)
e Yassine Salime (Yassine Chikh), Karl Sarafidis (Nassir Chikh), David Dewaele (David), Brigitte Mayeux-Clerget (a madre superiora), Michelle Ardenne (a superiora), Sabrina Lechêne (a noviça), Marie Castelain (a mãe de Céline), Luc-François Bouyssonie (o pai de Céline)
Roteiro e diálogos Bruno Dumont
Fotografia Yves Cape
Montagem Guy Lecorne
Produção 3B Productions, arte France Cinéma, C.R.R.A.V. Nord Pas de Calais, Le Fresnoy Studio National des Arts Contemporains, Zweites Deutsches Fernsehen (ZDF), Herbstfilm Produktion, Cofinova 5. DVD Imovision.
Cor, 105 min.
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hahahahahhaahhahaahhaahhahahahah!!!!!!!!
Ótima crítica-péssima de filme péssimo!
Se bem que quando assisti, achei um tanto razoável.
Mas enfim, a tomada de 4 fucking minutes da bandinha é, no mínimo, prepotente mesmo.
Ah, como eu adoro uma polemica, resolvi reativar esse post, essa crítica, esse assunto.
Não pude deixar de lembrar deste filme depois do ocorrido em Boston, de como a história dos 2 irmãos que estouraram as bombas é realmente muito parecida com a história desta protagonista do filme O Pecado de Hadewijch.
O que me deixou mais intrigada pelo filme…
Abraço!!!!
Esta é a bandinha “de quinta categoria”:
http://www.allmusic.com/artist/they-might-be-giants-mn0000493327
A música que eles tocam é composição de um tal de Johann Sebastian Bach.
“Eu preciso manipular o realismo. O realismo não me interessa por nenhum segundo. Eu estou interessado é em lidar com o interior dos personagens. É verdade que o cinema dá uma impressão forte de realismo. Mas os exteriores não são expressados por mim dessa forma. Durante o filme inteiro eu estou procurando entrar em [Céline] Hadewijch. Do começo ao fim, o filme se passa no coração dela, com suas paixões, com o amor que a motiva. Então todas essas paisagens, Paris, elas são realmente o interior da personagem. Não há lógica, o exterior não me interessa, é só uma questão de como tudo exterioriza o que está acontecendo dentro. Mas há elementos que indicam ao espectador que alguma outra coisa está acontecendo que não a mera realidade, que não o mero realismo.” (Bruno Dumont)
http://somecamerunning.typepad.com/some_came_running/2010/12/some-words-with-bruno-dumont-and-julie-sokolowski.html