Martha Marcy May Marlene é um típico filme independente americano. Claramente, evidentemente, não foi feito para fazer sucesso comercial – e sim para agradar à minoria dos espectadores, os que gostam de filmes “de arte”, e também, em especial, aos jurados dos festivais.
Agradou, e muito: teve nada menos de 16 prêmios e outras 41 indicações.
É, em suma, um filme papo-cabeça, sacumé?
É também a centésima bilionésima comprovação da obviedade mais óbvia que pode haver: nem todo filme do cinemão comercial é necessariamente ruim, nem todo filme independente é necessariamente bom.
Não me pareceu ruim, não. Mas me pareceu, isso sim, pretensioso, metido a besta, metido a genial. E passa muito longe de qualquer tipo de genialidade.
Sim, demonstra ter algum talento, o diretor que é também o autor do argumento e do roteiro, Sean Durkin. Imagino que seja jovem, bem jovem. Se amadurecer (afinal, a juventude é uma doença que o tempo cura), se perder a empáfia, talvez possa vir a ser um bom realizador.
Vixe! Até eu mesmo me assustei por ter escrito isso aí acima com tanta certeza, e até mesmo alguma empáfia. Vou baixar a bola.
Uma comunidade/seita/culto que atrai jovens perdidos na vida
O tema do filme é de extrema importância. São as comunidades/seitas/cultos que conseguem atrair adolescentes e jovens perdidos na vida, instáveis emocionalmente, com problemas psicológicos ou comportamentais.
As primeiras seqüências mostram um bando de jovens que vivem numa fazenda. Veremos depois que é no Estado de Nova York, não muito longe, portanto, da maior metrópole americana. No início, não dá para perceber muito bem que tipo de comunidade é aquela.
Uma das moças – muito bonita, aparentando apenas uns 20, 22 anos – resolve cascar fora dali. Junta umas coisas numa sacola, olha para os lados, e caminha para a floresta próxima.
Os outros membros da comunidade percebem a fuga, vão atrás da moça na floresta. A moça se esconde, não é encontrada.
Ela chega a uma lanchonete na cidadezinha mais próxima. Está lá comendo um sanduíche quando um membro da comunidade a encontra. Diz que todos estão preocupados com ela, que Patrick está preocupado com ela. Pergunta se ela não quer uma carona de volta, a moça diz que ainda não. O rapaz então sai da lanchonete.
A moça vai a um telefone público e liga para alguém. Quase se arrepende por ter ligado – mas a mulher para quem ela ligou chega depois de algum tempo para recolhê-la.
A mulher que recolhe a moça, veremos depois, chama-se Lucy (Sarah Paulson, à direita na foto abaixo). A moça que fugiu da comunidade chama-se Martha; ali, era chamada de Marcy May – e às vezes atendia ao telefone se dizendo Marlene, o que explica o título do filme.
Martha Marcy May Marlene é interpretada por Elizabeth Olsen (à esquerda na foto abaixo), um fenômeno.
Na teoria, um grupo que procura prazer espiritual; na prática, cometem crimes
O filme demora um tanto para mostrar que Lucy é a irmã mais velha de Martha.
Lucy leva Martha para a casa de campo, à beira de um lago paradisíaco, que ela aluga, e onde ela está naquele momento passando férias com o marido Ted (Hugh Dancy).
Na casa da irmã, Martha fica a todo momento se lembrando do que aconteceu quando ela esteve na comunidade. Razão pela qual o filme passará o tempo todo indo e vindo no tempo – alternando a realidade presente, Martha na idílica casa de campo da irmã e do cunhado em Conneticut, com as lembranças do período na fazenda da comunidade.
Quando Lucy pergunta a Martha onde ela esteve, o que fez nos dois últimos anos, Martha não responde. Num determinado momento em que Lucy tenta conversar com a garota, Martha se sai com esta: “Só porque somos não significa que precisamos conversar sobre tudo que vem na sua cabeça!”
Não sabem se comunicar, as duas irmãs.
O diretor Sean Durkin não gosta de comunicar aos espectadores de seu filme os fatos básicos. Jamais ficaremos sabendo exatamente por que motivos Martha resolveu ir para aquela comunidade. Fica implícito – apenas implícito – que ela era uma jovem meio perdida na vida, sem saber o que fazer, que rumo tomar, e portanto uma perfeita candidata a ser seduzida por alguma seita ou culto que prometesse alguma coisa especial.
A comunidade/seita/culto liderada por aquele tal Patrick (John Hawkes, na foto) tem algo de hippie fora do tempo, mas não é exatamente hippie. Não segue nenhuma religião conhecida. Fala-se que a comunidade pretende tornar a fazenda auto-suficiente, não precisando mais produzir bens a serem vendidos no mercado – mas não se mostra o que a fazenda produz. São de algum tipo de contracultura – rejeitam as regras da sociedade, essa coisa de ter um trabalho para poder sobreviver. Falam em prazer espiritual, em não pertencer à sociedade de consumo, essa coisa horrorosa que todos detestamos, em fazer esforço para atingir o Nirvana.
Tudo – teoricamente – muito idílico, muito bonito. Só mais adiante veremos que aquelas pessoas tão espirituais também assaltam casas. E fazem até coisa ainda pior.
Mostra-se também que o chefe do clã, Patrick, come as moças que chegam à comunidade, com violência. E elas são ensinadas a achar que aquele quase estupro é muito lindo, é o ritual de iniciação à nova vida.
Um tema importantíssimo – mas a sensação é de que não souberam o que fazer com ele
Não vimos o filme com má vontade, não. Ao contrário. Há talento ali, e, onde há talento a gente tem que prestar atenção.
Lá pela metade do filme, comentei com Mary que Martha vivia agora no limbo: havia rejeitado a comunidade/seita/culto, e tentado voltar para a vida “normal”, mas não se adaptava à vida “normal”. Não encontra lugar no mundo.
Esse tema é fascinante, importante – os adolescentes que se perdem no meio do caminho até a idade madura. É algo extremamente comum, muito mais comum do que se poderia pensar. Eu mesmo conheço de perto diversos casos um tanto semelhantes ao de Martha, de adolescentes que se perderam.
Sim, sem dúvida alguma, o tema é importantíssimo – e portanto é muito positivo, é sensacional que o cinema retrate isso, nos faça refletir sobre isso.
Pena que este filme, que levanta o tema, não saiba o que fazer com ele.
Quando chegamos ao final – que com toda a certeza os críticos metidos devem ter achado lindo, ah, que maravilha deixar tudo em aberto -, Mary, sempre mais arguta, mais rápida, do que eu, sentenciou: “Não souberam o que fazer”.
Concordo em gênero, número e grau. Metido, pretensioso, esse Sean Durkin simplesmente não soube o que fazer com a história que criou.
Elizabeth Olsen nasceu em 1989 e já ganhou oito prêmios e teve 15 outras indicações
É preciso registrar: a jovem Elizabeth Olsen, que interpreta a protagonista, é uma força da natureza. Nunca a tinha visto, mas já a admiro desde sempre.
O IMDb informa que Elizabeth Chase Olsen, nascida na Califórnia em 1989, é a irmã caçula de Mary-Kate Olsen e Ashley Olsen, também atrizes. Trabalhou no teatro quando criança e apareceu em várias das produções estreladas por suas irmãs. Ao contrário de seu personagem, que depois do colegial se perdeu e não voltou a uma sala de aula, graduou-se na Tisch School of the Arts da New York University e participou da Atlantic Theater Company.
Em 2011, quando estava portanto com 22 anos, foi a atriz principal de dois filmes: este aqui e A Casa Silenciosa/Silent House, um filme de terror dirigido por Chris Kentis e Laura Lau. Entre 2012 e 2013, participou de cinco filmes, fora outros três que estão ainda em produção.
Vixe Maria: já ganhou oito prêmios e teve outras 15 indicações.
E agora o diretor, Sean Durkin. Nasceu em 1981, no Canadá; a família mudou-se para a Grã-Bretanha quando ele era recém-nascido; quando ele estava com 12 anos, a família mudou-se de novo, desta vez para Nova York.
Em 2011, ano de lançamento de Martha Marcy May Marlene, estava portanto com 30 anos. Este foi seu primeiro longa – antes, havia dirigido dois curtas. Um deles, Mary Last Seen, de 15 minutos de duração, está no DVD de Martha Marcy May Marlene, lançado no Brasil pela 20th Century Fox – o filme teve distribuição da Fox Searchlight Pictures, o braço da corporação dedicado a filmes independentes e/ou pouco comerciais.
Mary Last Seen parece de fato assim um rascunho, uma primeira versão de Martha Marcy May Marlene. É bastante mais experimental, fragmentado e de difícil compreensão que o longa-metragem que viria depois.
Como disse lá em cima, o longa teve 16 prêmios e outras 41 indicações. Diversos deles são de festivais e de associações de críticos de cidades como San Diego, Austin – mas também Nova York, Chicago e Los Angeles.
No Sundance – o festival criado por Robert Redford, e que hoje é assim uma espécie de Festival de Cannes do cinema independente –, Sean Durkin recebeu o prêmio de melhor diretor de filme dramático.
O culto mostrado no filme tem apavorante semelhança com a “família” de Charles Manson
Vejo no IMDb uma fascinante – e apavorante – comparação entre o culto mostrado no filme, e a “família” de Charles Manson, o criminoso demente que chefiou a matança de três pessoas na casa de Roman Polanski em 1969 – o casal Leno e Rosemary LaBianca e a mulher de Polanski, a deslumbrante Sharon Tate, que tinha 26 anos.
Eis as semelhanças apontadas no IMDb:
Manson, assim como o Patrick do filme, atraiu um grupo de mulheres e homens jovens e bonitos mas com distúrbios psicológicos ou comportamentais para uma fazenda numa área remota. Da mesma forma que Patrick – que transformou Martha em Marcy May –, Manson costumava dar novos nomes a seus seguidores. Manson, como Patrick, fazia sexo com todas ou quase todas as mulheres que se uniam a seu grupo, e encorajava todos os seus seguidores a ter múltiplos parceiros sexuais.
Manson, como Patrick, fazia com que seus seguidores favoritos saíssem de seu esconderijo à noite para invadir casas de famílias ricas, para roubar, aterrorizar e eventualmente matar algumas de suas vítimas.
É, é apavorante. Esse texto mostrando as semelhanças entre o culto de Patrick e a “família” Manson, que li só quando terminava esta anotação aqui, mostra bem que o filme tem uma importância muito grande. Maior do que percebi ao vê-lo.
Anotação em março de 2013
Martha Marcy May Marlene
De Sean Durkin, EUA, 2011
Com Elizabeth Olsen (Martha, ou Marcy May, às vezes Marlene),
e Sarah Paulson (Lucy), Hugh Dancy (Ted), John Hawkes (Patrick), Christopher Abbott (Max), Brady Corbet (Watts), Maria Dizzia (Katie), Julia Garner (Sarah), Louisa Krause (Zoe)
Argumento e roteiro Sean Durkin
Fotografia Jody Lee Lipes
Música Danny Bensi e Saunder Jurriaans
Montagem Zac Stuard-Pontier
Produção Fox Searchlight Pictures, Cunningham & Maybach Films, Maybach Film Productions, FilmHaven Entertainment. DVD 20th Century Fox.
Cor, 102 min
**1/2
Eu já havia comentado mas, não foi e o site ficou fora do ar por algum tempo. Como eu tenho cópia, aqui vai de novo.
Vi no dia9 deste mes.
Que final foi aquele? A Mary está certa. Não souberam mesmo o que fazer.
“Culto do Patrick” , “Familia Manson” ,”Jin Jones”, e outras que possam existir, essas comunidades , seitas,cultos ou seja lá o que for, tuso isso é um perigo muito grande.
Esse papo louco, “doidão”, maluco, de coisas como “não morremos nem vivemos,existimos num tempo paralelo”, ” a morte é a parte mais bonita da vida”, “a morte é bonita porque a tememos” , ” o medo é o sentimento mais incrível de todos porque cria consciência plena, ele te trás ao agora e te deixa presente”, “isso é o Nirvana ,é o amor puro; então, a morte é o amor puro”. Esse papo nojento, em uma mente conturbada, e aí se junte uma heroína, maconha, coca, pronto, o estrago está feito.
Ela não se adaptava a vida ” normal ” e em certo ponto,pensou em voltar para o diabo da seita.
Aquela cena do assalto na residência me lembrou o ” Violência Gratuita “.
Gostei muito da atuação da Elizabeth Olsen.
Achei o John Hawkes bem parecido com o Paulo Miklos.
Um abraço !!