Chamada de Emergência, no original apenas The Call, é um belo, eletrizante, envolvente thriller em sua primeira metade. Pena que na segunda metade ele caia ladeira abaixo, e vire um sanguinolento festival de exageros.
O filme começa muito bem. É verdade que os créditos iniciais vão aparecendo junto com os diálogos, o que força o espectador a ou não prestar atenção ao que se diz, ou então não prestar atenção aos créditos. Mas essa é uma fórmula que o cinemão tem usado direto e reto, e então não adianta chiar.
As primeiras imagens – belíssimas – são tomadas aéreas de uma cidade giganteca. São plongées absolutos, como se a câmara estivesse no chão de um helicóptero com fundo de vidro – vemos um imenso conjunto de viadutos, auto-estradas, depois ruas movimentadas de um centro de grande cidade com edifícios altíssimos.
Los Angeles. Por causa da imensa quantidade de auto-estradas, obviamente é Los Angeles.
E vamos ouvindo o tom do telefone que discou e espera ser atendido, e em seguida diversos diálogos:
– “911, qual é a sua emergência?”
E as pessoas que ligam para a central de emergência do LAPD, Departamento de Polícia de Los Angeles, vão relatando o que estão vendo:
* um homem viu uma mulher esfaquear a filha e a si mesma;
* uma mulher viu um acidente numa rodovia, acha que há um morto;
* um homem diz que sua namorada acabou de pular do 12º andar;
* uma mulher conta que acaba de atingir alguém com seu carro;
* um homem diz que acaba de atirar na esposa;
* um homem diz que está tendo uma overdose, ao lado da mulher, que também exagerou na droga;
* um homem conta que ladrões estão invadindo a casa do vizinho.
Enquanto vamos ouvindo essas vozes, que, juntas, parecem o zumbido de abelhas numa colméia, a câmara entra no imenso salão onde os atendentes de telefonemas da central de emergência trabalham. Veremos depois que aquele salão, o centro nervoso do atendimento ao público da gigantesca metrópole, é chamado de A Colméia.
Cada atendente tem diante de si um teclado e várias telas. À medida em que vão conversando com a pessoa que reporta a emergência, vão digitando códigos que identificam que tipo é aquele.
Nessa rápida apresentação da central de atendimento de emergências, a câmara chega, depois de passar por várias pessoas, ao rosto lindo de Halle Berry. Ela faz a protagonista, a atendente Jordan Turner, em torno de quem toda a trama vai girar.
Não pode haver profissão mais estressante do que a daquelas pessoas
É um belo começo, repito. É tudo feito com o apuro artesanal da mais poderosa indústria de cinema do mundo. O diretor, Brad Anderson, nasceu em 1964, tem cara de garotão, mas é experiente. Começou a dirigir em 1995, já tem 26 filmes no currículo, inclusive um thriller muito interessante, bem realizado, com ótimo elenco, Expresso Transiberiano, de 2008. Ainda no início de carreira, em 1998, fez um gostoso filme independente, cheio de toques pessoais, Próxima Parada, Wonderland, uma comédia dramática romântica com diversas canções da bossa nova como música incidental.
O clima neste início de The Call é opressivo. Mary e eu sentimos de cara o que o filme quer mostrar, o que seguramente qualquer espectador sentirá: pode haver alguma profissão tão estressante quanto a daquelas pessoas ali, quanto a da bela, experiente Jordan Turner-Halle Berry – mas não é possível que haja algo ainda pior.
Há muitas profissões estressantes, sem dúvida alguma: a dos cirurgiões, dos controladores de vôo, dos motoristas de ambulância, dos paramédicos dos grandes centros (como Martin Scorsese mostrou com brilhantismo em Vivendo no Limite/Bringing Out the Dead).
Mas a pior delas não é pior do que a de atendente de central de emergência da polícia de uma grande metrópole.
Fechar jornal, brigar contra o deadline em dia de acontecimento de extrema importância, é fichinha perto disso. Brincadeira de criança.
A experiente policial comete um erro, e o assassino pega sua vítima
The Call transmite muito bem esse clima opressivo, asfixiante, estressante.
Jordan atende à ligação de uma garota, uma jovem adolescente. Um homem está tentando entrar na casa dela, e ela está sozinha. Veremos que ela se chama Leah (Evie Thompson), e tem cabelos louros compridos e lisos. Mas o espectador não conseguirá ver direito o rosto de Leah: as tomadas em que ela aparece são muito rápidas, a casa está escura.
Jordan sugere a Leah – a garota está falando de seu celular –que se esconda em um quarto e tranque a porta. Leah vai para um quarto, no segundo andar, mas não consegue trancar a porta. Os ruídos indicam que o desconhecido quebrou alguma janela lá no térreo, já está dentro da casa. Jordan faz uma nova sugestão a Leah, ela obedece.
O assaltante entra no quarto. A câmara mostra que Leah está embaixo da cama, celular ligado, ainda em contato com Jordan. A janela está aberta; o assaltante olha e vê que lá embaixo estão os sapatos da garota. Ele então sai do quarto, desce as escadas, está indo lá para fora.
A ligação cai. Jordan, é claro, tem o número de celular de Leah. E então ela comete um erro.
O assaltante volta até o quarto, olha embaixo da cama, puxa Leah para fora, pega o telefone dela.
Na central, Jordan está ouvindo os gritos de Leah – “Por favor, por favor, não me machuque” –, e a respiração pesada do assaltante.
Jordan tenta: – “Ouça, seja você quem for. A polícia está a caminho.”
E é verdade: avisada, a equipe mais próxima já estava naquele momento indo em direção à casa de Leah, mas Jordan sabe que ainda vai demorar alguns minutos.
Jordan tenta: – “Vá embora antes que você faça algo de que vai se arrepender.”
E a voz do assaltante responde: – “Já está feito”.
Jordan Turner, policial séria, dedicada, experiente no atendimento na central, entende que, por um pequeno erro que cometeu, entregou a vida de Leah ao criminoso.
Ela pira.
Quando estamos com 17 minutos de filme, há um corte no tempo: surge na tela o letreiro de “Seis meses mais tarde”.
Abigail Breslin passeia alegre num shopping. Sabemos que ela será a próxima vítima
Seis meses mais tarde, estamos em um shopping center, um desses templos de consumo das grandes cidades onde as pessoas passeiam felizes. A câmara mostra duas garotas, duas adolescentes, as duas louras. Uma delas tem os cabelos louros lisos longos, semelhantes aos de Leah. Chama-se – veremos pouco depois – Casey Welson, e vem na pele de Abigail Breslin.
As atrizes mirins crescem, é claro. Abigail Breslin nasceu em Nova York em 1996. Estava, portanto, com dez aninhos quando deu um show em Pequena Miss Sunshine – embora, no ano de lançamento daquele filme, já fosse quase uma veterana. Na sua filmografia, Pequena Miss Sunshine é o 11º título.
Chamada de Emergência/The Call é uma produção de 2013. Suponho que tenha sido filmado em 2012, quando Abigail Breslin estava com 16 anos.
O tempo passa depressa demais. Marina, que no momento em que escrevo tem 4 meses, estará me levando ao zoológico depois que eu piscar duas vezes.
Qualquer pessoa que já tenha visto mais de dois thrillers do cinemão comercial sabe, ao ver Abigail Breslin pela primeira vez, passeando alegre com uma amiga no shopping center, que ela será a próxima vítima.
Depois de 60 minutos de bom cinema, tudo desanda
E na meia hora seguinte teremos um belo thriller. Bem idealizado, bem escrito, bem realizado. A atmosfera é envolvente – e asfixiante, torturante.
Depois de 60 minutos de bom cinema, tudo desanda. E vai desandando cada vez mais.
Parece que faz parte dos dogmas do cinemão comercial atual exagerar, exagerar demais. Parece que, para um filme fazer sucesso comercial, tem que ser mais violento e mais explícito do que tudo que já foi feito antes.
Em termos comerciais, The Call aparentemente está se dando bem. Custou US$ 13 milhões e, entre sua estréia nos cinemas americanos em 15 de março de 2013 e agora (faço a anotação em meados de julho) já faturou nos Estados Unidos e Canadá US$ 51 milhões.
O pessoal do All Movie, site que admiro, gostou do filme, deu a ele 3.5 estrelas em cinco. Nas considerações finais, a crítica deles diz que The Call pode não ser grande arte, mas é um tesouro na área de filmes que causam tensão. Concordo com eles – mas só em relação à primeira hora do filme.
Já eu fico aqui imaginando se o diretor Brad Anderson não terá saudade do tempo em que fazia um filme delicado e suave como Próxima Parada, Wonderland.
Anotação em julho de 2013
Chamado de Emergência/The Call
De Brad Anderson, EUA, 2013
Com Halle Berry (Jordan Turner), Abigail Breslin (Casey Welson),
e Morris Chestnut (Paul Phillips), Michael Eklund (Michael Foster), David Otunga (Jake Devans), Michael Imperioli (Alan Denado), Evie Thompson (Leah Templeton), Justina Machado (Rachel)
Roteiro Richard D’Ovidio
Argumento Richard D’Ovidio, Nicole D’Ovidio e Jon Bokenkamp
Fotografia Tom Yatsko
Música John Debney
Montaem Avi Youabian
Produção Troika Pictures, WWE Studios, Emergency Films. DVD Paris Filmes.
Cor, 94 min
**1/2
Concordo com tudo. O filme vai bem, mas depois vira um festival de exageros, com uma mistura de suspense e terror meio trash. Sem falar que de uma hora pra outra, a operadora da polícia se transforma numa detetive do FBI.
Mas até o ponto onde o roteirista e o diretor conseguiram segurar a mão a tensão é realmente forte.
O final foi ridículo e decepcionante on so many levels.
E por falar em imagens belíssimas, tomadas que mostram cidades à noite com prédios gigantescos e luzes acesas sempre me encantam, e as deste filme estão maravilhosas.
Eu sou a rainha do detalhe, então lá vai: acho que o telefone que a Leah estava segurando era um fixo, pelo tamanho e pelos números luminosos, e não um celular. Tanto que quando a atendente liga e ele toca, o cara ouve lá de baixo, o que me deu a impressão de que ele tocou também na base.
olá, Sérgio! Como já disse uma vez, gosto do gênero e, por vezes, gosto tb de filmes que só distraiam, sem a gente ter que pensar muito ou sofrer ou se emocionar, enfim… cinemão comercial, mas gostei e penso que, caso fosse possível, como não curtir o final absurdo: super vingança!