Bel Ami, o romance de Guy de Maupassant (1850-1893), foi publicado em 1885, exatamente no meio da década mais produtiva da vida do escritor francês: foi entre 1880 e 1890 que ele escreveu a imensa maior parte de sua obra, que, completa, incluindo contos, romances, peças de teatro e anotações de viagem, ocupa cerca de 30 volumes.
Bel Ami, o filme de 2012 com o garoto crepuscular Robert Pattinson no papel do protagonista, e Uma Thurman, Kristin Scott Thomas e Christina Ricci interpretando algumas das mulheres que ele comeu, é pelo menos a décima transposição do romance para a tela. Pelo menos – numa busca rápida no IMDb, encontrei nove títulos anteriores a este mais recente. Mas a busca foi rápida, e portanto pode haver mais.
O primeiro deles, Bel Ami, de 1939, é – fantastiscamente – uma produção alemã, dirigida por Willli Forst, que acumulou com a direção a atuação como o protagonista. O uso do advérbio se deve ao óbvio fato de que, naquele mesmo ano, a Alemanha entraria em guerra com praticamente todo o resto da Europa, e logo em seguida invadiria a França.
Os americanos fizeram uma versão em 1947, The Private Affairs of Bel Ami, com George Sanders no papel título e Angela Lansbury como Clotilde – que, no filme de agora, é feita por Christina Ricci.
Em 1955, Bel Ami foi uma co-produção Áustria-França-Alemanha Oriental. Oriental? A comunista? Será que o IMDb não se enganou?
Em 1968, houve um filme feito para a TV da Alemanha Ocidental.
Em 1971, os ingleses fizeram uma série de TV baseada no romance.
Em 1983, foi a vez de os franceses fazerem uma série de TV. Tinha Aurore Clément no papel de Madeleine Forestier – o papel que em 2012 coube a Uma Thurman.
Em 2001, houve uma co-produção Itália-Alemanha, um filme para TV.
Em 2005, foi feito novo filme para a TV, dessa vez uma co-produção Bélgica-França.
Uma beleza de artesanato, uma daquelas produções primorosas
O filme de 2012 é uma co-produção Inglaterra-Itália, filmada em Londres e Budapeste, com dois astros ingleses (Pattinson e Kristin Scott Thomas) e duas estrelas americanas (Uma Thurman e Christina Ricci), mais um grande elenco com nomes de diversas nacionalidades, e dirigido por uma dupla, Declan Donnellan e Nick Ormerod. Foi o primeiro longa-metragem dirigido pelos dois ingleses, que já haviam dividido antes a realização de um curta, The Big Fish, em 1992.
Demonstram-se competentes artesões. O Bel Ami de 2012 é daqueles filmes de produção primorosa, luxuosa, irretorquível, perfeita em todos os quesitos técnicos. Aquela suntuosa reconstituição de época – a ação se passa em Paris, a partir de 1890 –, aquele cuidado absurdo com os detalhes do vestuário, das comidas, da decoração de interiores, aquela exibição de figurinos luxuosos, que devem ter sido caríssimos, e ao menos devem ter dado emprego, ainda que temporário, a dezenas e dezenas de profissionais.
O filme deve ter custado uma grana preta. Os sites mais óbvios não têm disponível o orçamento, mas deve ser uma coisa bem acima de US$ 30 milhões. Talvez duas vezes isso. O retorno tem sido pequeno, pelo que informa o Box Office Mojo, o melhor site sobre esse tipo de informação: nos primeiros meses de exibição, o filme rendeu US$ 8,3 milhões. Nos Estados Unidos, ao menos de início, não deu nem para pagar os figurinos de sequer uma das festas mostradas no filme: rendeu no maior mercado do mundo míseros US$ 120 mil.
Maupassant, parece, foi assim uma espécie de Bukowski do seu tempo
Confesso aqui minha total e absoluta ignorância sobre Guy de Maupassant. Ele é uma das muitas, numerosas lacunas da minha parca cultura. Jamais li uma linha que esse senhor escreveu.
Dei uma olhada na internet, na Britannica, nos dois livros dele que tenho em casa jamais lidos. Aprendo que teve uma vida tão agitada quanto curta; foi um hedonista, uma espécie quase de Bukowski avant la lettre, mergulhou de cabeça nos prazeres todos: muito sexo, muita putaria, muito remédio, muita droga. Foi aprendiz e discípulo de Gustave Flaubert, e, embora tenha escrito no período dos naturalistas, e seja normalmente associado a essa escola, sua obra não se encaixa bem junto da de Émile Zola e dos outros grandes naturalistas.
Diz a Britannica, que custa caro e está acima de qualquer suspeita que possa ser associada à Wikipedia:
“Maupassant escreveu romances, poemas, peças, e relatos de viagem, mas sua fama repousa principalmente em seus contos. O estilo de mestre de seus contos conquistaram a admiração de grandes escritores do gênero, de Henry James a W. Somerset Maugham. Eles devem sua popularidade mundial entre os leitores menos sofisticados à combinação de brevidade, perspicácia, e uma penetrante sexualidade que levou James a dizer que que o trabalho de Maupassant era “pouco mais do que um relato de suas inumeráveis manifestações”.
Da Wikipedia em francês, transcrevo a sinopse do romance:
“O romance retrata a ascensão social de Georges Du Roy de Cantel (ou Georges Duroy), homem ambicioso e sedutor (arrivista, oportunista), empregado no escritório das ferrovias do Norte, chegado ao cume da pirâmide social parisiense graça às suas amantes e à junção de finanças, imprensa e política. Tendo como pano de fundo a política colonialista, Maupassant descreve as ligações estreitas entre o capitalismo, a política e a imprensa, mas também a influência das mulheres, proibidas de participar da vida política após o Código Napoleão e que se dispõem a educar e aconselhar.”
A sinopse vai em frente, mas confesso que, morto de preguiça de fazer eu mesmo uma sinopse, morro de preguiça até mesmo de continuar a traduzir a da Wikipedia.
Uma chatice intragável, uma história boba, simplista, ingênua
Achei o filme de uma chatice intragável, desde os primeiros momentos. Achei o filme tão perfeito em termos artesanais quanto ruim em termos de arte.
Toda a história me pareceu (e aqui não sei se estou falando mal da trama criada por Maupassant ou da adaptada pela roteirista Rachel Bennette; não importa) simplista. É tudo fácil demais – a ascensão do ex-soldado pobre, filho de camponeses, às altas esferas de Paris, se dá de maneira rápida, simples, fácil, improvável, boba. Parece coisa de romance para garotas ingênuas, tipo M. Delly – não de um grande escritor.
As referências à imprensa e à política são ingênuas, típicas de quem não conhece nem imprensa, nem absolutamente coisa alguma de política.
Botar esse menino Robert Pattinson para fazer o protagonista teria sentido mercadológico – afinal, se um décimo dos adolescentes que se encantaram com a série Crepúsculo fosse ver o filme, seria um sucesso extraordinário. Aparentemente, a sacada mercadológica não colou, porque, como já disse, o filme tem sido um fracasso comercial, a ponto de ser lançado em DVD no Brasil apenas quatro meses depois do lançamento nas salas de cinema dos Estados Unidos.
E a verdade é que o rapaz, que me perdõem as fãs, é ruim que dói.
Uma Thurman estragada, Kristin Scott Thomas e Christina Ricci belas
Como se não bastasse tudo isso, ainda tem que Uma Thurman…
Mas o que que é aquilo, meu Deus do céu e também da terra?
Uma Thurman, aquela deusa, aquela maravilha, aqueles quase dois metros de mulher maravilha… O que aconteceu com ela?
Uma Thurman está irreconhecível. O cirurgião plástico dela parece que foi o dr. Einstein, o personagem de Este Mundo é Um Hospício/Arsenic and Old Lace.
Tadinha…
Já Kristin Scott Thomas, exatos dez anos mais velha que Uma Thurman (é de 1960, enquanto a americana nasceu em 1970), está igual ao que sempre foi. Esplêndida – como mulher e como atriz.
A grande surpresa, nesse quesito, é Christina Ricci. Como bem disse a Mary, esse é o primeiro filme em que Christina Ricci não parece doida, maluca, tantã. Mais ainda: Christina Ricci nunca esteve tão bela quanto neste filme.
Pena que o filme seja a porcaria que é.
Ah, mas a bem da verdade é preciso registrar: a trilha sonora é magistral. Fiquei pensando se seria de Alexandre Desplat. Como os filmes agora não têm mais créditos iniciais, o coitado do espectador tem que ficar vendo tudo no escuro, adivinhando.
Não, não é de do parisiense Desplat. É da inglesa que nasceu no mesmo ano que ele, 1960, Rachel Portman, e que, como Desplat, tem nos brindado com belíssimas trilhas. A trilha vem assinada por Rachel Portman e por Lakshman Joseph De Saram. Credo: de que nacionalidade será um sujeito chamado Lakshman Joseph De Saram?
Anotação em dezembro de 2012
Bel Ami – O Sedutor/Bel Ami
De Declan Donnellan e Nick Ormerod, Inglaterra-Itália, 2012.
Com Robert Pattinson (Georges Duroy), Uma Thurman (Madeleine Forestier), Kristin Scott Thomas (Virginie Rousset), Christina Ricci (Clotilde de Marelle),
e Colm Meaney (Monsieur Rousset), Philip Glenister (Charles Forestier),
Holliday Grainger (Suzanne Rousset), Natalia Tena (Rachel, a prostituta),
James Lance (François Laroche), Anthony Higgins (conde de Vaudrec)
Roteiro Rachel Bennette
Baseado no romance de Guy de Maupassant
Fotografia Stefano Falivene
Música Lakshman Joseph De Saram e Rachel Portman
Produção Redwave Films, XIX Film, Protagonist Pictures, Rai Cinema. DVD Califórnia Filmes.
Cor, 102 min
*
Sérgio,
Esse filme é tenebroso. O tal Robert Pattinson tem uma fleuma permanente que o torna absolutamente insuportável em cena. O sujeito basicamente passa o filme todo transitando entre essas verdadeiras obras de arte ambulantes e não se abala. É muito inverossímil!
Entendo que a personagem deveria se comportar como o Don Juan ou o Casanova em início de “carreira”: a pouca idade, somada ao talento natural para a conquista, já devidamente compreendido e deliberadamente utilizado, o tornaria particularmente irresistível. Acho que o mancebo do “Crepúsculo” precisa comer muito arroz e feijão para conseguir qualquer coisa com uma mulher da estirpe da Kristin Scott Thomas…
Por fim, quero usar um exemplo oposto para tentar me fazer entender melhor: recentemente, tentei assistir àquela última adaptação que a Globo fez de “Gabriela”. O problema é justamente o fato de a Juliana Paes, para além das suas limitações como artista, ter plena consciência do efeito que, em tese, causa nas pessoas. No meu entender, o interessante da personagem Gabriela dentro daquele ambiente é a verdadeira devastação que ele causa nos corações alheios apenas por ser ela mesma.
Em suma, era capaz de o trabalho realizado pela Juliana Paes funcionar melhor que o do glorioso Pattinson.
É isso… Desculpe o tamanho do texto…
Grande abraço!
André
É como voce diz Sergio , o filme é perfeito em termos artesanais mas muito, muito ruím e chatíssimo. O Pattinsom como protagonista é uma brincadeira de mau gôsto e que fica pior quando o colocam para atuar ao lado da Kristin(divina), da Uma Thurman(mesmo com o detalhe que voce citou)e da Christina.
É muita areia para o caminhão dele e, muito castigo para nós. Ele é muito ruím e os trejeitos faciais piores ainda.
Sera que elas (as atrizes) acreditaram mesmo neste filme ou foi o lado financeiro?
Um abraço !!