Anotação em 2011: Este Um Amor Tão Frágil, no original La Dentellière, de 1977, foi o filme que consagrou a então muito jovem Isabelle Huppert como grande atriz. Só por isso já teria importância, mas este não é seu único valor. É um belo, fascinante filme, um pequeno estudo psicológico e sociológico – mas feito de forma absoluta, chocantemente simples, despretensiosa.
Por partes. Primeiro, La Huppert.
Estava com 24 anos – nasceu em Paris, em 1953; é, portanto, da geração de Miou-Miou (1950), Isabella Rossellini (1952), Kathleen Turner (1954), Isabelle Adjani (1955). Estudou no Conservatoire National d’Art Dramatique, e começou cedo a carreira: em 1971, aos 18 anos, estreou na TV e no cinema, e em 1973, no teatro. Já havia participado de mais de 20 filmes para o cinema e para a TV quando, em 1977, teve seu primeiro papel como protagonista, neste filme aqui, dirigida por Claude Goretta.
O filme teve diversos prêmios importantes. Participou da mostra competitiva em Cannes, e o diretor Goretta ganhou lá o prêmio do júri ecumênico. Isabelle Huppert teve indicação ao César de melhor atriz, o Oscar francês, e na Inglaterra obteve o Bafta de most promising newcomer. Tudo bem, a rigor ela não era uma newcomer, uma estreante, mas que era promising, lá isso era.
No ano seguinte, 1978, fez o papel de uma jovem assassina em Violette Nozière, dirigida por Claude Chabrol – e levou o prêmio de melhor atriz em Cannes (dividido com Jill Clayburgh, por Uma Mulher Descasada). A partir daí já era uma estrela, e unanimemente reconhecida como uma das mais talentosas atrizes francesas.
A filmografia de La Huppert hoje ultrapassa uma centena de títulos. Prêmios, teve 43, fora 16 outras indicações.
Uma atriz de estilo frio, enigmático, de maneiras solenes, reservadas
Aos 24 aninhos, era uma gracinha, uma absoluta delícia, o corpo perfeito, um rostinho encantador, tipo baby face – e, meu Deus do céu e também da terra, que atriz! Sua interpretação é maravilhosa, deslumbrante. É toda em tom menor, sem qualquer espalhafato, sem careta alguma.
Com toda razão, os críticos costumar usar para seu estilo de interpretação as expressões frio, enigmático, e para suas maneiras a definição de solenes, reservadas.
Foi um encontro perfeito, o da jovem atriz de imenso talento, de estilo frio e enigmático, de maneiras solenes e reservadas, com seu personagem neste filme.
Aos 18 anos, Béatrice, que a única amiga chama de Pomme, é uma jovem de família humilde; foi com a mãe do interior para Paris depois que o pai abandonou a família; a mãe trabalha em uma mercearia, ela como ajudante em um salão de beleza. Não teve condições de estudar, não é culta, não lê; é uma pessoa simples, extremamente simples; não demonstra ter ambições, nem grandes nem pequenas. É tímida, reservada. Não parece infeliz – ao contrário, parece uma pessoa até bem humorada, sorridente. Mas é extremamente recatada, não se abre – talvez até porque não tenha o que dizer. É absolutamente inexperiente – provavelmente nunca teve sequer um namorado.
A amiga dela, aparentemente sua única amiga mesmo, Marylène (Florence Giorgetti, também ótima no papel, na foto abaixo), trabalha no mesmo salão de beleza; é mais velha, deve ter aí uns dez anos mais que Béatrice, ganha mais, já é cabeleireira, e é muito mais experiente. Tem um amante, faz uns dois anos; sabe que ele é casado, mas tem aquela esperança que as amantes têm de que um dia ele deixará a família.
Um diretor de estilo simples, tão simples que parece não existir
Se o estilo de Isabelle Huppert é frio, enigmático, suave, o do diretor Claude Goretta é sobretudo simples, tão simples que parece não existir. Ele vai mostrando os pequenos episódios do cotidiano dessa moça de vida sem glamour, sem charme, sem absolutamente nada especial, de uma forma direta, curta e grossa, despojada. É quase minimalista – e a vida de Béatrice tem o mínimo de emoção, de graça.
Chegam as férias, e Marylène leva Béatrice para Cabourg, na Normandia. Lá, por acaso, Béatrice ficará conhecendo um rapaz, François (Yves Beneyton), que é daquela região, mas estuda em Paris; faz faculdade de letras. É, portanto, de outra classe social, de outro mundo, de outro universo. Encontram-se uma vez num café – ela está tomando um sorvete, ele chega, senta-se na mesinha ao lado da dela, pede um refrigerante, começam a conversar, uma conversa um tanto difícil, já que são poucos os pontos em comum, e a rigor Béatrice não tem o que dizer.
Nos dias seguintes, um meio que procura pelo outro, nas ruas da cidade à beira-mar – e, quando estamos com exatos 32 minutos de filme, o diretor Claude Goretta faz uma tomada brilhante, lelouchiana, a primeira vez em que ele comete uma ousadia formal. Plano geral, a câmara numa grua alta faz uma panorâmica – na mesma tomada, aparecem Béatrice e François, distantes um do outro, um à beira-mar, o outro andando numa rua perpendicular à avenida da praia.
Não gosto de adiantar o que acontece na trama dos filmes depois de uns 20 minutos, para não atrapalhar o prazer do eventual leitor de ver ele mesmo o desenrolar da história. Aqui, já até avancei para o que acontece com meia hora de filme. Não tem sentido avançar mais.
O filme fez lembrar Truffaut – não pelas proximidades, mas pelas diferenças
Só gostaria de registrar que o filme me fez lembrar Beijos Proibidos/Baisers Volés, de 1968, e Domício Conjugal/Domicile Conjugal, de 1970, dois dos filmes de François Truffaut sobre o jovem casal Antoine Doinel-Christine Darbon (Jean-Pierre Léaud e Claude Jade) – não pelas semelhanças, proximidades, mas, ao contrário, pelas diferenças.
Os filmes de Truffaut sobre primeiro o namoro, depois o casamento de Antoine e Christine, transformam em imenso charme a historinha comum, banal, do casal de classe média em Paris. Tudo é elegante, bonito, divertido, mesmo as pequenas dores, desavenças, problemas. Tudo é charmoso.
O filme de Claude Goretta realça, ao contrário, exatamente o que há de comum, banal, na história de Béatrice e seu encontro com François. Não há charme – mesmo nos momentos em que as coisas vão bem. É uma interessantíssima opção, essa, do diretor. Quis desglamourizar, realçar o cinza, a falta de brilho, de charme.
É um filme de imensa sensibilidade – e tristeza.
Sabine Azéma tem um papel bem pequeno
Um detalhinho: Sabine Azéma faz um papel bem pequeno no filme. Só fui saber disso ao ver no IMDb a relação dos atores. Não a reconheci – deve ser uma figurante, aparecer em uma sequência, apenas. Um pouco mais velha que La Huppert (ela é de 1949), ela demorou mais para chegar aos papéis importantes. Este aqui foi seu terceiro filme. É outra das grandes atrizes do cinema francês; o mestre Alain Resnais sempre a escolhe para participar de seus filmes. Nunca chegou, no entanto, ao status de grande estrela internacional que Isabelle Huppert adquiriu.
“Um filme delicado e sensível”
Confesso que não conhecia o diretor Goretta. É suíço, nascido em Genebra, em 1929 – já era portanto um veterano quando fez este La Dentellière. (Dentellière, a propósito, é rendeira, pessoa que faz renda, que costura renda. Nos Estados Unidos, o filme teve o título traduzido literalmente – The Lacemaker.)
“Esse suíço estudou cinema no British Film Institute, onde rodou um curta-metragem, Nice Time, em 1957”, esclarece Jean Tulard no seu Dicionário. Depois disso, trabalhou muito tempo para a televisão suíça, sem por isso abandonar as telas. Sua obra mais importante é Um Amor Tão Frágil, baseada em um romance de Pascal Lainé, filme intimista sobre os amores impossíveis de um estudante e de uma cabeleireira, que vale ser visto sobretudo pela atuação de Isabelle Huppert. Mas há também em Goretta um gosto pelos estereótipos confirmado por La Provinciale, interpretado dessa vez por Nathalie Baye, outra revelação do cinema francês.”
Em outra obra de Jean Tulard, o Guide des Films, Claude Bouniq-Mercier escreve o seguinte: “Um filme delicado e sensível em que o tempo parece suspenso no instante de um amor impossível. Mais ainda que as barreiras sociais, é uma diferença cultural que cria a fenda nesse casal, em que Pomme não tem a chave que lhe abriria o poder das palavras. Ela é apenas um amor impossível de se exprimir. Claude Goretta descreve com excelência esse universo com pequenos toques que traduzem bem a freagilidade dos personagens e dos sentimentos. Quanto a Isabelle Huppert, ele é a intérprete ideal de Pomme, a própria encarnação dessa jovem dócil de olhar perdido.”
Epa: o Guide de Jean Tulard, nessa última frase, diz o que eu já havia anotado lá em cima, antes de consultar os alfarrábios. Fico contente por ver que minha avaliação é a mesma do guia francês. Mas não é nada demais: salta aos olhos como o personagem de Béatrice-Pomme cai como uma luva para o talento de La Huppert.
Uma bela atriz, um belo filme.
Um Amor Tão Frágil/La Dentellière
De Claude Goretta, França-Suíça-Alemanha Ocidental, 1977
Com Isabelle Huppert (Pomme), Yves Beneyton (François), Florence Giorgetti (Marylène), Anne-Marie Düringer (a mãe de Pomme), Renata Schroeter (a namorada de François), Michel de Ré (o pintor), Monique Chaumette (a mãe de François), Jean Obé (o pai François), Christian Baltauss (Gérard), Sabine Azéma (Corinne)
Roteiro Claude Goretta e Pascal Lainé
Baseado na novela La Dentellière, de Pascal Lainé
Fotografia Jean Boffety
Música Pierre Jansen
Produção Action Films, Citel Films, Filmproduktion Janus, France 3. DVD Lume Filmes.
Cor, 107 min
***
Título em inglês: The Lacemaker.
Vi este filme recentemente. Sou fã incondicional da Huppert, acho mesmo se ela fizesse um comercial das Casas Bahia seria a melhor atriz do mundo.
Mas voltando sobre o filme, achei muito triste, acho que principalmente pq sentir dó de uma personagem é a coisa mais deprê que possa existir num filme, principalmente na cena que a sogra dela pergunta o que ela faz da vida e o namorado já muda de assunto rapidinho. Que humilhação, coitada..