Sedução Fatal / Eye of the Beholder


2.0 out of 5.0 stars

Anotação em 2010: Assim propriamente lógica, sentido, senso, coerência, este Sedução Fatal/Eye of the Beholder não tem, não. No entanto – quem disse que gosto tem lógica? –, o filme me prendeu, até mesmo me fascinou, em alguns trechos.

Uma co-produção de Inglaterra e Canadá, Sedução Fatal é um thriller, que focaliza uma gama enorme de instrumentos de espionagem, escuta e filmagem clandestinas – maravilhas tecnológicas do arco da velha, ou melhor, da maior modernidade. Peguei o filme zapeando na TV a cabo bem no iniciozinho, não chequei o ano em que ele foi feito, e me pareceu uma produção recentíssima, porque as maravilhas tecnológicas dão a impressão de coisa muito up-to-date.

Quando a ação começa, temos um sujeito com o que parece ser um fuzil de mira telescópica, mirando um prédio em frente ao dele – uma sala onde um camarada está fazendo sexo com uma mulher. O fuzil na realidade é uma estrutura que sustenta uma máquina fotográfica, e as fotos do sexo do camarada vão logo em seguida ser colocadas na intranet da empresa, e o nosso atirador-fotógrafo-gênio da computação mandará aviso para todos os terminais chamando a atenção de todos os funças para as fotos.

O atirador-fotógrafo-gênio da computação, interpretado pelo excelente e incansável escocês Ewan McGregor, é o protagonista da história. Não tem nome: será tratado, ao longo de toda a narrativa, como The Eye, O Olho. É um detetive; The Eye remete a private eye, que significa detetive particular, mas The Eye não é particular – é funcionário da embaixada britânica em Washington. Logo depois que ele se diverte fotografando e pondo na intranet da firma vizinha o sexo do sujeito com uma mulher em pleno escritório, The Eye será chamado para rápida teleconferência onde recebe uma missão: figura importante do governo britânico quer que ele siga um de seus filhos, que anda gastando dinheiro demais; o figurão quer saber em que exatamente o filho está usando esse dinheiro.

         O detetive grava e filma um assassinato

The Eye então começa a seguir o rapaz, com escutas poderosas, com câmaras que gravam tudo o que se passa na casa onde está. E o que o detetive moderníssimo vê é… o filho do figurão britânico sendo assassinado brutalmente pela mulher com que ele está transando.

O normal, o lógico, seria The Eye avisar o figurão que afinal é seu superior hierárquico, pedir instruções, avisar a polícia – certo? Pois é, mas este filme não tem lógica alguma. E então The Eye não faz nada do que seria normal e lógico. Passa a seguir a mulher que matou o filho do figurão, carregando toda a sua tralha tecnológica, ouvindo e filmando tudo que a mulher faz.

A mulher, Joanna Eris – The Eye e o espectador só saberão o nome dela lá pela metade da narrativa – é interpretada por Ashley Judd, aquela gracinha. É uma mestre em disfarces, uma mestre em fugas, uma serial killer de homens que passam pelo seu caminho e por sua cama. Alguns dos homens que mata, ela mata por dinheiro – outros não, mata por … Por que, afinal? Por necessidade patológica de sair matando? Ah, sabe-se lá – o filme não tem qualquer lógica.

Por exemplo: a Joanna Eris cujo nome não sabemos ainda vai matar, aí com uns 20 minutos de ação, um sujeito que passou-lhe uma cantada num trem. Ela vai para a cabine do sujeito, trepa com ele, mata-o, sai da cabine – e a cabine do trem se enche de água até o teto.

Péra lá, como assim, a cabine do trem se enche de água? Mas não sai água pela fresta embaixo da porta? A cabine do trem é absolutamente vedada, como compartimento estanque de um submarino????

É o seguinte: o filme não tem lógica, meu. Nego que exigir verossimilhança, nego que for idiota da objetividade não vai conseguir acompanhar a história.

Vai se passando o tempo; passam-se meses, meses, meses, e The Eye vai seguindo a mulher que ainda não sabemos que se chama Joanna Eris, que se muda de Estado para Estado, através de todo aquele país gigantesco; vai seguindo a assassina e gravando e filmando tudo o que ela faz.

Mas péra lá: ele não teria que estar trabalhando para a Embaixada britânica? A tarefa dele não era seguir o filho do figurão, que está morto faz tempo? De onde ele tira o dinheiro para tudo aquilo, ao longo de meses e meses que depois serão anos e anos? Como ele faz para pagar as contas? Como é possível que ele não preste contas do que está fazendo aos seus empregadores?

Ah, mas isso é coisa de idiota da objetividade. O filme não tem lógica, e pronto.

Ah, bom, então tá.

Carece completamente de lógica – mas fascina

O mais ilógico, o mais insano de tudo foi que o filme me prendeu, me fascinou. Não pensei um momento sequer em desligar a TV e ir fazer coisa melhor.

Tirando o pequeno detalhe de que carece completamente de lógica, é um filme que fascina.

É todo cheio de truques, de criativóis, no visual, na narração.

Ué, mas eu não ando muito chegado a truques, criativóis.

Pois é – é tudo ilógico, inclusive o fato de eu ter achado o filme interessante.

Há belas sacadas. The Eye foi abandonado pela mulher, que foi embora levando a filha do casal, Lucy (interpretada por duas irmãs, Anne Marie e Kaitlin Brown). E então Lucy, o fantasma de Lucy, se intromete na narrativa, participa da narrativa, conversa com o pai, aparece junto dos personagens que o pai está fotografando, escutando, gravando. Gostei disso.

Numa determinada hora, ainda no começo da narrativa, num momento em que The Eye está gravando o que rola no apartamento alugado por Joanna Eris, Lucy se multiplica em duas, três, quatro, cantando, com uma vozinha infantil, “I wish you luck”, variação da versão em inglês do clássico “Que reste-t-ils de nos amours?”, de Charles Trenet. É uma seqüência que me encantou, me fascinou – lógica à parte.

A falta de lógica vai crescendo cada vez mais à medida em que a ação vai avançando. O detetive The Eye está apaixonado, obcecado, obnubilado (eta palavrinha maravilhosa!) pela serial killer – e vira um santo protetor dela.

É a refilmagem do francês Mortelle Randonné, de Claude Miller

Lógica à parte, Ewan McGregor, em especial, e também a gracinha Ashley Judd conseguem ótimas interpretações – e o visual do filme é caprichado, competente, envolvente, inclusive nos pequenos truques. O diretor e roteirista australiano Stephan Elliott, autor de Priscilla, a Rainha do Deserto, é um bom artesão.

Depois que terminou, vi que o filme – embora com gadgets moderníssimos, tecnologia de ponta – já é antigo, de 1999. Baseia-se num livro de um sujeito chamado Marc Behm, que já havia sido filmado na França por Claude Miller, em 1983; no filme original, Mortelle Randonné, a viúva negra serial killer foi interpretada por ninguém menos que Isabelle Adjani – e, diante de Isabelle Adjani, a gracinha da Ashley Judd é assim, digamos, algo tipo The Monkees comparado aos Beatles, ou Jorge Aragão comparado a Noel Rosa, ou Luiz Ayrão comparado a Caetano Veloso. Michel Serrault fazia o detetive que se apaixona pela sua presa e vira seu anjo da guarda.

Pensando bem, a rigor, este Sedução Fatal é assim uma espécie de filme de quem, em vez de se chapar com um ácido de primeira, engoliu uns cogumelos meio chinfrins, e ficou doidão pela metade.  

“Estranhamente assistível confusão”

Outras opiniões, pelamordedeus.

Leonard Maltin resumiu uma impressão que – interessante, inesperadamente – se parece com a minha. Deu 1 estrela e meia (em 4): “Terrível mas estranhamente assistível confusão com detetive high-tech McGregor seguindo a sensual serial killer Judd através dos Estados Unidos – e apaixonando-se por ela ao longo do processo. Funciona como um videoclip voyeurístico.”

Por que será que os caras conseguem resumir em duas frases o que levo 200 linhas para tentar dizer? É exatamente isso: é uma confusão, é terrível, mas, estranhamente, é assistível – e funciona como um clip.

k.d.lang, a fascinante cantora canadense mais macha que John Wayne, brilha num papel secundário, como uma funcionária de posto chave nas comunicações da embaixada britânica. Grande k.d.lang. Pena que ela não cante no filme.

E esse videoclip voyeurístico vai terminar com a música que o fantasma da filha do protagonista havia cantado, “I wish you love”.

A canção clássica de Trenet, que teve trocentas gravações na bela versão em inglês feita por Albert Beach – por, entre outros, Frank Sinatra, Chet Baker, Dean Martin, Rosemary Clooney, Nancy Wilson, Laura Fygi, Michael Bubble – encerra o filme na voz de Chrissie Hynde, a líder dos Pretenders. Não me pareceu uma gravação especialmente boa – acho Chrissie muito roqueira para uma canção tão suave, tão doçamarga –, mas é bela, de qualquer forma.

Interessante: “I wish you Love” seria usada como encerramento de Terapia do Amor/Prime, de 2005, uma maravilha de comédia romântica, doçamarga como a canção. O final de Terapia de Amor parece ter sido feito para se encaixar no que diz a letra da versão em inglês do clássico de Trenet: caso de amor terminado (e o que se pode dizer, quando termina um caso de amor? porque o amor é a coisa mais triste quando se desfaz), o (ou a) ex-amante deseja para a (ou o) ex-amante tudo de bom na vida. Carinhosamente, delicadamente, doçamargamente, deseja tudo de bom na vida: “I wish you health, and more than wealth, I wish you love”.

Te desejo saúde e, mais do que riqueza, te desejo amor.

Ah, cacilda, o sujeito que escreveu isso merece poltrona especial no céu, à direita do Criador. 

E então, voltando ao filme. Interessante: o que se vê na tela ao som de “I wish you love” é o contrário do que diz a letra da canção.

Não tenho idéia de como terá sido o filme original de Claude Miller. Mas, sobre esta refilmagem anglo-canadense, posso dizer: não era um cogumelo bom, o que o diretor-roteirista andou comendo.

Sedução Fatal/Eye of the Beholder

De Stephan Elliott, Inglaterra-Canadá, 1999

Com Ewan McGregor (Eye), Ashley Judd (Joanna Eris), Patrick Bergin (Alex Leonard), k.d. lang (Hilary), Jason Priestley (Gary), Geneviève Bujold (Dra. Brault) 

Roteiro Stephan Elliott

Baseado no livro de Marc Behm

Fotografia Guy Dufaux

Música Maruis de Vries

Produção Ambridge Film Partership

Cor, 109 min; nos EUA, foi exibida versão de 101 min

**

Título em Portugal: Um Olhar Obsessivo

8 Comentários para “Sedução Fatal / Eye of the Beholder”

  1. Pretendo fazer aquisição do Filme especoficado. Dentre Outros: Conquistando Londres; Um Novo Amigo: Um Plano para a Hora do Sim; A Batalha de Mary Kay etc. Atenciosamente. Lúcia Teixeira

  2. Foi bem isso que senti quando assisti a alguns anos atrás, não entendia como eu podia estar interessada em assistir algo tão sem sentido

  3. Você assistiu esse filme legendado? Sabe onde conseguir legendas para esse filme?

    Gostei muito do seu post, informação com diversão. Mas só pelo McGregor, eu daria 3 de 4, como nota.

  4. Lara, fui checar, e vi este filme na TV a cabo, no Telecine Action. Estava, é claro, legendado. Mas não sou bom nessa coisa de baixar filmes pela internet, e então não vou poder ajudar você.
    Um abraço.

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