2.5 out of 5.0 stars
Anotação em 2010: Um filme para platéias infanto-juvenis com um bando de monstros – tipos esquisitíssimos de monstros, grandes bonecos peludos de boca enorme, numa história com uma lógica diferente da normal, uma lógica de sonhos, ou de histórias fantásticas, à la Alice no País das Maravilhas. Foi um grande acerto dos produtores a escolha de Spike Jonze para dirigir este Onde Vivem os Monstros.
Spike Jonze é especialista em histórias com lógica diferente da normal. Depois de dirigir videoclips de grupos e cantores de rock como Sonic Youth, R.E.M. e Björk, o garotão nascido em 1969 chegou ao cinema dirigindo Quero Ser John Malkovich/Being John Malkovich, de 1999, baseado no roteiro mucho loco de Charlie Kaufman sobre um artista de marionetes que descobre um portal que vai dar dentro da cabeça do ator mais careteiro que o cinema já viu. Em 2002 filmou outro roteiro doidão de Kaufman, Adaptação. Em 2008, produziu a estréia de Kaufman na direção, Synecdoche, New York, uma espécie assim do Oito e Meio de Fellini revisto com uma realidade que não é esta em que vivemos nós, os seres humanos “normais”, ou quase isso.
Era o sujeito certo para dirigir a adaptação para o cinema do livro infanto-juvenil de Maurice Sendak, lançado originalmente em 1963 e tido hoje como um clássico.
As histórias mais loucas tratadas como se fossem normais
A característica típica de Jonze, na minha opinião, é tratar as histórias mais surrealistas, mais doidonas, mais inverossímeis, como se estivesse filmando uma banal trama realista. É exatamente o que faz aqui. Os primeiros dez, 15 minutos do filme, mostram o dia a dia nada estranho – muito ao contrário, absolutamente rotineiro, normal – de um menino de dez anos, Max (Max Records). Max é um garoto inteligente, sensível, imaginativo, um tanto rebelde, um tanto pentelho, que inferniza bastante a vida da mãe (interpretada por Catherine Keener, a atriz principal de Being John Malkovich). Depois de uma das brigas com a mãe, o garoto foge de casa – e, como se isso fosse a coisa mais natural do mundo, entra num barco e vai parar numa terra habitada por bichos, monstros, cuja aparência segue à risca os desenhos, as ilustrações do livrinho infanto-juvenil.
É tudo maravilhosamente bem feito. Mas confesso que, como no momento em que me sentei para ver o filme eu estava sem qualquer contato com meu lado infanto-juvenil, apertei seguidas vezes a tecla de fast forward do DVD. Motivo pelo qual me fio no comentário feito na boa revista da 2001 Vídeo, que em geral traz ótimas apreciações em textos corretíssimos:
“Com poucas sentenças de texto, o livro deve muito de seu encanto às ilustrações de página quase inteira, inspiração para a elaborada concepção visual da adaptação cinematográfica dirigida por Spike Jonze. Filmado na Austrália com bonecos em tamanho real, o filme é uma tradução fiel do universo de Sendak, com cada ser fantástico do título representando um traço da personalidade humana. Mas, ao acentuar as complexas emoções desses personagens, o filme assume tom depressivo que pode afastar as crianças, trazendo mais atrativos para o público adulto.”
Diz o AllMovie: “Uma mistura de atores reais, animação computadorizada e marionetes, Where the Wild Things Are segue as aventuras de um garoto chamado Max, que entra no mundo das Coisas Selvagens, uma raça de estranhas e enormes criaturas que gradualmente transformam o menino em seu rei”.
Insensível à beleza visual do filme, aos personagens fantásticos, à música de Carter Burwell, o compositor dos filmes dos irmãos Coen, eu torcia loucamente para que o chato do Max voltasse logo pra casa.
Onde Vivem os Monstros/Where the Wild Things Are
De Spike Jonze, EUA-Alemanha, 2009
Com Max Records (Max), Catherine Keener (a mãe), e as vozes de James Gandolfini (Carol), Paul Dano (Alexander), Catherine O’Hara (Judith), Forest Whitaker (Ira), Chris Cooper (Douglas)
Roteiro Spike Jonze e Dave Eggers
Baseado no livro de Maurice Sendak
Fotografia Lance Acord
Música Carter Burwell e Karen O
Produção Legendary Pictures, Playtone Pictures, Village Roadshow Pictures
Cor, 104 min
**1/2
Título em Portugal: O Sítio das Coisas Selvagens
Eu gostei muito deste filme, talvez porque o tenha visto em um avião voltando pra casa. Gostei da ausência de sentido, do tom meio mórbido, das cores predominantemente áridas, da ausência de explicações óbvias e moral da história. Não vi como um filme infanto-juvenil, pareceu-me, ao contrário, um filme diverso disto, raro nos tempos pasteurizados de hoje. Mas não me agrada discordar de você(s), então vou tratar de ver de novo qualquer dia e desgostar um tantinho…
Delícia de comentário este seu, Luciana. Mas acho que você deveria, sim, discutir comigo – enriqueceria muito este sitezinho… E vou imitar você: quem sabe vejo de novo qualquer dia para gostar da ausência de sentido, o tom meio mórbido…
Um abraço, e obrigado.