Anotação em 2010: Não é muito simples definir o gênero deste filme que reúne as estrelas Sophie Marceau e Monica Bellucci. É um drama com jeito de terror psicológico e um pezão no surrealismo mas que depois tenta uma volta ao mundo da lógica pão-pão, queijo-queijo.
É uma grande bobagem, na minha opinião.
Claro, tem a beleza das duas estrelas. A beleza fica um tanto obscurecida porque as personagens sofrem demais, estão sempre angustiadas demais, mas Monica Bellucci, em especial, é aquela beleza estonteante que resiste a qualquer careta de angústia.
É um filme caprichado em todos os quesitos técnicos: bela fotografia, ótima direção de arte, trilha sonora impressionante. O problema é a trama, a história. Na minha opinião, é claro; nada impede que outras pessoas gostem.
É assim: quando a ação começa, Jeanne (Sophie Marceau), bela mulher, casada, mãe de dois filhos, autora de sucesso de vários livros sobre acontecimentos históricos, não-ficção, está indo conversar com seu editor sobre sua nova obra, um romance, na verdade uma autobiografia disfarçada em romance. O editor desanca com o texto: diz que é tudo muito ruim, que Jeanne deveria voltar ao que sabe fazer muito bem, a não-ficção.
Jeanne vai mal, mas muito mal, mas mal demais. Está angustiada porque seu livro não agradou ao editor; queria, com o livro, buscar as memórias de sua infância – mas ela não se lembra de nada que aconteceu em sua vida antes que tivesse oito anos de idade.
Pior: ela começa a estranhar tudo dentro de sua própria casa. Não reconhece a posição dos móveis, não reconhece as roupas que tem no armário, não vê graça no que o marido e os filhos fazem. É como se estivesse literalmente enlouquecendo, perdendo a razão, perdendo o chão sob seus pés, passando por uma grave crise de identidade, não sabendo mais quem é.
Lá pelas tantas, o rosto e o corpo de Jeanne se transfiguram – passam a ser, em vez do rosto e do corpo que ela conhecia, de Sophie Marceau, o rosto e o corpo de Monica Bellucci.
Epa!
Duas mulheres em um único corpo, uma alma em dois corpos
No cartaz do filme e na capa do DVD, vemos as duas atrizes vestidas exatamente da mesma forma. Se o espectador reparar atentamente, verá que, nos créditos iniciais – uma série de tomadas em close-up e super-hiper-close-up de Sophie Marceau no banheiro, tomando banho, se maquiando, se preparando para sair de casa –, o nome de Monica Bellucci como que sai do nome de Sophie Marceau. Exatamente como as tantas cenas que já vimos em tantos filmes que mostram um corpo saindo de dentro de outro, ou a alma saindo de dentro do corpo.
A Carruagem Fantasma, que Victor Sjöström fez em 1927, já tinha isso; em Além da Eternidade/Always, de 1989, Spielberg fez isso numa seqüência extraordinária, em que vemos a figura de um homem caído na estrada, vítima de um ataque cardíaco, saindo do chão e pondo-se de pé, olhando para o corpo de si próprio sendo atendido por pessoas que tentavam reanimá-lo.
A jovem diretora deve ter visto Kieslowski demais
Vejo agora, depois de escrever os parágrafos acima, que o iMDB (que em setembro de 2010 passou por uma repaginação geral e ficou ainda melhor, se é que isso é possível) classifica o filme como drama-horror-mistério-thriller. É isso mesmo. Filme de difícil classificação.
Vejo lá também que a diretora Marina de Van é uma jovem nascida em 1971, que estudou Filosofia na Sorbonne e cinema na Femis. Trabalha também como atriz e roteirista. Fez vários curtas; seu primeiro longa foi feito em 2002, Dans Ma Peau. Este aqui é seu segundo longa, e ela assina também o roteiro, juntamente com Jacques Akchoti.
Imagino que ela tenha visto várias vezes A Dupla Vida de Veronique, de Krzysztof Kieslowski, em que a mesma atriz, a maravilhosa Irene Jacob, está no corpo de duas mulheres, uma francesa, uma polonesa.
Então tá bom.
Encontro com o Passado/Ne te Retourne Pas
De Marina de Van, França-Itália-Luxemburgo-Bélgica, 2009
Com Sophie Marceau (Jeanne), Monica Bellucci (Jeanne), Andrea Di Stefano (Teo / Gianni), Thierry Neuvic (Teo no. 2), Brigitte Catillon (Nadia / Valérie), Sylvie Granotier (Nadia no. 2), Augusto Zucchi (Fabrizio)
Fotografia Dominique Colin
Música Luc Rollinger
Produção Agat Films & Cie, Ex Nihilo, Wild Bunch
Cor, 111 min
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Título em inglês: Don’t Look Back
Tem toda razão. Não consegui passar de 30 munutos vendo o filme.
Maravilhoso mas não é para qualquer um .