2.5 out of 5.0 stars
Anotação em 2010: Ver hoje, pela primeira vez, A Grande Testemunha/Au Hasard Balthazar, o filme de Robert Bresson de 1966, é uma experiência ao mesmo tempo fascinante, estranha – e põe estranha nisso – e um tanto dolorosa, penosa.
Bresson é uma das muitas falhas do meu conhecimento sobre cinema, e uma das mais graves. Sempre ouvi falar de Bresson – autor famosíssimo, respeitadíssimo, dono de um estilo único, católico devoto, que faz filmes dentro de uma visão católica do mundo –, desde as aulas sobre cinema dadas por bons críticos e estudiosos em Belo Horizonte, nos anos 60, pessoas cultíssimas, apaixonadas pelo cinema francês, que tinham como sua Bíblia os Cahiers du Cinéma.
Há décadas, então, conheço a aura em torno de Bresson – mas acho que nunca tinha visto um filme dele. Falha, e grave. Por isso peguei para ver Au Hasard Balthazar.
Truffaut era apaixonado por Bresson; descreveu sua trajetória como “bizarra”, e se disse emocionado pela musicalidade dos filmes do cineasta. “É verdade que Bresson freqüentemente começa seus filmes focalizando maçanetas e cintos, decapitando as pessoas”, escreveu Truffaut, em 1977, “mas não será isso para economizar, atrasar, para fazer esperar, preservar, para fazer desejar e, finalmente, mostrar o rosto no momento em que ele se torna importante, no momento em que esse belo rosto, mais uma vez insisto na beleza, em que esse belo rosto inteligente fala com doçura, gravidade, como se a pessoa falasse consigo mesma?”
“Falou-se que seu ideal era uma tela branca com voz em off lendo Descartes”
Bresson nasceu em 1907; foi pintor antes de se dedicar ao cinema, no qual começou como roteirista. Seu primeiro filme foi feito na França ocupada pelos nazistas, e o segundo, no ano em que terminou a Segunda Guerra: Anjos do Pecado é de 1943, e As Damas do Bois de Boulogne, de 1945. Jean Tulard começa o verbete sobre ele no seu Dicionário com uma fina ironia: “Falou-se que seu ideal era uma tela branca e uma voz monocórdica lendo em off Le Discours de la Méthode de Descartes.”
Transcrevo mais do que Tulard escreveu: “Preocupado em trabalhar com atores não-profissionais, que se curvam com mais facilidade às suas exigências, orientando-se no sentido de uma desdramatização total e de um despojamento quase ascético, produzia filmes de um acesso cada vez mais difícil. Truffaut nota que ‘seu cinema está mais próximo da pintura do que da fotografia’ e Jean Mitry observa que Bresson é ‘o estilista mais jansenista do cinema francês. Tem uma tendência à abstração e à universalização. Sua temática essencial consiste no tema visual das paredes nuas, tema espiritual correlativo à pureza.’”
(Recorro à Wikipedia. “O jansenismo é um movimento religioso, e depois político, que se desenvolveu nos séculos XVII e XVIII, principalmente na França, em reação a certas atitudes da Igreja católica e ao absolutismo real. É uma reflexão teológica centrada sobre o problema da graça divina, antes de se transformar numa força política que se manifesta de formas variadas.”)
“Produzia filmes de um acesso cada vez mais difícil.” No seu Dicionário de Cineastas, Rubens Ewald Filho diz a mesma coisa de uma forma mais crua: “Os críticos o adoravam, o público o detestava”.
Os filmes de Bresson – diz o livro 501 Movie Directors – “colocam questões fascinantes de estrutura e significado. Frugais na mise-en-scène, com seus momentos dramáticos muitas vezes descontextualizados, os personagens reduzidos a presenças físicas enigmáticas, os filmes de Bresson desconstroem quase completamente as expectativas do espectador por um significado cinemático”
O filme é a história de Balthazar, um burro
Praticamente tudo o que os doutos senhores falaram aí em cima está presente em Au Hasard Balthazar. Para começar do começo, é preciso lembrar que au hasard significa ao acaso. O título original do filme, portanto, significa Ao Acaso Balthazar. Tipo assim: poderíamos estar falando de qualquer coisa – ao acaso, escolhemos falar de Balthazar. O filme é a história de Balthazar.
Balthazar é um burro. Au Hasard Balthazar conta a vida de um burro, desde sua tenra infância até a sua morte.
Balthazar às vezes ganha afagos, mas na maior parte do tempo apanha, é maltratado, espancado; Balthazar, o burro, tem uma vida de cão, uma vida de burro de carga.
Não há atores profissionais. São pessoas do povo, sem experiência dramática – e isso é absolutamente visível. É para desdramatizar; o distanciamento brechtiano elevado à enésima potência. E Bresson põe seus atores não-profissionais para atuar não-profissionalmente, demonstrando o tempo todo que não são atores profissionais, que são atores que não sabem atuar.
Sim, as tomadas não são as convencionais. Como diz Truffaut, Bresson de fato focaliza maçanetas, gavetas, chão, paredes, portas. Um tanto natureza morta. Afinal, o cara tinha sido pintor, e pintor adora uma natureza morta. E, sim, a câmara de Bresson decapita as pessoas; há diversas tomadas de pés. Há diversas tomadas de plano americano invertido, com os pés ocupando o lugar em que nos planos americanos normais ficam as cabeças: vemos os pés das pessoas – e dos animais – e as pernas até os joelhos. Os rostos não importam tanto.
As pessoas não importam muito – são coadjuvantes
A rigor, as pessoas não importam muito, em Au Hasard Balthazar. As pessoas são coadjuvantes – o protagonista é Balthazar.
A rigor, bem a rigor, não há a mínima preocupação de fazer dos coadjuvantes bípedes e falantes, que não importam tanto, personagens inteligíveis. Pode ser debilidade mental minha, mas confesso, candidamente, que não consegui entender os personagens humanos, o que eles são, como é a trajetória de suas vidas, suas motivações.
Pego o exemplo de Marie (na foto), a personagem mais importante do filme depois de Balthazar. Quando o filme começa, Marie é uma garotinha de uns seis anos de idade; ela e Jacques (Walter Green) são namoradinhos, brincam juntos; apegam-se bastante, os dois, ao jovem burrinho, que batizam como Balthazar. Percebemos – nada é dito claramente; temos que perceber, intuir, adivinhar, imaginar o que está acontecendo – que Jacques é da cidade, passa as férias no campo, onde vive Marie. Jacques é filho de gente rica, Marie é filha de um professor da escola do vilarejo do campo.
O tempo passa – claro, o tempo passa sempre, mas Bresson, o que desdramatiza, o que persegue um despojamento quase ascético, o que gostaria de fazer um filme inteiro com a tela em branco e uma voz em off recitando Descartes, se dá ao luxo de meter a frase “Os anos passam” em um grande letreiro, depois que já havíamos visto uma seqüência da vida de Balthazar que sobejamente já havia demonstrado que os anos passaram.
Marie é agora uma jovem no final da adolescência. Seu pai foi acusado de alguma coisa que não ficamos jamais sabendo exatamente o que é; intuímos que ele foi acusado de ter feito alguma coisa prejudicial aos interesses do pai de Jacques. Há uma disputa na Justiça. Jacques aparece; continua apaixonado por Marie, quer ajudar o pai dela; o pai o expulsa, não sabemos exatamente por quê.
Surge na história uma turba de bad boys, uma turma de juventude transviada, chefiada por Gérard (François Lafarge), um sujeito um tanto bonitão e absolutamente perverso. Ele espanca Balthazar, põe fogo no rabo de Balthazar para desempacar o burro, e depois vai atrás de Marie; Marie chora muito quando ele bota a mão nela, mas em seguida se entrega a ele – e aí fica perdidamente apaixonada por ele, mesmo sabendo que o cara é um mau caráter do cão.
Quem é Marie? Por que ela age dessa maneira tão absolutamente errática? Quais são suas motivações? Não tenho a menor idéia. Se alguma boa alma souber, pelamordedeus, que mande um comentário me explicando.
Uma coisa sei dizer, com toda certeza. Anne Wiazemsky, a não-profissional escolhida por mestre Bresson para fazer o principal papel humano da história, bonitinha, atua como se estivesse pensando em alguma outra coisa muito distante. Mais ou menos assim como um funcionário público atrás de um guichê que quando a gente chega para falar de algo muito importante, que está atormentando a nossa vida, tem tanto interesse em nos ajudar quanto uma tartaruga morta.
Anne Wiazemsky, nascida em Berlim em 1947, de fato não tinha experiência como atriz ao fazer Au Hasard Balthazar, aos 19 anos de idade. Mas a partir daí firmou-se como atriz; conheceu Jean-Luc Godard, apaixonaram-se, ela trabalhou em vários filmes dirigidos por ele.
O que será que mestre Bresson quis nos dizer?
Ao fim e ao cabo, o que será que Bresson quis dizer com a história de, ao acaso, Balthazar? Que os seres humanos são erráticos, tolos, ambiciosos, egoístas, e muitas vezes extremamente cruéis? Pode ser – mas, sim, bem, disso a gente já sabia, né?
Como eu sou um burro, um jumento…
Aliás, qual será a diferença? Âne, a palavra francesa que designa o que é Balthazar, no dicionário aparece como burro, jumento. Num outro dicionário, burro aparece como sinônimo de asno, mas jumento não aparece. E Jacques Demy fez Peau d’Âne, que no Brasil chamou Pele de Asno – um filme produzido por Mag Bodard, que também produziu este Au Hasard Balthazar.
Então, como sou um burro, um jumento, um asno, e não consegui compreender o que, afinal de contas, ao fim e ao cabo, Bresson quis dizer com o filme, vou a outras opiniões.
Jean Tulard, de novo, desta vez em seu Guide: “A vida do âne (burro, jumento, asno?) Balthazar, que vai de dono a dono, às vezes amado, às vezes maltratado. A magia bressoniana no seu apogeu. Uma obra despojada, grave e comovente. Ela deixará desorientados alguns, mas seduzirá outros pela simplicidade da história.” Três estrelas em quatro.
Georges Sadoul, no seu Dicionário de Filmes: “O jumento (jumento! mas não é burro ou asno?) Balthazar, recolhido por uma moça (Anne Wiazemsky) é perseguido e morre. ‘O jumento ocupa lugar de destaque nos dois Testamentos. Ao mesmo tempo, conduz o erotismo grego. Sua candura e simplicidade o opõem a nosso orgulho, nossa avareza, nossa necessidade de fazer sofrer, nossa sensualidade.’ (Robert Bresson.) Uma apaixonante narrativa picaresca, ‘nem Racine, nem cruel’, mas sempre muito atraente, graças à arte do narrador Robert Bresson.”
Encontro no AllMovie um longo elogio ao filme escrito por Wheeler Winston Dixon. Ele explica para mim o que Bresson quis dizer: ao enfrentar estoicamente todas as dificuldades da vida, Balthazar passa a merecer o paraíso.
Epa! Então é isso, é? Quem enfrenta estoicamente todas as dificuldades da vida passa a merecer o paraíso. Ah, bom…
“Muito tem sido escrito sobre este filme, e ele permanece tão poderoso hoje quanto era quando foi lançado”, continua o AllMovie; “ele nos faz lembrar um tempo em que filmes de considerável ambição artística poderiam ainda conseguir retorno razoável nas bilheterias, ao contrário de hoje. No clima de blockbusters do cinema do século XXI, Au Hasard Balthazar parece um milagre, um sopro de ar fresco de outro tempo e lugar, em que a originalidade artística e o espírito humano eram igualmente valorizados.”
Então tá.
A Grande Testemunha/Au Hasard Balthazar
De Robert Bresson, França-Suécia, 1966
Com Anne Wiazemsky (Marie), Walter Green (Jacques), Jean-Claude Guilbert (Arnold), Pierre Klossowski
Argumento e roeiro Robert Bresson
Fotografia Ghislain Cloquet
Música Jean Wiener
Produção Mag Bodard
P&B, 95 min
**1/2
Título em inglês: By Chance Balthazar
Sérgio, como você sempre diz: em cada cabeça uma sentença, um entendimento, um julgamento. Roger Ebert, por exemplo, um dos grandes críticos norte-americanos, deu quatro estrelas em quatro para o filme e “A Grande Testemunha/Au Hazard, Balthazar”, está no seu livro “Grandes Filmes” (editora Ediouro, 2005, pág.234). Ele escreve uma bela resenha que, com sua permissão, reproduzo aqui:
“Robert Bresson é um dos santos do cinema e “Au Hasard Balthazar” (1966), sua oração mais comovente. O filme acompanha a vida de um burrinho desde o nascimento até a morte, atribuindo-lhe o tempo todo a dignidade de ser ele mesmo: um animal irracional, nobre em aceitar uma vida sobre a qual não tem controle. Balthazar não é um daqueles animais de desenho animado que falam e cantam, mas sim um ser humano com quatro patas. Balthazar é um burrinho, nada mais.
Primeiro vemos Balthazar como um recém-nascido, vacilante nos primeiros passos instáveis, e há uma cena que fornece uma pista para o resto do filme: três crianças borrifam água sobre sua cabeça e o batizam. Talvez Bresson esteja sugerindo que embora a igreja ensine que só os seres humanos podem entrar no reino dos céus, perto de Deus há um lugar para todas as criaturas.
A infância de Balthazar se passa em uma fazenda na zona rural francesa onde se transcorre toda a ação; o burrinho pertencerá a muitas pessoas do local e voltará à posse algumas por mais de uma vez. Umas são boas, mas todas imperfeitas, embora haja um bêbado que, apesar de seus outros pecados, não não é cruel ´nemn negligente para com o animal.
A primeira dona de Balthazar é Marie ( Anne Wiazemsky ), que lhe dá o nome. Marie é filha do mestre-escola local, e Jacques (Walter Green), seu companheiro de brincadeiras; eles combinam um dia se casar. A mãe de Jacques morre, e o pai, eenlutado, deixa a região, confiando sua fazenda ao pai de Marie (François Lafarge), em quem deposita total confiança.
Marie adora Balthazar e se distrai decorando-lhe a testeira com flores do campo, mas nada faz para protegê-lo quando os meninos mdo local o atormentam. O líder dessa gangue é Gerard (François Lafarge), e durante a missa, quando Marie olha para o coro da igreja e vê Gerard cantando, ele traz maldade até para as palavras sagradas.
O pai de Maria é vítima do pecado do orgulho. Embora tenha administrado a fazenda com perfeita honestidade, depois que vizinhos ciumentos espalham boatos de que está roubando o proprietário, recusa-se a apresentar registros e recibos para comprovar sua inocência. Para desespero da mãe de Marie ( Nathalie Joyaut), ele insiste na teimosia até falir. Balthazar passa a pertencer ao padeiro loca, cujo filho (nada menos que Gérard) o utiliza para entrar pão. Gerard maltrata e abusa de Balthazar, que afinal simplesmente se recusa a andar. Gerard reage tocando fogo em um jornal que amarrou à cauda de Baltazar. Finalmente, devido às maldades de Gérard, o jumento desfalece e fala-se em abatê-lo.
Porém, Arnold ( Jean-Claude Guilbert), o bêbado da cidade, salva o animal., o reanima, e Balthazar desfruta de um breve momento de glória ao ser contratado como animal de circo – o Burro Matemático, que consegue fazer contas de multiplicar. Esta vida logo termina quando Balthazar passa à propriedade de um recluso, depois volta sozinho para o estábulo onde iniciara sua vida, e ali afinal reencontra o pai de Marie e a própria Marie.
Mas não se trata de um fim sentimental. Marie é uma jovem fraca: quando o sincero Jacques retorna rapaz para dizer que ainda a ama, ela o rejeita. Prefere Gerard, que a maltrata, mas parece fascinante com a jaqueta de couro e a motocicleta. O que vemos através dos olhos de Balthazar é uma aldeia repleta de pessoas mesquinhas, imperfeitas e fracas, em um mundo onde a doçura é rara , e a crueldade, fácil. É o que vemos – mas o que Balthazar vê? O genial na abordagem de Bresson é jamais nos propiciar um só momento que se possa descrever como uma “tomada de reação” de Balthazar.No cinema, outros animais talvez revirem os olhos ou dêem coices, mas Balthazar apenas anda ou espera, observando tudo com a clareza de um jumento que se reconhece como um animal de carga, cuja vida consiste em aguentar ou não aguentar, sentir dor ou não sentir dor, ou até mesmo sentir prazer. Tudo isso igualmente além de seu controle.
No entanto, há o zurro de Balthazar. Não é um som bonito, mas é o som que um burro pode fazer; para alguns o zurro de Balthazar pode soar como uma queixa pungente, mas para mim soa como um animal que recebeu o dom de produzir um único som neste mundo e sente algum prazer nisso. É importante notar que Balthazar jamais zurra no momento certo, reagindo a acontecimentos específicos; isso o transformaria num animal de caricatura.
Embora o jumento não tenha como revelar seus pensamentos, isso não nos impede de imaginá-los; olhamos aquela cara peluda, de manchas brancas e olhos grandes, e nos sentimos solidários com todas as experiências vividas pelo burrinho. É este o propósito educativo e até mesmo espiritual de muitos filmes de Bresson; devemos ir ao encontro dos personagens, em vez de, passivamente, deixar que eles venham até nós. Na maior parte dos filmes, tudo é feito para o público. Somos instigados a rir ou chorar, a ter medo ou sentir alívio; Hitchcock chamava o cinema de máquina de provocar emoções no público. Bresson (e Ozu) adotam uma abordagem diferente. Observam e nos pedem para observar com eles e tirar nossas próprias conclusões sobre os personagens. É o cinema da empatia. Vale notar que tanto Ozu quanto Bresson utilizam severas restrições estilísticas para evitar influir em nossas emoções. Em seus filmes sonoros, Ozu raramente movimenta a câmera; cada plano é enquadrado e mantido; e com frequência inicia antes da entrada dos personagens em cena e continua depois que estes saem.
A restrição mais intrigante de Bresson é proibir que os atores interpretem. Sabe-se que ele filmou a mesma cena dez, vinte e até cinquenta vezes, para eliminar toda a “atuação” e perceber que os atores apenas executavam as ações físicas e diziam as palavras. Em seus filmes não há espaço para De Niro ou Penn. O resultado poderia parecer um filme cheio de zumbis, mas ao contrário: ao reduzir a representação ao movimento e à palavra, sem permitir inflexões ou estilos, Bresson consegue uma espécie de pureza que torna seus filmes notavelmente tocantes. Os atores retratam vidas sem nos informar como nos sentir a respeito delas; forçados a decidir por nós mesmos como sentir, forçados a decidir sozinhos o que sentir, forçados à empatia, muitas vezes nossos sentimentos surgem mais fortes do que se os atores os indicassem para nós.
Graças a essa filosofia, um burrinho se torna o personagem perfeito de Bresson. Balthazar não tenta nos comunicar suas emoções e comunica seus sentimentos físicos apenas em termos universais: coberto pela neve, sente frio. A cauda queimada o apavora. Comer o deixa contente. Sobrecarregado, fica exausto. Volta para casa e sente alívio por encontrar um lugar conhecido. Embora alguns humanos sejam bons para ele e outros cruéis, os motivos dos humanos estão além de sua compreensão, e ele aceita o que fazem porque deve aceitar.
Eis o essencial: Bresson sugere que todos nós somos Balthazares. Apesar de termos sonhos, esperanças e melhores planos, o mundo acabará agindo conosco como bem quiser. Por sermos capazes de pensar e raciocinar, acreditamos poder imaginar uma saída, encontrar uma solução, obter a resposta. Porém a inteligência nos dá a capacidade de compreender nosso destino sem o poder de controlá-lo. Ainda assim, Bresson não nos deixa de mãos vazias: oferece a sugestão de empatia. Se formos solidários para com o sentimentos alheios, poderemos obter o consolo de compartilhar da experiência humana, em vez e suportá-la na solidão.
A cena final de “A Grande Testemunha/Au Hasard Balthazar” mostra lindamente este argumento. Já velho e perto de morrer, o burrinho perambula em meio a um rebanho de ovelhas – como, de fato, começou a vida. Os outros animais vão e vêm, às vezes o ameaçam com o focinho, pouco se apercebem dele, aceitam aquele companheiro com o qual compartilham o pasto e a luz do sol. Balthazar deita-se e morre, enquanto os carneiros continuam em suas atividades. O burrinho encontrou, afinal, um lugar onde os pensamentos das outras criaturas coincidem com os seus.”
Excelente comentário, Elói.
Excelente filme
Bresson sempre nos interpela sobre a condição humana.
Os personagens nos atraem pela maneira que atuam , ação e palavra que deixam espaços vazios a nossa interpretação
Amei a crítica de Sérgio Vaz.
Ao assistir ao filme, senti-me exatamente da maneira como ele o encarou!
A crítica valeu tanto quanto a película!
Parabéns!