Um Homem Bom / Good


3.0 out of 5.0 stars

Anotação em 2009: Este é um filme pesado, muito pesado, inquietante, perturbador. O tema é um dos mais complexos, difíceis: como é possível que pessoas boas, honestas, de bom caráter, possam pouco a pouco abrir mão de suas convicções e acabem aderindo a uma ideologia nojenta, abjeta, cruel, assassina?

John Halden, o personagem interpretado por Viggo Mortensen, é de fato um homem bom. Professor de literatura na universidade, enfrenta com coragem e determinação, sem se queixar, os problemas em casa, que não são poucos: a mãe (Gemma Jones) é doente, dependente dele, sempre requerendo sua atenção; a mulher, Helen (Anastasia Hile), ao contrário, é um tanto avoada, vive num mundo só seu, tocando muito mais o piano que a vida prática, deixando para o marido os trabalhos na cozinha e no acompanhamento da educação dos dois filhos.

Acontece que John vive na Alemanha na década de 30 – a ação começa em 1937, volta para 1933, depois avança até 1942. Para quem eventualmente não se lembrar das datas, em 1933 a Alemanha já era governada por Hitler; em 1939 começou a Segunda Guerra.

 O sogro de John o avisa várias vezes, ainda em 1933: sua carreira na universidade estará seriamente comprometida se ele não se filiar ao partido nazista.

 A princípio, ele resiste. Não é um nazista, não simpatiza com o partido. Seu maior amigo, Maurice – os dois tinham lutado juntos no exército do Kaiser na Primeira Guerra, a de 1914-1918 –, é judeu; Maurice é um psiquiatra respeitado, com bastante dinheiro, tão alemão quanto John, conforme ele mesmo diz, mas é judeu num país em que o governo instiga cada vez mais o anti-semitismo.

O ano de 1933 foi um período bastante conturbado na vida de John. As coisas em casa não estavam bem; ele estava escrevendo um romance, uma história em que um homem mata a mulher por amor, para livrá-la do sofrimento insuportável de uma doença fatal; uma garota jovem, bonita, fascinante, Anne (Jodie Whittaker, na foto abaixo), começa a freqüentar as aulas dele, insinua-se para ele; tornam-se amantes. Envolvido até o pescoço nas coisas da sua vida pessoal, John, um homem bom, professor de literatura, humanista, não consegue sequer reagir quando os nazistas começam a queimar livros tidos como contrários à ideologia do Reich. Não reage sequer quando o chefe de seu departamento o aconselha a tirar do currículo alguns autores não aprovados pelo regime, como Proust.

Numa seqüência forte, marcante, John e Anne estão em um parque, e há uma grande agitação porque haverá em seguida uma parada nazista; as pessoas passam correndo para ver a parada. Anne pede a ele para irem ver; ele não quer, ele é contra tudo aquilo, embora na prática não faça nada para combater o avanço das sombras. Então Anne diz a frase emblemática:

– “Uma coisa que faz as pessoas tão felizes não pode ser ruim, pode?”

O filme abre em 1937, quando John está sendo chamado à Chancelaria, a sede do governo; um funcionário que responde a Goebbles, o encarregado da propaganda nazista, faz perguntas a ele sobre o livro que escreveu, a história de amor. John pisa em ovos – acha que poderá ser repreendido por algum crime. É o contrário: a idéia da eutanásia contida no livro agradou ao Fürher em pessoa, diz o funcionário; será que o professor Halden não gostaria de escrever um ensaio sobre o assunto?

Uma resposta sim significa dinheiro, promoção profissional, poder – e para o lixo todas as convicções. A resposta não seria um respeito à coluna vertebral, aos ideais, aos sentimentos daquele homem – e sua miséria na sociedade, ostracismo, perda de emprego, todo tipo de dificuldade.

         O ovo da serpente

 Me fascinam muito os filmes sobre o ovo da serpente, o parto do diabo. As pessoas comuns – não os figurões, os manda-chuva – diante desse tipo de encruzilhada. O Ovo da Serpente, de 1977, talvez o filme menos bergmaniano de Ingmar Bergman, é um desse tipo. (Aliás, ele foi relançado agora em 2009 em DVD; preciso revê-lo.) Cabaret, do grande Bob Fosse, é outro. Ali, Maximilian von Heune (Helmut Griem), o alemão nobre e muito rico, faz pouco caso do nazismo; acha que eles têm utilidade, o de impedir o avanço do comunismo – e daí a um tempo a Alemanha se livraria deles; bem mais tarde no filme, com o crescimento da força dos nazistas e da sua violência, o inglês Brian Roberts (Michael York) pergunta a ele: “Você ainda acha que poderão detê-los?” O nobre alemão não responde nada.

 Um Amor na Alemanha, do grande Andrzej Wajda, vai fundo nessa coisa de as pessoas irem aceitando sem qualquer reação o crescimento das sombras, do negror. São muitos, de fato, os grandes filmes que falam desse tema tão espinhoso – o recente O Leitor, de 2008, também passa por essa questão da responsabilidade de cada um na formação da responsabilidade coletiva.  

 Mas aqui, neste filme, ele é o tema único, central, básico.

 De início, John também acha, como o Maximilian de Cabaret, que a Alemanha se livraria do nazismo. Maurice, seu amigo judeu, diz isso expressamente: eles vão passar. E o mal vai se agigantando.

 É um bom filme, realmente inquietante e perturbador, essa grande produção anglo-alemã dirigida por Vicente Amorim, um brasileiro nascido em Viena, em 1966, e criado em Brasília e no Rio, filho de Celso Amorim, o ministro de Relações Exteriores do governo Lula. Pelo que demonstra neste filme, o filho é muito melhor de serviço que o pai, graças aos bons deuses.

Vi grandes elogios à interpretação de Viggo Mortensen – a NBC disse que foi o melhor trabalho do ator da trilogia O Senhor dos Anéis, segundo mostra a caixinha do DVD. Não acho que ele esteja tão bem assim – para mim, ele abusa um pouco das caretas, assim como Jason Isaacs, o ator que faz Maurice e foi um dos produtores executivos do filme. Mas isso não tira os méritos do filme – até porque são papéis de fato dificílimos.  

É ótima a idéia de salpicar ao longo do filme seqüências em que John vê as pessoas cantando diante dele – e são sempre músicas de Gustav Mahler, ele também alemão, ele também judeu. O diretor Vicente Amorim soube usar muito bem essa idéia, na medida certa, sem exageros. É muito bonito – e profundamente triste.  

É de fato um bom filme, sobre um tema importantíssimo, fundamental. Deveria servir de alerta para cada um de nós.

Um Bom Homem

 

Um Homem Bom/Good

De Vicente Amorim, Inglaterra-Alemanha, 2008

Com Viggo Mortensen, Jason Isaacs, Jodie Whittaker, Gemma Jones, Anastasia Hile

Roteiro John Wrathall

Baseado na peça de C.P.Taylor

Música Simon Lacey

Produção Good Films, Miromar Entertainment, BBC Films. Estreou em SP 25/12/2008

Cor, 96 min

***

Título em Portugal: Good

5 Comentários para “Um Homem Bom / Good”

  1. Um bom filme mesmo, achei meio chato algumas vezes, mas nada que me fizesse parar. Tb achei que o Viggo Mortensen não está lá essas coisas, não; e que corte de cabelo ridículo foi aquele que deram pra ele? rs. Um fato que achei interessante é que a mulher dele, depois que o cara saiu de casa parece que se curou! Eu, hein?! E a tal Anne? Quando ela falou aquela frase que vc citou no texto, eu já teria ficado com o pé atrás, se fosse ele… depois, deu no que deu. Agora, a mim pareceu que ele não teve mta crise de consciência pra se afiliar ao partido… ele só era passivo demais e foi bastante covarde em relação ao amigo.

  2. Tem uns 30 minutos que acabei de ver este filme, Igual a vc, Sergio,e a Jussara, tbm
    achei um bom filme. Só que para mim, o Vigo
    teve uma atuação muito boa.
    A Jussara enxerga longe. A opinião dela, ge-
    nial, sôbre a mulher do John, sôbre a Anne ,
    eu tbm ficaría com a pulga atráz da orelha
    depois daquela frase, e, sôbre a consciencia
    do John. Como Jussara diz, ele era passivo demais e foi bastante e “MUITO” covarde com
    o amigo.
    Um detalhe, com relação ao que a Jussara diz
    sôbre o corte de cabelo do Vigo. Se é ao fato de ser repartido do lado, naquela época
    era muito comum os homens usarem o cabelo
    dessa forma, uns no lado esquerdo e outros
    no lado direito. Até Hitler, ( meu Deus) usava assim tbm. Repartido no lado direito e, com o agravante de ter um “pega-rapaz”,
    lembran-se disso ?
    Um abraço prá vc Sergio e para a Jussara tbm.

  3. Oi, Ivan, obrigada pelos elogios! Não sei se enxergo longe mas sou bastante ligada. E mulher tem sexto sentido, né? Sétimo também. hehe

    Estava me referindo ao cabelo partido mesmo, o deixou com a cara lambida. Hitler, além do cabelo, ainda usava aquele bigodinho ridículo!

    Abraços para você e para o Sérgio.

  4. O filme coloca mts questões, sobre a autonomia e liberdade. Pode o bem resistir no meio do mal. Aparentemente não.

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