0.5 out of 5.0 stars
Anotação em 2009: Este Rota Sangrenta, de 1955, é um filme altamente recomendável para um tipo bem específico de espectador: os loucos, insanos, tarados por uma peça de museu, por uma produção cara mas ruim como se fosse um B ou Z feito pelo Ed Wood, por um trash, enfim.
Mas ele me fez pensar que na verdade existem dois tipos de grandes abacaxis feitos em Hollywood nos anos dourados, 1930, 1940, até os anos 60. Tem os abacaxis que irritam profundamente, e tem os abacaxis que, de tão abacaxis, acabam divertindo.
Nas garimpagens à procura de velharias que nunca tinha visto antes, outro dia me deparei com um troço chamado A Estirpe do Dragão/Dragon Seed, com a maravilhosa Katharine Hepburn e mais o grande Walter Huston, de 1944. Por coincidência, passa-se na China, como este aqui. Mas aquele lá é um abacaxi irritante. Este aqui é um abacaxi do qual se pode até rir.
OK, mas chega de teoria, vamos ao filme.
Bangue-bangue nos mares chineses
Ele pode ser visto assim como um filme de aventura, na linha dos Indiana Jones ou A Jóia do Nilo. Ou como um western geograficamente deslocado, que em vez de se passar nas pradarias do Oeste americano, ou na paisagem única, quase lunar, do Monument Valley, se passa numa pequena aldeia chinesa e depois no mar. Assim:
Intrépido capitão do mar conduz dezenas de famílias rumo a um porto seguro através de uma rota perigosa, na qual enfrentarão tempestades, revoltas dos inimigos que levam como prisioneiros e ataques traiçoeiros de forças hostis – e, durante a travessia, apaixona-se por bela mocinha.
A bela mocinha é Lauren Bacall, com aqueles imensos olhos claros que haviam enlouquecido ao mesmo tempo o personagem Harry Morgan (outro marinheiro, aliás) e o homem que o interpretava, Humphrey Bogart, o Bogey, no filme Uma Aventura na Martinica/To Have or Not to Have, de 1944. Mas isso é outra história.
É, a sinopse do filme poderia ser exatamente aquela de dois parágrafos acima. Se em Legião Invencível/She Wore a Yellow Ribbon, o John Wayne capitão da Cavalaria levava um comboio através de território cheio de índios aguerridos, por que John Wayne capitão do mar não poderia levar um comboio pelo mar infestado pelos navios comunistas?
Comunistas?
Sim, porque aí é que está. John Wayne capitão da cavalaria, John Wayne nos westerns, este a gente conhece mais. Aqui é um John Wayne não tão conhecido assim: o John Wayne anticomunista ferrenho, de primeira hora, o mesmo que sairia que nem Rambo matando vietcong a rodo em Boinas Verdes para garantir a segurança do Mundo Livre – parente chegado do John Wayne ianque nacionalista que saía matando mexicano a rodo em Álamo para garantir a soberania americana no Texas roubado àquele povo bárbaro do Sul do Rio Grande.
Elogio à China sem Mao, pau na China de Mao
E aqui vou me permitir mais uma pequena digressão. Interessante coincidência essa que me fez ver essas duas porcarias com poucos dias de diferença, A Estirpe do Dragão, de 1944, e este Rota Sangrenta, de 1955. O de 1944 usa o pretexto de um grande elogio ao povo chinês para incentivar o ódio aos japoneses que haviam tanto invadido a China quanto atacado os próprios americanos, durante a Segunda Guerra Mundial. Era um esforço de guerra – guerra mesmo: em 1944, como se sabe, os Aliados estavam lutando contra Alemanha-Itália-Japão.
Em 1955, os comunistas de Mao estavam no poder; os americanos já haviam combatido os comunistas na Coréia; daí a pouco estariam combatendo os comunistas no Vietnã. Então este filme aqui usa o pretexto de um grande elogio ao povo chinês para incentivar o ódio ao regime comunista implantado pouco antes. É também um esforço de guerra – da Guerra Fria.
O capitão de navios mercantes Tom Wilder, o personagem de John Wayne nesta porcaria aqui, que transportava cargas por aquelas bandas orientais, estava preso pelos comunistas; os anciãos de uma pequena vila de pescadores dão um jeito de subornar alguns guardas para liberar o capitão; querem que ele leve todos os habitantes da vila, através da rota sangrenta do título, até Hong Kong. Querem sair da China dominada pelo comunismo rumo ao Mundo Livre.
Dei umas olhadas em mapas, assim que o filme terminou. Francamente, não consegui entender por que os anciãos optaram por aquela rota de 480 km até Hong Kong se poderiam fazer uma viagem bem mais curta até Formosa, mas… Paciência. É provável que os produtores do filme tenham visto mapas melhores que os meus.
Um John Wayne muito engraçadinho
Não é o caso de alongar muito, mas é preciso dizer que John Wayne está de fato muito engraçado como esse Capitão Wilder. Na prisão comunista, que é quando a ação começa, ele parece bêbado – mas preso não bebe, né? Ele passa o filme inteiro conversando com Baby, uma entidade que ele criou para fazer-lhe companhia na prisão, para não enlouquecer. Mas ele conversa com Baby não como se ela fosse uma mulher, e sim como se fosse uma ave, ou um anjo – ele olha para cima quando fala com ela.
Ah, sim, e ele fala um pouco de chinês, ou mandarim, ou seja lá o que for. Claro que John Wayne não aprendeu chinês ou mandarim; ele fala um falso chinês, como os garotos de antigamente falavam um falso inglês, camôni bói! Mas é muito divertido. E de vez em quando ele imita os chineses do filme e fala inglês com sotaque de chinês, o que é mais divertido ainda. E até imita os gestos da fiel empregada da personagem de Lauren Bacall.
Outro ponto muito engraçado é a balsa em que o Capitão Wilder transporta a vila inteira rumo a Hong Kong. Na hora em que entram na balsa, são centenas, bem mais de mil pessoas. Vista de fora, a balsa é pequena – mais de mil pessoas lá dentro ficariam apertadas feito sardinhas na lata. Mas nas tomadas em interiores, na balsa, tudo é grande. A cabine do comandante parece a cabine dos ricos do Titanic, é do tamanho do meu apartamento. A sala em que os chineses ficam é imensa, e as pessoas não estão apinhadas, há espaços confortáveis.
Falta só lembrar que John Wayne foi não apenas o astro mas também o produtor do filme – e, segundo o iMDB, meteu a mão também na direção, embora o crédito tenha ficado com o veterano William A. Wellman. Ele havia começado a produzir seus filmes em 1947. No final dos anos 40 e início dos 50, ele era o astro que mais dava bilheteria no cinema americano; ficou 16 anos consecutivos entre os top 10.
Ah, uma última coisinha. Vi nos créditos iniciais o nome de Anita Ekberg, a sueca voluptuosa (como a gente dizia no tempo dela) que meteu os peitos na Fontana di Trevi em La Dolce Vita, numa das seqüências mais cult da historia do cinema, e que depois incentivava o povo a beber mais leite, no episódio de Fellini em Boccaccio ’70. No entanto, esqueci disso ao longo do filme. Pela lista de atores e personagens, vejo agora, ao fazer esta anotação, que ela interpretou uma das chinesas do filme. Que absurdo. Sequer a reconheci, maquiada para parecer chinesa.
Rota Sangrenta/Blood Alley
De William A. Wellman, EUA, 1955.
Com John Wayne, Lauren Bacall, Paul Fix, Joy Kim, Anita Ekberg
Roteiro A.S.Fleischman
Baseado em sua novela
Música Roy Webb
Produção Batjac, Warner Bros.
Cor, 110 min.
1/2
Título em Portugal: Aldeia em Fuga
Sergio, em “Rastros de Ódio” o John Wayne conhece a língua de várias etnias de índios. Não lembro se aparece ele falando em alguma cena, mas o roteiro dá a entender – com ele explicando algumas coisas a outros personagens – que ele fala as línguas indígenas.
Edmundo, obrigado pela informação. Não me lembrava disso. Já mexi no texto e tirei a frase que dizia que nos westerns John Wayne não falava as línguas indígenas.
O filme em questão é uma tremenda bola fora do diretor William Wellman, um dos grandes nomes do Cinema. Algumas vezes me perguntei se ele não teria dirigido esse filme mais para honrar algum compromisso com o estúdio do que por vontade própria, dado o resultado pífio.
Rapaz você deixou sua opinião (ideologia, talvez ??) politica transbordar no texto a ponto de cair no colo de quem à lê.
Estou agora aqui varrendo o chão da minha sala…rs
Uma pena, prejudicou seu texto no sentido de se saber realmente a qualidade da obra.