3.0 out of 5.0 stars
Anotação em 2009: Em seu 12º longa-metragem (se minhas contas estiverem corretas), os irmãos Coen mantêm firme a ferocidade, o sarcasmo, a crueldade com que costumam retratar a sociedade de seu país.
Este Queime Depois de Ler, sua obra de 2008, parece concluir que a) todas as pessoas são ou safadas, maus caracteres, ou então idiotas, e b) o governo americano gasta fortunas incalculáveis do dinheiro dos impostos arrancados ao povo em absolutas inutilidades, como, por exemplo, a CIA.
Todo o filme transpira talento. Talento sobra, transborda de cada detalhe – a trama intrincada, o roteiro, a fotografia, os movimentos de câmara, todas as interpretações dos ótimos atores, a música fantástica do colaborador de sempre dos Coen, Carter Burwell. A moral da história, quer dizer, a primeira parte da moral da história, que enumerei na letra a, é que incomoda, deixa no espectador um gostinho ruim, amargo, pesado.
A abertura do filme é brilhante, espetacular: é como se estivéssemos vendo a Terra de um satélite, ou o Google Earth – só que com uma definição de imagem absolutamente extraordinária -, a América do Norte, num espetacular zoom em direção a um conjunto de prédios; corte rápido no teto, como se a câmara tivesse entrado no prédio, e temos uma tomada feita com a câmara em carrinho colocado junto ao chão, acompanhando os passos de um homem que anda através de corredores, até entrar numa sala, enquanto um letreiro nos avisa que estamos na sede da CIA, o serviço de inteligência-espionagem do governo americano, em Langley, Virgínia, bem perto de Washington.
Os Coen gostam de brincar com o cinema. Essa coisa de tomada em que a câmara, em carrinho junto do chão, faz um travelling seguindo os pés de uma pessoa através de longos, intermináveis corredores, é um recurso usado diversas vezes no cinema. Philip Kaufman usou e abusou dele em Os Eleitos/The Right Stuff, um impressionante filme sobre a corrida espacial, mas este é só um exemplo.
Os pés no início da ação deste filme aqui são os de Ozzie Cox, analista da CIA que trabalha na seção dos Bálcãs; formado em Princeton, uma das melhores universidades americanas, ele é presunçoso, arrogante, imbecil – um papel sob medida para John Malkovich, esse sujeito que tem passado a vida interpretando John Malkovich, com jeitão afetado, voz afetada, empostada.
Pois Ozzie Cox entra na sala de seu superior e é informado de que perdeu o emprego; o motivo alegado (deve haver outros, é claro) é que ele tem um drinking problem, o eufemismo da língua inglesa para alcoolismo.
Na seqüência seguinte, veremos Ozzie Cox em casa, preparando uma bebida, no momento em que sua mulher, Katie (Tilda Swinton), chega do trabalho. Numa cena que dura não mais que dois minutos, os irmãos Coen fazem um retrato arrasador daquele casamento: Ozzie não consegue contar o que aconteceu para Katie – que será depois definida por uma outra personagem como uma cadela fria e esnobe – porque ela está preocupadíssima com os queijos que vai preparar para receber, dentro de uma hora, alguns convidados.
Um dos convidados que os Cox recebem em sua casa riquíssima é Harry Pfarrer (George Clooney), amante de Katie, ele também casado – com uma mulher que, saberemos depois, também tem um amante.
Todos os personagens casados têm amantes, ou casos eventuais procurados nesses clubes de encontros às escuras; todos têm grande preocupação com sexo, mas nenhum deles tem amor, afeição por ninguém. Os Coen não perdoam nada – a visão que eles têm do mundo que os cerca é absolutamente cruel, arrasadora.
Não fica muito claro exatamente o que Harry – tão bonitão quanto imbecil – faz na vida, além de comer Katie e um bando de outras mulheres. Uma hora se diz que ele trabalha no Ministério da Fazenda, outra que ele trabalha como supervisor de segurança de uma empresa privada – e ele mesmo, numa conversa com Katie, diz que precisa procurar um emprego. O mais provável é que ele viva do dinheiro que sua mulher ganha como autora, de grande sucesso, de livros infantis.
Depois que termina a recepção na bela, mas nada aprazível ou feliz residência dos Cox, Ozzie conta para Katie que pediu demissão. (Claro, ele não iria admitir que foi demitido.) Duramente indagado sobre o que iria fazer a seguir, Ozzie, com a empáfia que o caracteriza, diz que dará consultoria e… escreverá um livro. De novo duramente indagado, agora sobre o tema do livro, responde que escreverá um livro de memórias. Ao que Katie ri com desprezo e ironia, em que se lê o seguinte: mas que raios você tem para contar sobre sua vida absolutamente desimportante, e quem, afinal de contas, vai querer saber da sua vidinha de merda?
Em seguida, veremos que Katie consulta um advogado, que a aconselha a verificar atentamente como estão as finanças do marido antes de avisá-lo de que quer o divórcio. Enquanto isso, numa cena soberba, os Coen mostram para o espectador que, de fato, Ozzie, apesar de trabalhar na CIA, num cargo importante e bem remunerado, não tem absolutamente nada de significativo para dizer ao mundo.
Então temos Ozzie, Katie, Harry (a mulher de Harry, Sandy, interpretada por Elizabeth Marvel, não será muito importante na trama). Falta ainda conhecermos o pessoalzinho da Hardbodies (as legendas traduziram o nome, com alguma imaginação e ao mesmo tempo fidelidade, para Corpos Sarados), uma academia de ginástica de Georgetown, ali pertinho de Washington. Na Hardbodies trabalham Linda (Frances McDormand), Chad (Brad Pitt) e Ted (Richard Jenkins).
Linda é uma figuraça. A primeira seqüência em que ela aparece é hilária – daquela graça amarga, triste, em que os Coen são experts. Linda está no consultório de um cirurgião plástico, combinando quatro diferentes operações – para aumentar os seios, diminuir a bunda, diminuir a barriga e diminuir a gordura dos braços. Ela vai descobrir rapidinho – estamos ainda com no máximo uns 20 minutos de filme – que seu seguro saúde não pagará essas operações.
Ted – muito provavelmente o único ser humano que aparece no filme que não é filho da puta ou imbecil – gosta da colega Linda, mas ela nem percebe. Mais próximo dela é Chad, um garotão bobão.
Cairá nas mãos de Linda e Chad um CD-ROM com trechos das memórias de Ozzie. Chad fica entusiasmado com a descoberta: as revelações de um cara do alto escalão da CIA seguramente poderão render um bom dinheiro, pensa ele. Linda fica igualmente entusiasmada: daí poderá sair a grana para ela fazer as operações plásticas.
Vai começar aí uma incrível trama que os Coen levam como se fosse um thriller de espionagem – a música de Carter Burwell é feita para isso -, envolvendo a embaixada da Rússia e, claro, a CIA.
Incrível como os irmãos Coen pegaram George Clooney e Brad Pitt, dois atores bonitões, endeusados pela mulherada, e criaram para eles papéis de completos imbecis. Clooney até brinca com isso, num dos especiais do DVD do filme – ele diz que é a terceira vez que trabalha em filme dirigido pelos Coen em que faz papel de imbecil; os outros foram E Aí, Meu Irmão, Cadê Você?/O Brother, Where Art Thou? e O Amor Custa Caro/Intolerable Cruelty.
A grande Frances McDormand, mulher de Joel Coen desde 1984, presente em vários dos filmes da dupla, desde o primeiro, Gosto de Sangue/Blood Simple, exatamente do mesmo ano, 1984, é uma atriz boa demais para se importar em fazer o papel de Linda, essa mulher que precisa desesperadamente de um monte de plásticas para achar amantes nos sites de relacionamento na internet. Ela está um brilho, como sempre. E também como todos os demais atores, desde os principais até cada um dos que aparecem pouquíssimo, como o advogado sanguessuga de Katie ou o cirurgião de Linda.
É de fato um filme que esbanja talento. Pena que esbanje também essa visão cáustica, ferina, de que todo mundo é ou safado ou imbecil. Mas paciência. Essa sempre foi a tônica do trabalho desses dois sujeitos que sabem fazer cinema de primeiríssima qualidade.
Queime Depois de Ler/Burn After Reading
De Joel e Ethan Coen, EUA-Inglaterra-França, 2008
Com George Clooney, Frances McDormand, John Malkovich, Tilda Swinton, Brad Pitt, Richard Jenkins, Elizabeth Marvel, J.K. Simmons
Argumento e roteiro Joel e Ethan Coen
Música Carter Burwell
Produção Universal, Working Title, Studio Canal. Estreou em São Paulo 28/11/2008
Cor, 96 min
***
Título em Portugal: Destruir Depois de Ler
Eu amei este filme. Na minha opinião, é o melhor papel do Brad Pitt, como um imbecil de marca, e do George Clooney, como outro imbecil de marca. O filme é totalmente non sense, mas com tiradas muito inteligentes e ágeis.
Eu quase morri de rir, pois é humor negro da melhor qualidade! A última cena do personagem do Brad Pitt no armário,com um sorriso totalmente idiota, é memorável. Li que o ator (Brad) estava com o cabelo detonado por conta de um comercial de produtos para cabelos e que pretendia dar uma melhorada no visual para o papel, porém, a responsável pela caracterização adorou o visual meio galo de rinha e manteve-o assim para o personagem. Foi uma tacada de mestre, pois o cabelo enfatiza ainda mais a falta de cérebro do garoto.
É um filme inteligente, hilário e com um ritmo que não dá tempo e nem vontade de levantar da poltrona.
É uma comédia típica dos Coen, cheia de humor negro e também uma paródia dos filmes de espionagem.
Presentes também traições, chantagens,umas puxadas de tapete, e tal . . .
Voce não gosta do Malkovich, Sergio ?
Ele sempre tem aquela expresão sim, mas eu o acho um grande ator.
Realmente, o Pitt e o Clooney em personagens bem diferentes dos que costumam fazer.
O Pitt então … acho até que havia algo mais (sombrio,duvidoso ?) em seu personagem.
E o Clooney, aquela cara de espanto dele …
E comendo pipoca no cinema ?
Mas o filme tem também sua dose de drama e algum suspense.
Tilda Swinton sempre maravilhosa e Frances McDormand que atriz sensacional.
Ela e o Pitt estão perfeitos com tôda aquela ingenuidade e se achando dois espertalhões.
E a neurose dela com as plásticas ? Vixe ! !
O Jenkins sempre muito bom também, o Ted é que não teve sorte.
E não se pode esquecer também do J.K.Simmons o “picão” da CIA mesmo com pequena atuação.
Um grande filme, gostei muito.
Um abraço !!