2.5 out of 5.0 stars
Anotação em 2009: É enganador o título brasileiro deste filme, Por Amor – assim como o português, que apenas acrescenta reticências ao escolhido pelos exibidores brasileiros. Fica parecendo uma comedinha romântica. Não é.
O tema é extremamente duro, barra-pesada: os personagens principais são familiares de pessoas assassinadas, vítimas da violência absurda que toma conta da sociedade que criamos. O filme trata – como indica o título original, Personal Effects – dos efeitos dessas tragédias sobre os parentes que sobrevivem a elas.
Quando a ação começa, Larry e Annie já estão mortos. Larry era um alcoólatra apaixonado por armas de fogo; foi assassinado a tiros na rua por um colega de bebedeiras e de paixão por armas. Deixa em estado de choque sua bela mulher, Linda (Michelle Pfeiffer), e o filho adolescente Clay (Spencer Hudson), que nasceu surdo e portanto também não fala.
Annie era uma moça de 24 anos, mãe solteira de uma garota de cinco anos, com fama de promíscua e de beber demais; foi morta com requintes de crueldade – seu corpo foi queimado e ela foi abandonada nua nas pedras, junto de um braço de mar. Deixa em estado de choque sua mãe, Gloria (Kathy Bates), e seu irmão gêmeo, Walter (Ashton Kutcher), que, quando o crime aconteceu, estava treinando luta livre em Iowa. O filme não diz qual é a cidade em que se passa a ação – pode ser praticamente qualquer uma. (As filmagens foram perto de Vancouver, no Canadá, bem perto dos Estados Unidos, mas a cidade onde as duas famílias moram é seguramente americana, e não canadense.)
O acusado do brutal assassinato de Annie é um pobre coitado limítrofe, quase deficiente mental, de uns 40 anos de idade, que vive sozinho com a mãe viúva.
Um diretor que tem talento – e está doido para mostrar isso
Essas informações, o espectador vai juntando e processando ao longo dos primeiros 15, 20 minutos do filme. Elas vão sendo passadas de forma esparsa e um tanto desconjuntada pelo diretor e roteirista David Hollander, que, segundo o AllMovie, é um veterano da TV. Não pode ser tão veterano assim, já que nasceu em 1968; de qualquer forma, este aqui é o primeiro filme que ele dirige, e isso fica bem claro por várias características, que podem ser resumidas numa vontade incrível de demonstrar talento. Coisa que, aliás, ele parece de fato ter.
A primeira dessas características é o trabalho de câmara, o tipo de enquadramento que ele escolheu para boa parte de suas tomadas. Volta e meia o diretor entorta sua câmara – e câmara torta é indício quase absolutamente certo de diretor estreante, que quer mostrar personalidade, quer mostrar que é diferente do convencional, do careta, do acadêmico, e aí o que consegue demonstrar é sua própria imaturidade. Além de entortar a câmara, ele usa e abusa de super hiper big close-ups: de repente a tela inteira está mostrando o nariz e um dos olhos do ator Ashton Kutcher. Esse é outro tipo de truquezinho que bons e experientes diretores sabem usar bem, de vez em quando, nos momentos em que aquilo tem algum sentido dramático, algum sentido na narrativa. Usado e abusado, não significa nada, a não ser, de novo, imaturidade.
A própria forma esparsa e um tanto desconjuntada com que Hollander nos apresenta seus personagens no início do filme é outro indício de que é novato. Ele parece optar por aquilo que eu costumo chamar de Podendo-Complicar-a-Narrativa,-Por-que-Simplificar?
A abertura que ele construiu, o lead do filme, é forte, marcante. Vemos o rosto do garoto Clay, o surdo e mudo que às vezes aparenta ser também perto do limítrofe – e o ator Spencer Hudson foi bem escolhido e está bem dirigido. Uma voz em off mostra que é ele, Clay, cujo pai foi assassinado, que está narrando a história – e, ao contrário da aparência dele, de seu rosto de adolescente problemático, o texto que ele narra é firme, elaborado. A contraposição entre a aparência fraca, débil, problemática, quase limítrofe, e o texto adulto e coordenado produz um efeito forte. Ele nos informa que é praticamente um adolescente comum – com a exceção do fato de que é surdo e não pode falar, e que seu pai foi assassinado brutalmente. E diz que adora peixinhos dourados, que vivem como ele cercados por vidro e não ouvem nada.
Os primeiros minutos do filme passam-se em silêncio absoluto – outra bela sacada, para nos dar uma amostra do que se passa na cabeça de Clay. Em outros momentos do filme, em que Clay é o protagonista, o diretor vai repetir esse efeito, desligar o som.
O Clay que vemos nessa primeira seqüência está conversando com a mãe – interpretada por Michelle Pfeiffer – separado dela por uma parede de vidro, como numa prisão.
Em seguida conheceremos Walter, o rapaz de 24 anos que perdeu a irmã gêmea. Walter treina duro num ginásio, pratica halterofilismo, ensaia passos de luta livre. Para ganhar algum dinheiro, faz um trabalho igualmente duro: se fantasia de galinha para anunciar a pizza de uma pizzaria de esquina.
Com uns dez minutos de filme, veremos Walter, sua mãe Gloria e Linda, a viúva de Larry e mãe de Clay, reunidos com outras pessoas, numa terapia de grupo para pessoas que perderam parentes em ações violentas.
O cinema não foi feito para incitar ao ódio
Esse tema duríssimo, que o cinema volta e meia aborda – como enfrentar a perda de ente querido assassinado de maneira brutal, sem qualquer sentido – muitas vezes leva à defesa do ódio, da necessidade de vingança, de justiçamento pelas próprias mãos. É compreensível que muitas pessoas tenham reações nessa direção – dizer o contrário seria arrematada loucura. Mas, na minha opinião, o cinema não existe para isso, para incitar ao ódio – como fazem, por exemplo, filmes como Valente/The Brave One, do irlandês Neil Jordan, com Jodie Foster no papel da radialista que perde o namorado durante um assalto e vira assassina, ou Entre Quatro Paredes/In the Bedroom, em que o casal interpretado pelos ótimos Tom Wilkinson e Sissy Spacek perde um filho assassinado pelo ex-marido de sua então namorada, e busca de todas as maneiras o justiçamento fora da Justiça.
Se você ainda não viu o filme, não leia a partir de agora
Este filme aqui, felizmente, não vai por essa linha. Ele vai fundo na perplexididade em que os crimes mergulham os sobreviventes, no atordoamento que toma conta deles, na falta de sentido de tudo que eles passam a enxergar. Mas, felizmente, repito, não faz a defesa do olho por olho, dente por dente. E só por isso ele já merece elogio e respeito, e torna insignificantes os maneirismos do diretor David Hollander.
Por Amor/Personal Effects
De David Hollander, EUA, 2009
Com Michelle Pfeiffer, Ashton Kutcher, Kathy Bates, Spencer Hudson
Roteiro David Hollander
Baseado no conto Mansion on the Hill, de Rick Moody
Produção Insight Film Studios, Tadora KG, Three Rivers Entertainment
Cor, 110 min
**1/2
Título em Portugal: Por Amor…
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