O Segredo do Grão / La Graine et le Mulet


3.0 out of 5.0 stars

Anotação em 2009: O mais impressionante neste ótimo filme é como o diretor Adbel Kechiche dirige seus atores. É um grupo bem grande de atores, muito deles não profissionais – e eles interpretam com tamanha naturalidade que a sensação que se tem é de que você está vendo um documentário.

É isso: não parece que você está vendo atores. Parece que o diretor, seu câmara e toda a sua equipe técnica conseguiram entrar nos pequenos apartamentos daquelas famílias e filmar suas conversas, sua intimidade. 

Pensei várias vezes nisso, ao longo do filme: parece um documentário. Por isso, não foi nada surpreendente quando, depois que terminei de ver o filme, fui dar uma lida em coisas publicadas sobre ele e  me deparei com uma crítica de um inglês, Matthew Turner, que diz o seguinte: “Um drama maravilhosamente dirigido, com belíssimas atuações e totalmente envolvente que é tão naturalista que várias vezes você tem a sensação de estar vendo um documentário”.

É um filme sobre relações familiares, a vida de imigrantes argelinos enfrentando preconceito e dificuldades de se achar trabalho na França de hoje. O protagonista é Slimane Beiji (Habib Baoufares), um franco-argelino de 61 anos que, quando a ação começa, está sendo demitido do estaleiro no qual trabalhou durante 35 anos, na cidade portuária de Sète, no Mediterrâneo. Slimane está separado faz algum tempo de sua mulher Souad (Bouraouïa Marzouk), com quem teve vários filhos, hoje adultos e com suas respectivas famílias. E está vivendo com Lafita (Hatika Karaoui), ela também descendente de argelinos, dona de um pequeno e pobre hotel, e mãe de uma garota de uns 20 anos, Rym (Hafsia Herzi).

Rym, a enteada de Slimane, é a segunda figura mais importante da história; é ela que mais ajuda Slimane a tocar seu projeto, seu sonho, de transformar um navio que estava havia anos abandonado no porto em um restaurante, em que servirá basicamente o cuscuz preparado por Souad, a ex-mulher. Para tocar o projeto, Slimane vai enfrentar diversas dificuldades, da falta de dinheiro à burocracia, exigências legais, passando pela evidente má vontade de todos os franceses e da máquina estatal para com aquele que ainda consideram um imigrante, um forasteiro, um estrangeiro, não importa que tenha dado sua força de trabalho ao país por três décadas e meia.

            Uma jovem atriz de talento soberbo

E Hafsia Herzi, a jovem francesa descendente de argelinos e tunisianos, que estava com 20 anos quando interpretou o papel de Rym no filme, em 2007, e antes tinha em seu currículo apenas um filme para a TV, é absolutamente extraordinária. É daquelas coisas impressionantes, um talento absurdo, soberbo – e que, além disso, ainda é belíssima. A seqüência em que ela, por dedicação ao padrasto, executa a longa, extenuante dança do ventre, é extraordinária, antológica. Mary e eu concordamos: essa garota Hafsia Herzi é disparadamente a melhor coisa do filme – e ele é, como eu já disse, um ótimo filme.

Sem dúvida que é – embora exatamente aquela característica impressionante, de que parece um documentário, tão naturais estão todos os atores, acabe levando também a seu ponto mais fraco. Há diversas situações em que as conversas das pessoas da família se alongam demais, demais, demais, desnecessária e cansativamente. Bem no começo do filme, quando Slimane vai visitar uma das filhas, há uma seqüência de conversa na cozinha – estão na cena Slimane, a filha, o marido dela e os dois filhinhos – que deve durar uns cinco minutos, ou mais. Logo depois, há uma seqüência em que a ex-mulher de Slimane, Souad, reúne os filhos, os netos e alguns amigos para o almoço de domingo. A câmara, carregada na mão, vai passando de um rosto para outro, depois para outro, depois para outro das pessoas que estão comendo e conversando, falando das coisas do dia-a-dia, nada de importante, marcante, relevante. A seqüência, que deve durar algo em torno de dez minutos, resume as duas características mais importantes do filme: o excepcional trabalho de direção de atores, e a insistência do diretor em fazer seqüências longas demais, de forma, repito, desnecessária e cansativa.  

O filme dura 151 minutos. Seguramente poderia ter meia hora menos, 40 minutos menos; teria sido outro filme, é claro, e talvez não tivesse amealhado tantos prêmios ao redor do mundo – 18, vários deles muito importantes. Ganhou os Césars de melhor direção, melhor filme francês, melhor roteiro original e melhor atriz revelação para a extraordinária Hafsia Herzi. Ela ganhou quatro outros prêmios, e, de 2007 para cá, teve oito outros papéis, incluindo os que estão em pré-produção quando escrevo (em maio de 2009).

Este foi o terceiro longa-metragem de Abdellatif Kechiche, um tunisiano nascido em 1960. Além do César, ele recebeu diversos outros prêmios pela direção e pelo roteiro deste filme.

         As pessoas complicam a vida com bobagens jurássicas

Na história que ele criou, Kechiche parece deixar claro que, como se já não bastassem todos os problemas concretos que os personagens enfrentam – o preconceito, as dificuldades de ser imigrante num mundo cada vez menos receptivo aos imigrantes, a vida dura numa sociedade que não sabe como criar oportunidades de emprego –, aquelas pessoas ainda conseguem complicar um pouco mais a vida com bobagens. Os filhos de Slimane, por exemplo, não conseguem aceitar a nova união do pai e seu bom relacionamento com a enteada, num preconceito imbecil, jurássico, que já deveria ter sido extinto da terra, como os dinossauros e os mamutes.   

Apesar do defeito das seqüências longas demais, o filme de fato consegue envolver o espectador. Quando a narrativa finalmente se aproxima do final, me peguei angustiado, torcendo desesperadamente, como se estivesse vendo um jogo decisivo do Corinthians, para que tudo desse certo para o pobre Slimane. Acho que todos os espectadores têm a mesma sensação.

Segredo do grao

O Segredo do Grão/La Graine et le Mulet

De Abdel Kechine, França, 2007

Com Habib Boufares, Hafsia Herzi, Hatika Karaoui, Bouraouïa Marzouk

Argumento e roteiro Abdel Kechine

Produção Claude Berri, Pathé. Estreou em SP 11/7/2008

Cor, 151 min

***

Título em Portugal: O Segredo de um Cuscuz

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