2.5 out of 5.0 stars
Anotação em 2009: Eterno socialista, não importa quantos muros de Berlim sejam derrubados, não importa o quanto seja clara a pobreza e o atraso dos países que emergiram do comunismo na última década do século XX, o veteraníssimo Ken Loach permanece fiel a suas crenças.
Neste seu filme de 2007, ele investe contra quem explora o trabalho dos imigrantes dos países mais pobres – muitos deles ex-comunistas – na Inglaterra. Mais ainda, ele investe contra a globalização, o capitalismo pós-desabamento do império soviético, a flexibilização dos contratos trabalhistas.
Não me pareceu um grande filme, embora qualquer obra de Ken Leach mereça atenção e respeito. E, mesmo não sendo dos melhores do cineasta, é um filme poderoso, forte, que deixa o espectador profundamente inquieto.
A trama gira em torno de Angie (Kierston Wareing), uma mulher de uns 30 anos, que, embora não tenha muita educação formal, tem garra, determinação e uma imensa capacidade de trabalho. Ela é empregada de uma agência de recrutamento de trabalhadores estrangeiros para levá-los para a Inglaterra, onde realizarão trabalhos pesados, mal pagos, sem contrato formal. É também a mãe solteira de um filho de 11 anos, Jamie (Joe Siffleet), um garoto que é criado pelos pais de Angie, se ressente da ausência da mãe e está tendo problemas na escola.
O filme abre em Katowice, na Polônia, onde Angie, com a ajuda de uma tradutora, está entrevistando candidatos – enfermeiras, gente com diploma universitário, trabalhadores braçais – ao que consideram que possa ser uma vida melhor num país estrangeiro rico.
Atraente, vistosa, longos cabelos louros falsos, Angie repele violentamente uma cantada de um colega de trabalho, no bar para onde vão à noite depois de muitas horas de serviço. Ao voltar para Londres, é demitida. Decide, então, usar seu conhecimento, sua experiência, sua tenacidade, para abrir sua própria agência de recrutamento de mão de obra de estrangeiros para serviços temporários em fábricas e na construção civil; sua única parceira é a amiga com quem divide um apartamento, Rose (Juliet Ellis).
O terreno em que Angie vai pisar é lamacento, escorregadio, perigoso, no limite do ilegal e bem próximo de bandos de criminosos. Dá dinheiro, no entanto – e a ambição faz Angie ir perdendo as noções morais básicas que antes tinha.
A procura pela atriz para interpretar Angie levou quatro meses, informa-se no site da Sixteen Films, a produtora dos últimos filmes de Loach (www.sixteenfilms.co.uk). Kierston Wareing, a atriz finalmente escolhida, conta que já estava pensando em desistir da profissão, embora tivesse estudado arte dramática no Lee Strasberg Theatre na Inglaterra e no Film Institute de Nova York; não estava conseguindo papéis, e uma temporada nos Estados Unidos havia sido amarga. A escolha foi um brilho: Kierston Wareing é a força, a mola propulsora do filme.
Loach tem um método próprio de preparar seus atores. Ele mantém o desenvolvimento do roteiro em segredo – Kierston Wareing não sabia o que iria acontecer com o seu personagem, ficava sabendo da trama à medida em que as filmagens iam avançando. “O clima de segredo é fenomenal”, contou a atriz. “Eu estava dividindo uma casa com a moça dos figurinos. Ela sabia todos os segredos mas não me abria nada.”
Funcionou. É uma bela interpretação, forte, poderosa.
No comentário sobre este filme, o AllMovie diz que ele faz lembrar Classe Operária/Moonlighting, uma obra sombria e bela do polonês Jerzy Skolimowski de 1982, em que um grupo de operários poloneses (Jeremy Irons faz o protagonista) é levado clandestinamente para a Inglaterra para trabalhar na obra de reforma de um prédio. Verdade, lembra sim. Eu, por minha vez, me lembrei de outro filme inglês sobre imigrantes ilegais – Coisas Belas e Sujas/Dirty Pretty Things, de Stephen Frears, de 2002, com Chiwetel Ejiofor e Audrey Tautou. Com todo o respeito devido ao grande Loach, acho o filme de Frears muito melhor, mais sério, mais grave e que vai muito mais fundo no amor pela humanidade.
Mundo Livre/It’s a Free World…
De Ken Loach, Inglaterra-Alemanha-Itália-Espanha-Polônia, 2007.
Com Kierston Wareing, Juliet Ellis, Leslaw Zurek, Joe Siffleet
Roteiro Paul Laverty
Fotografia Nigel Willoughby
Música George Fenton
Produção Sixteen Films, ECM Produktion
Cor, 93 min
**1/2
Nossa, que engraçado, enquanto eu lia o texto me lembrei do filme “Coisas Belas e Sujas”, e no final vc o citou! Fiquei com vontade de ver o “Mundo Livre”.
Voltei pra falar que consegui ver o filme, rá! E gostei. Gostei mais do que eu pensava que fosse gostar, acho que pq assisti sem esperar muito. É um bom filme, envolvente, e a Kierston Wareing realmente está ótima (que pena teria sido se ela tivesse desistido de ser atriz). Muito dura e muito triste a vida desses imigrantes. E mostra um lado da Inglaterra que não costuma ser muito vista nos filmes…
O “Coisas Belas e Sujas” realmente é superior, mas tb eles abordaram questões diferentes sobre a imigração ilegal, não? Acho que o filme do Frears é mais profundo e mais tocante.
O rumo final que a personagem de “Mundo Livre” toma, me surpreendeu negativamente. O “cerumano” é mesmo imprevisível.