2.5 out of 5.0 stars
Anotação em 2009: O cinema italiano tem uma longa, arraigada tradição de misturar política e amor, política e vida, política e a passagem do tempo. Este Meu Irmão é Filho Único, feito em 2007, segue a tradição, mas – sinal dos tempos? – com uma grande diferença em relação à imensa maioria dos nobres antecessores: em vez de ser sério, pesado, duro, tem um tom absolutamente bem humorado.
Mais ainda: durante quase todo o tempo, não leva a política muito a sério. Ao contrário: ri e faz o espectador rir dela.
O diretor Daniele Luchetti não é propriamente um jovem, nem novato: nasceu em Roma em 1960, e seu primeiro longa-metragem, Domani Accadrá, é de 1988. Sua narrativa é tradicional, sóbria, mas ele abusa, especialmente no início do filme, da câmara de mão e dos close-ups.
Irmãos opostos em tudo
Os protagonistas da história são dois irmãos, Accio e Manrico Benassi, filhos de um operário, Ettore (Massimo Popolizio), cristão e levemente conservador, e Amelia (Angela Finocchiaro), uma dona de casa mais progressista que o marido, porém severa. Há também uma irmã deles, Violetta (Alba Rohrwacher), sempre e em tudo bem mais próxima de Manrico que de Accio. A família vive numa casa pobre (pobre, não miserável) em Latina, um lugarejo a uns 60 km de Roma. A trama é contada pelo ponto de vista de Accio – ele é o narrador.
Accio e Manrico, como tantos irmãos na ficção e na vida real, são opostos em quase tudo.
A ação começa no início dos anos 60 – não há, em momento algum, letreiros informando as datas; o espectador tem que se virar para saber a época, mas seu trabalho é facilitado porque o roteiro inclui diversas referências a acontecimentos históricos. Na abertura do filme, Accio, então com uns 12, 14 anos, está num seminário; acredita piamente no Deus da religião católica e quer ser padre; o problema é que Manrico (Riccardo Scamarcio), então com uns 18 anos, o presenteia com uma foto de uma atriz de cinema, que faz o jovem Accio pecar seguidamente com o pensamento e a mão, até compreender que sua vocação não é servir a Deus dentro dos rigores da castidade.
De volta a Latina e à casa dos pais, o jovem Accio (interpretado primeiro por Vittorio Emanuelle Propizio, e, depois dos 17 anos, por Elio Germano) aproxima-se ainda mais do amigo Mario (Luca Zingaretti), um vendedor ambulante de toalhas e tecidos que até parece um bom sujeito, mas tem um problema: é fascista, viúvo apaixonado dos ideais do Duce. Por influência dele, vai se aproximar do fascismo e até tirar carteirinha do MSI.
Manrico, naturalmente, é comunista, assim como sua irmã Violetta – com o apoio implícito da mãe.
As discussões, desentendimentos e brigas entre o fascista Accio e o comunista Manrico não serão nunca muito profundas, ideológicas. Na verdade, serão emocionais, apaixonados, como entre torcedores de times arqui-rivais, e muitas vezes resolvidos no braço.
É durante uma briga no braço, lá pelos 15, 20 minutos de filme, que há um corte no tempo – um belo achado do diretor Daniele Luchetti, que pode até passar despercebido pelo espectador menos atento –, e pulamos ali de 1962, 1963, para algo como o final de 1967, início de 1968. O único personagem que muda de ator é o do jovem Accio – os demais atores permanecem os mesmos.
Nós que amávamos tanto Francesca
Logo depois desse corte no tempo, surgirá na vida dos dois irmãos Francesca (Diane Fleri), uma jovem filha de burgueses, descendente de franceses. É a namorada de Manrico, mas Accio também vai, evidentemente, se apaixonar por ela.
Vamos acompanhar a saga dos dois irmãos, sua família e Francesca através do ano-chave de 1968, e depois até o iniciozinho dos anos 70, quando a esquerda radical – assim como aconteceu em tantos países naquele tempo, da democrática e rica Alemanha Ocidental ao Brasil da ditadura – vai usar as armas como argumento.
Daniele Luchetti leva sua narrativa naquele tom leve, de bom humor, até praticamente o fim, os dez minutos finais, quando então desliga a graça e fica sério.
Ficamos com a sensação, Mary e eu, de que ele não soube muito bem o que fazer para terminar sua história. O finzinho parece um pouco frustrante, mal acabado.
Mas é um bom filme, belo, humano, sensível, inteligente – e engraçado.
Neste ponto, ele se afasta muito do que tradicionalmente é o cinema italiano desde o imediato pós-guerra. Ao contrário do que fizeram todos os grandes e os não tão grandes assim, mas ótimos cineastas italianos, de Visconti a Scola, passando por Elio Petri, Bellocchio, Bertolucci, Monicelli, este aqui não é um filme socialista. Parece querer dizer, na verdade, que as pessoas são mais importantes que as ideologias. Só por isso ele já seria um filme literalmente extraordinário, fora do comum.
“Algo de novo no cinema italiano”
Depois que fiz a anotação assim e a postei no site, li a boa matéria de Luiz Carlos Merten no Estadão de 1º de agosto de 2008, quando o filme estreou em São Paulo. Merten começa dizendo que “algo de novo está se passando no cinema italiano”, e cita os diretores Daniele Luchetti, Paolo Sorrentino e Matteo Garrone. E faz a seguinte definição: “Um filme sobre família e política, que faz a síntese entre Rocco e Seus Irmãos, de Luchino Visconti (1960), e La Meglio Gioventù, de Marco Tulio Giordana (2003). Numa entrevista por telefone, Luchetti aprova a definição.”
Gostei também desta declaração que o diretor Luchetti deu a Merten, falando sobre os filmes italianos dos anos 60 e 70 a respeito de família e política: “Sempre houve o que para mim era um problema. Os diretores tendiam a desumanizar os fascistas, a criar estereótipos pensando somente em seus discursos. Antonio Pennacchi (o autor do livro em que o filme se baseia), por ter sido fascista, fala de dentro. Me agradou essa possibilidade de ser verdadeiro, de tentar entender os pontos de vista dos dois irmãos.”
Meu Irmão é Filho Único/Mio Fratello è Figlio Unico
De Daniele Luchetti, Itália-França, 2007.
Com Elio Germano, Riccardo Scamarcio, Vittorio Emanuelle Propizio, Diane Fleri, Angela Finocchiaro, Massimo Popolizio, Alba Rohrwacher, Luca Zingaretti, Anna Bonaiuto
Roteiro Daniele Luchetti, Sandro Petraglia e Stefano Rulli
Baseado na novela Il Fasciocomunista, de Antonio Pennacchi
Música Franco Piersanti
Produção Cattleya, ThinkFilm. Estreou em SP 1/8/2008
Cor, 108 min
**1/2
Título em Portugal: O Meu Irmão é Filho Único. Internacional em inglês: My Brother is an Only Child
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