3.0 out of 5.0 stars
Anotação em 2009: Há 200 mil filmes sobre o rito de passagem da adolescência para a maturidade, o fim da inocência infanto-juvenil, isso que em inglês chamam de coming of age, que é praticamente um gênero do cinema de Hollywood. Este filme aqui é dos mais belos, mais delicados de todos.
É um filme simples, despretensioso; deve ter tido um orçamento baixo, inclusive – embora seja uma produção de um grande estúdio, a Warner, tem todo o jeito de uma produção independente. Tem uma única locação – uma praia, uma pequena cidade numa ilha, que não se diz qual é. O elenco, pequeno, não tem nenhum astro. O diretor, Robert Mulligan, que eu particularmente adoro, é experiente, mas nunca foi badalado, jamais chegou a ser considerado muito importante.
A única pérola vistosa do filme – além da beleza radiante, solar, mesmerizante de Jennifer O’Neill, uma bela mulher que nunca chegou propriamente a ser uma estrela – é a trilha sonora, feita pelo francês Michel Legrand, um dos maiores compositores do cinema. O tema principal, romântico, nostálgico, melancólico, caiu no gosto popular, está em diversas coletâneas de temas de filmes.
E foi o que aconteceu também com o próprio filme. Caiu no gosto das pessoas; virou não propriamente um cult, porque cult a rigor é filminho metido a besta que agrada a uma patota, um grupo, uma tribo; virou um clássico, um pequeno novo clássico.
É sempre um prazer revê-lo. Em 2002 revi com Mary, mas, na época, só anotei uma frase: “Gostoso de rever, tantos anos depois. Como era linda essa moça, nossa senhora!” Revi mais uma vez agora para botar uma anotação no site. A rigor, nem precisava: é um daqueles filmes que permanecem nítidos na memória da gente. Lembrava de diversos detalhes, tintim por tintim. E, mais uma vez, gostei de revê-lo.
O filme abre com cenas da praia da ilha – uma praia, a rigor, sem nenhum charme, nenhuma beleza especial, ainda mais para nós, brasileiros. A areia é daquelas escuras, que parecem sujas, a vegetação se intromete em trechos da areia, há pequenos morros, elevações bem junto ao mar. Bem, mas então temos cenas da praia, e a voz de um adulto em off contando que passou um verão ali com a família e com os dois maiores amigos, Oscy e Benji.
Garotos normais; não bonitos, não especiais – normais
Vemos, então, os três garotos, de uns 15 anos de idade, andando pela praia – Hermie, o que viria no futuro a ser o adulto que nos narra a história, Oscy e Benji, interpretados respectivamente por Gary Grimes, Jerry Houser e Oliver Conant. E aqui vem o primeiro de um dos muitos acertos do diretor Mulligan. Os três atores escolhidos são gente bastante comum; não são bonitos, nem atléticos, nem nada especial. Nada de gente especialmente bonitinha, como em tantos filmes para adolescentes dos últimos tempos.
Gary Grimes, que faz Hermie, é magrelinho, com o cabelo um tanto anelado, com um pequeno topete, com um rosto normal, nada hollywoodiano ou global, assim como os dois outros. Jerry Houser, que faz Oscy, é meio gordinho; Oliver Conant, que faz Benji, usa grandes óculos. Os três garotos são um tanto desengonçados; Hermie é um tipo mais introspectivo, mais pensativo; Oscy é o falante, expansivo, comunicativo, metido a sabichão; Benji é tímido, desajeitado. Três garotos absolutamente comuns, normais.
E então, enquanto vemos os três garotos se aproximando de uma casa simples de madeira no alto de uma pequena colina debruçada sobre o mar, e, diante dela, um jovem casal apaixonado, o narrador está dizendo o seguinte:
“Nada desde aquele primeiro dia em que a vi, e ninguém que conheci depois, foi tão amedrontador e perturbador. Porque nenhuma pessoa que conheci a vida inteira fez tanto para me fazer sentir mais seguro, mais inseguro, mais importante, e menos significativo.”
Os três meninos estão naquele ponto exato da vida em que tudo é sexo, mulheres, sexo, mulheres, sexo. A câmara caminha pela praia com eles, numa das primeiras seqüências do filme, no meio daquele mar de mulheres expostas ao sol – e os meninos estão no auge da excitação, do tesão. Oscy é o direto, o explícito; Hermie é curioso, mas um tanto mais recatado; Benji é o tímido.
Descobrem um livro com fotos de mulheres nuas e do ato sexual. Ficam loucos.
Num passeio, Hermie vê a jovem mulher da casa da colina se despedindo do marido, que, de uniforme militar, pega um barco para o continente. De uniforme militar. O verão é o de 1942. Em dezembro de 1941 tinha havido Pearl Harbor, e os Estados Unidos estavam na guerra contra o Eixo Alemanha-Itália-Japão.
Oscy ri de Hermie, diz coisas do tipo, mas ela é velha demais! Mas também o incentiva: mulheres mais velhas sempre querem.
Um dia, a jovem mulher da casa da colina vai à cidadezinha fazer compras, deixa cair os pacotes, Hermie corre para ajudá-la.
Um monte de seqüências inesquecíveis
O filme tem uma série de seqüências marcantes, inesquecíveis. Essa seqüência em que Hermie, querendo dar uma de maduro e forte, se dispõe a carregar os pacotes da jovem mulher até a casa dela; a tentativa de estabelecer um diálogo – sem qualquer assunto que possa uni-los – é uma maravilha, uma delícia. A seqüência em que Hermie volta à casa da jovem mulher, a convite dela, para ajudá-la a guardar no sótão umas caixas pesadas de coisas de que ela não precisa muito – ela sobe na escada, com um short e uma blusinha curta, e ele e a câmara ficam embaixo olhando para as pernas dela; quando é a vez de ele subir a escada, as pernas estão bambas, ele treme inteiro.
Uso a expressão jovem mulher porque só bem mais para o final Hermie consegue perguntar a ela seu nome. É Dorothy. Dorothy – como a personagem central de O Mágico de Oz, o filme sensação de três anos antes da ação. Um nome simples, comum, como tudo o que acontece neste filme.
A seqüência da ida ao cinema, em que Oscy descola um grupo de garotas, e lá vão eles, Oscy com uma loura chamada Miriam (Christopher Harris), Hermie ao lado de uma morena chamada Aggie (Katherine Allentuck)… Que maravilha de seqüência! Lá fora do cinema, há cartazes de Tragédia no Circo/The Wagons Roll at Night, com Humphrey Bogart, e Sargento York, com Gary Cooper. O filme que está passando é A Estranha Passageira/Now, Voyager, com Bette Davis e Paul Henreidt – e o espectador vê duas ou três seqüências do filme, que ocupa a tela inteira. O espectador vê mais do filme que está passando no cinema do que Oscy e Hermie, mais preocupados em tentar bolinar as garotas no escurinho do cinema.
E a seqüência da ida à farmácia para comprar camisinha… De novo, que maravilha de seqüência. Mulligan alonga aquilo, não tem pressa alguma para terminar. É uma coisa boba, mas ao mesmo tempo é uma coisa importante para os garotos – e assustadora, apavorante. As carinhas que Hermie faz; a cara do vendedor… Maravilhosa seqüência.
A mais bela de todas virá quase ao final, o clímax do filme. Lindíssima, lenta, suave, profundamente triste. A câmara em travelling dando a volta de 360 graus na sala da casa de Dorothy, suavemente; sinais de muitos cigarros fumados, bebida. Que coisa absolutamente maravilhosa.
Um filme despretensioso que caiu no gosto das pessoas
Essa despretensão toda, essa beleza simples, econômica, suave, muito doce e muito amarga, seria recompensada com quatro indicações ao Oscar. Michel Legrand levou a estatueta de trilha sonora; as outras indicações foram para a fotografia – bela, mais em tons pastel, enevoada, que esplendorosamente colorida, de Robert Surtees -, a montagem de Folmar Blangsted, e o roteiro original para Herman Raucher. Herman – repare-se o nome do sujeito. Herman, Hermie. O filme teve ainda indicações para o Globo de Ouro e o Bafta; ao todo, foram quatro prêmios e dez outras indicações.
Foi a quarta maior bilheteria daquele ano de 1971, depois de O Violinista do Telhado, Billy Jack e Operação França e à frente, veja só, de Diamonds Are Forever, a aventura de James Bond ainda na pele de Sean Connery. Rendeu US$ 20 milhões só nos Estados Unidos. É o que consta no livro The Hollywood Reporter Book of Box Office Hits.
O livro conta que Jennifer O’Neill havia sido modelo e tinha aparecido em muitas capas de revista; fez alguns papéis secundários a partir de 1968, mas “seu papel em Summer of ’42 levou-a ao estrelato”. Hum… Nem tanto estrelato assim. Entre 1975 e 1978 ela fez quatro filmes na Itália; o mais importante deles foi O Inocente, do mestre Luchino Visconti. Estrelou Scanners, de David Cronenberg, em 1981, e depois fez muita coisa para a TV. Continua na ativa – nascida em 1948, estava portanto com 23 quando fez este Summer of ’42 –, mas, pelo jeito, não voltou a fazer nada à altura de sua estonteante beleza. Ah, sim: por um acidente geográfico, Jennifer O’Neill nasceu no Rio de Janeiro, filha de uma inglesa e um descendente de irlandeses e espanhóis; foi criada nos Estados Unidos. O iMDB informa que ela se casou nove vezes.
Tiro também do iMDB as informações abaixo:
Embora o autor Herman Raucher admita ter mexido na ordem de certos eventos e alterado alguns diálogos, o filme é (segundo as pessoas envolvidas) uma descrição acurada dos eventos na vida do próprio Raucher no verão de 1942 na Ilha de Nantucket – olha aí o nome da ilha que não aparece no filme! Ele não mudou sequer o nome das pessoas. Começou a escrever o roteiro como um tributo a seu amigo Oscy, que havia morrido na Guerra da Coréia, mas no meio do trabalho compreendeu que queria escrever uma história sobre Dorothy, de quem nunca mais tinha ouvido falar depois da última vez em que se viram em 1942, conforme mostra o filme.
Numa entrevista na TV, Herman Raucher contou que, depois que o livro foi publicado e o filme, lançado, várias mulheres escreveram para ele dizendo ser Dorothy. Uma das cartas era da verdadeira Dorothy – ele pôde identificar.
Bela história.
Bem, é preciso registrar que este é um daqueles filmes que mudaram de título no Brasil, com o passar dos anos. Foi lançado nos cinemas como Houve uma Vez um Verão; bem mais tarde, quando chegou ao mercado em VHS e depois em DVD, veio com o título com a tradução literal, Verão de 42.
Houve uma Vez um Verão/Summer of ‘42
De Robert Mulligan, EUA, 1971.
Com Gary Grimes, Jennifer O’Neill, Jerry Houser, Oliver Conant, Katherine Allentuck, Christopher Norris, Lou Frizzell
Argumento e roteiro Herman Raucher
Música Michel Legrand
Produção Warner Bros.
Cor, 103 min
R, ***
Filme que sem pretensão segundo o comentário, procurou relatar as coisas que envolvem o adolescente. Amor, sexo, amor.
Com uma música maravilhosa, com imagens simples porém cativantes é exageradamente inesquecível, assim como Romeu e Julieta, love store, Dio como ti amo, horizonte perdido, entre outros . Não vemos mais filmes com trilha sonora iguais aos mencionados
Assisti este filme, quando lançou no Brasil. Eu deveria ter uns 26 anos . Foi como minha adolescência , apaixonado por uma vizinha casada, tal qual o adolescente do filme. Encantado pela beleza dela, muita tesão por ela, cheguei a sonhar com ela muitas vezes.
Este filme foi como uma máquina do tempo, para mim!
Achei o filme muito bem feito, sem a superficialidade dos filmes românticos de Hollywood. Simples, bonito, uma história singular , sensual e apaixonante, sem dizer o Tema do filme, uma canção que entrou em nossas mentes para nunca mais sair! LInda!
Foi o melhor filme que já assisti em toda a minha vida. Vi no cinema em 1978 e de lá pra cá, (2023) já perdi as contas de tantas vezes que voltei a assisti-lo. Acredito que mais de 10 vezes. Tenho uma cópia comigo.
Ele é cômico, romântico, nervoso, triste e muito realista conforme a época relatada. A trilha musical completa a magia do filme.
Se fosse possível, eu gostaria muito de entrar em contato com todos os atores para dar os parabéns pela perfeição da obra.
Hoje 12/08/2023, assisti pela enessima vez esse magnífico filme, vale a pena assistir, tenho uma bela coleção de filmes em CD e blu-ray, esse tem lugar reservado na coleção!
LEMBRO-ME DA PRIMEIRA VEZ QUE ASSISTI. ESTAVA TRABALHANDO NA PLANTAÇÃO. VIM EM CASA PEGAR AGUA PARA OS TRABALHADORES. ESTAVA PASSANDO NUMA SESSÃO DA TARDE DA GLOBO. ASSISTI APENAS UMA PARTE (ESPAÇO ENTRE OS INTERVALOS). FIQUEI FASCINADO. TIVE QUE VOLTAR PARA O TRABALHO. DEMOREI ANOS PARA DESCOBRIR O TÍTULO. DEPOIS DE MUITOS ANOS EU O ASSISTI. E HOJE É UM DOS MEUS FILMES DE CABECEIRA. SEMPRE QUE ASSISTI ELE ME RECONCILIA COM AVIDA. UM CLÁSSICO, ETERNO.
Fui proprietário de cinema no interior. Na época eu tinha 19 anos e marquei este filme para um domingo qualquer. O título: HOUVE UMA VEZ UM VERÃO. Ao ler a sinópse, achei que poderia ser um sucesso, fiz uma baita propaganda, faixa na porta do cinema, etc. O filme foi um sucesso, mas não consegui assistí-lo inteiro. Alguns anos depois o assisti na GLOBO, não sei se Sessão da Tarde ou Primeira Exibição. Me apaixonei pelo filme, por Jennifer O’Neil e pela música. Não sei quantas vezes já o assisti. Tenho em DVD e já perdi a conta. Me identifiquei plenamente com o Gary Grimes porque qual adolescente nunca se apaixonou ou se envolveu com uma mulher madura? Foi meu caso. Um filmaço!