3.0 out of 5.0 stars
Anotação em 2009: Uma bela idéia básica – simples, simpática e inteligente -, bem desenvolvida, com poucos recursos e bastante talento. Eis aí uma muito bem-vinda prova de que o cinema brasileiro pós-retomada sabe, sim, fazer filmes gostosos, porque, graças aos bons deuses, a vida não se resume a carandirus e cidades de Deus.
A bela idéia básica já está no título: sim, é uma receita de um filme de amor. A voz em off do narrador (do grande Paulo José, ótima, com as entonações certas, boa ginga, humor, e um texto ótimo, repleto de boas sacadas, boas piadas) começa ainda nos créditos iniciais, e vai aparecer em diversos momentos do filme inteiro, até o último segundo dos créditos finais. É o narrador que vai dando a receita do filme, adicionando os elementos necessários, corrigindo o que está errado, mandando refazer quando é necessário.
Os créditos iniciais começam com o fundo preto e o título do filme numa tipologia normal, padrão, ao som de uma música que seria apropriada a um thriller. E então o narrador diz que a música está errada, tem que ser romântica; e é preciso uma letra mais bonitinha, um fundo colorido e alegre – e temos então uma melodia romântica, o fundo azul, com desenhinhos de casais.
O narrador diz que precisa de uma protagonista, e temos então uma tomada de gente passando pra cá e pra lá no Viaduto Santa Ifigênia, no Centro de São Paulo; o locutor pede foco, e então a imagem entre em foco. A câmara pega uma mulher gorduchinha, o narrador diz que o ideal seria uma mulher mais magra; surge então uma garotinha, o narrador indica que é preciso de uma mais madura; surge uma senhora de cabelos brancos, o narrador pede uma menos madura – até que aparece Andrea Beltrão, aquela gracinha, e a voz em off aprova, esta sim, é jovem mas não tanto, madura mas não tanto, magra mas não tanto, bela mas não tanto.
O narrador dará um nome a ela, numa seqüência gostosa, em que ela está diante de um caixa de banco e recita diversos nomes improváveis para uma heroína, dos quais Hermengarda é o mais bonitinho, até chegar a Laura. Será Laura, então. Escolheremos a profissão dela, em uma outra seqüência inteligente, inventiva – será uma fotógrafa de casamentos. E agora o narrador pedirá para que se encontre o protagonista masculino – Alan (Cassio Gabus Mendes), dono de uma agência de modelos. Depois haverá a vilã, Lilith, um papel perfeito para Marisa Orth, e seu empregado fiel, um alemão imenso e violento, um skinhead chamado Adolf, de novo um papel perfeito, este para André Abujamra, esse músico de grande talento que é sempre muito divertido também quando ataca como ator.
E por aí vai – uma bela idéia básica simples, simpática, inteligente, e muito bem desenvolvida.
Há diversas boas gozações com o próprio cinema, com o próprio filme que está sendo feito. Logo de cara o narrador lembra que filme de amor tem público certo, já que 54% dos freqüentadores de salas de cinema são mulheres. Mais adiante haverá uma situação em o narrador diz que o cenário romântico ideal seria um castelo na Alemanha ou na França, ou uma praia deserta paradisíaca, mas, como o orçamento do filme é pequeno, tudo o que se conseguiu foi uma praia paulista mesmo, suja com latinhas, papel de sorvete e cocô de cachorro.
A placa do fusquinha da heroína é BEM9999; a do carrão preto da vilã é MAL6666. A piada sobre as cenas de casamento, tão chatas quanto obrigatórias nos filmes de amor, como o narrador lembra, é uma total delícia. Assim como a ótima piada sobre a duração do filme, quando estamos aí com uns 35 minutos de ação. Mas essas não tem sentido entregar aqui: elas têm é que ser vistas.
Como é uma farra, uma gozação, uma brincadeira, o diretor e co-roteirista José Roberto Torero consegue driblar o que me parece o principal problema do cinema brasileiro – os atores. Os quatro principais atores aqui são dos bons que temos, mas não escapam de um certo exagero, caretas demais, caricaturas demais – mas felizmente esse estilo se encaixa perfeitamente dentro da própria proposta do filme.
A música – a trilha é de Mário Manga, experiente e competente – ajuda muito a realçar as piadas, a graça, a leveza.
E há uma seqüência que é do mais absoluto brilho: aquela em que o mocinho, Alan, tenta chamar a atenção da mocinha, Laura, que está trancada dentro de sua casinha de vila paulistana; os vizinhos todos aparecem nas suas casinhas – só Laura não aparece. Um dos vizinhos – uma deliciosa participação especialíssima do veterano Renato Consorte – sugere que Alan cante Eu Sei Que Vou Te Amar, a canção de Tom e Vinicius que já havia aparecido antes no filme. E então todos – Alan, os vizinhos, os passantes – cantam Eu Sei Que Vou Te Amar. É uma pérola de momento, uma maravilha, uma seqüência para entrar em qualquer antologia.
O santista José Roberto Torero, não por acaso, é co-autor do roteiro de outra gema da retomada, o Pequeno Dicionário Amoroso, de Sandra Werneck. Tem talento, tem um belíssimo texto. Que trabalhe mais, muito mais, para o bem do cinema brasileiro e para o nosso prazer.
Delícia de filme bem feito e bem-vindo.
Como Fazer um Filme de Amor
De José Roberto Torero, Brasil, 2004
Com Denise Fraga, Cassio Gabus Mendes, Marisa Orth, André Abujamra, Ana Lúcia Torre
Argumento e roteiro Luiz Moura e José Roberto Torero
Música Mário Manga
Produção Superfilmes. Lançado em São Paulo 29/10/2004
Cor, 85 min
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