Água Negra / Honogurai mizu no soko kara


Nota: ★★★☆

Anotação em 2009: Muita gente seguramente já sabia, mas eu ainda não: Água Negra, de Hideo Nakata, é um ótimo filme. É daquela linhagem de filmes de terror que são realmente apavorantes, mas transcendem o gênero filme de terror, vão além dele.

É uma linhagem que tem grandes filmes – O Iluminado, de Kubrick, O Inquilino, Repulsa ao Sexo e O Bebê de Rosemary, de Polanski. Eu hoje coloco aí também A Mão que Balança o Berço, de Curtis Hanson, que revi mais uma vez outro dia. São, todos eles, filmes que passam longe do terror para adolescentes verem se divertindo e comendo pipoca. Fazem um terror para adultos, psicológico; vão fundo nos nossos medos mais escondidos, os medos que aparecem em nossos pesadelos. São, todos eles, filmes passados na sua maior parte em ambientes fechados, claustrofóbicos.  

Não é à toa que produtores americanos quiseram refilmar a história – assim como já haviam refilmado outra obra de Hideo Nakata, Ringu, de 1998, que virou o tremendo sucesso The Ring, aqui O Chamado, de 2002, dirigido por Gore Verbinski com a ótima Naomi Watts. Os americanos (digo isso volta e meia, aqui) adoram refilmar obras estrangeiras; é como se, para eles, o que foi feito além das fronteiras do Império não existisse – é preciso que eles façam.

agua3Fascinante foi o fato de chamarem um diretor brasileiro para fazer a versão americana deste Água Negra, em 2005, apenas três anos depois do original. Vi o filme de Walter Salles em 2006, e só agora, três anos depois, em 2009, vi o original. Naturalmente, foi impossível não ficar comparando as duas versões.

Mas o fato inconteste, e mais importante do que ficar discutindo se um é melhor que o outro, é que o original japonês é um ótimo filme.

Baseia-se numa novela de Kôji Suzuki, e o roteiro é assinado por Yoshiro Nakamura e Ken’ishi Sukuzi; segundo o iMDB, também meteram suas mãos no roteiro, embora não apareçam nos créditos, Takashige Ichise e o diretor Nakata. Naturalmente, jamais vou saber o quanto os roteiristas foram fiéis à novela que deu origem ao filme – mas o que dá para saber é que é uma história poderosa, e muito bem construída.

         Primeiro, o cotidiano, o dia-a-dia bem normal; depois, o terror

A história parte de elementos absolutamente normais, comuns, cotidianos, de situações bem reais, que todos nós conhecemos. Yoshimi (Hitomi Kuroki), uma jovem mulher entre seus 25 e 30 anos, separou-se do marido, sujeito de boa situação financeira, e os dois estão em disputa na Justiça; a questão não é a partilha dos bens, e sim a guarda da única filha do casal, Ikuko (Rio Kanno), de seis anos de idade. O pai quer a guarda, e a mãe também. Numa audiência diante de duas pessoas que vão decidir a pendência, Yoshimi demonstra estranhamento diante dessa atitude do marido de querer a guarda, já que ele – segundo ela – sempre foi um tanto ausente, a ponto de nem se lembrar do dia do aniversário de Ikuko.

Nessa audiência, mostrada bem no início do filme, um dos dois juízes (sei lá se eles são juízes, ou mediadores, ou o quê; não tenho idéia de como funciona isso no Japão; aqui, claro, seria uma questão para a Justiça comum, estadual, vara de família) pergunta a Yoshimi se é verdade que ela teve que se submeter a tratamento psiquiátrico. Yoshimi se assusta com a pergunta; fica chocada com o fato de o ex-marido ter trazido isso à tona – a gente sempre se surpreende quando, em disputa de ex-casal, algum lado revolve o passado, mexe na lama para tentar garantir uma vitória.

agua2Sim, ela fez tratamento psiquiátrico – admite –, mas isso foi há muito tempo, antes de Ikuko nascer; naquela época, ela trabalhava como revisora de textos em uma editora, e era obrigada a ler muitos textos pornográficos e violentos, e isso a deixou perturbada – por isso procurou ajuda psiquiátrica.

Perguntam então se ela tem uma casa em que criar a filha Ikuko; ela diz que está naquele momento procurando um apartamento para alugar.

Provavelmente pela pressa em achar logo um apartamento, ou em parte por isso e em parte por causa do dinheiro curto, Yoshimi aceita alugar um apartamento em um prédio velho, sombrio; sequer percebe, na primeira visita, com o corretor, uma mancha no teto de um dos quartos, que indica que o apartamento tem problemas de vazamento de água.

A verdade – o espectador vai percebendo isso com nitidez – é que Yoshimi não é propriamente uma mulher forte, destemida, capaz de enfrentar sozinha os muitos pequenos e grandes problemas que a vida coloca diante da gente a cada dia. Ao contrário, é uma pessoa um tanto frágil; as adversidades a deixam tensa, nervosa, podem levar a um descontrole emocional. Tem problemas psíquicos, psicológicos; não teve uma infância feliz; a mãe era ausente, e muitas vezes ele tinha que ficar sozinha na escola, depois que todos os colegas tinham ido embora com seus pais, porque a mãe se atrasava para pegá-la.

Todas essas questões materiais, somadas ao arcabouço de problemas emocionais, vão tornar Yoshimi ainda mais frágil. Mas o pior ainda está por vir – e o pior é o terror. A mancha de água no teto é só o primeiro sinal, um dedinho do gigantesco terror que vai atacar Yoshimi dentro de seu apartamento, de seu prédio.

         Uma produção aparentemente modesta – e com muito talento

agua1Aparentemente, o diretor Hideo Nakata não teve um grande orçamento para fazer seu filme, embora em 2002 ele já tivesse uma filmografia de respeito, que incluía O Chamado, Ringu, e sua continuação, Ringu 2. (Ringu está, por exemplo, na seleção dos melhores filmes de horror do livro 501 Must-See Movies.) Não é uma produção que demonstra custo alto; ao contrário, indica que de fato havia mais talento que dinheiro para fazer o filme. Mas o talento compensa, e muito, a produção não muito cara. O filme é muito bem feito, em todos os aspectos técnicos. Os efeitos especiais não são hollywoodianos, mas de fato despertam medo no espectador.

As duas atrizes principais, que fazem a mãe e a filha, Hitomi Kuroki e Rio Kanno, estão ótimas. O crescimento do terror se reflete com perfeição no rosto de Hitomi Kuroki – é impressionante. A trilha sonora é discreta na maior parte do tempo e pontua com brilho os momentos de pior horror.

         O original é tão bom quanto a refilmagem cara – no mínimo

Walter Salles teve bom orçamento, boas condições para dirigir a refilmagem americana. Contou com um belíssimo elenco, a partir de Jennifer Connelly, essa moça de beleza absurda, grande talento, e uma capacidade infinita de interpretar personagens angustiados, enfrentando situações-limite – e que inclui também os ótimos John C. Reilly, Tim Roth e Pete Postlethwaite. Teve o luxo de contar com Angelo Badalamenti, o compositor de diversas obras de David Lynch, para fazer a trilha sonora – e é um brilho a trilha que ele compôs. Os efeitos especiais são o puro estado da arte.

Depois de ver o original, dei uma olhada em trechos da refilmagem. É um belo filme, o de Walter Salles; o roteirista Rafael Yglesias fez uma excelente adaptação da história para a sombria, lúgugre Roosevelt Island, ao lado de Manhattan, na capital do Império. O final – que diz a mesma coisa que o original, com considerável mudança na forma – é um grande achado.

Normalmente costumo questionar por que refazer filmes que são muito bons. Não é o caso de fazer esse questionamento aqui, porque o Dark Water de Walter Salles é um ótimo filme. (Dá vontade de revê-lo inteiro, o que quero fazer em breve.) Mas a verdade é que o original de Hideo Nakata é tão bom quanto a refilmagem americana. No mínimo. É um grande filme.

Água Negra/Honogurai mizu no soko kara

De Hideo Nakata, Japão, 2002

Com Hitomi Kuroki, Rio Kanno, Mirei Ogushi, Yu Tokui

Roteiro Yoshiro Nakamura e Ken’ishi Sukuzi; mais Takashige Ichise e Nideo Nakata (não creditados)

Música Kenji Kawai, Shikao Suga

No DVD. Produção Honogurai mizu no Soko kara Seisaku Iinkai

Cor, 101 minutos

13/10/2009.

***

4 Comentários para “Água Negra / Honogurai mizu no soko kara”

  1. Vi este filme há pouco tempo e francamente não sou capaz de dizer qual das duas versões gostei mais.
    Gostei das duas e um dia destes vou ver o remake.
    Parece que os americanos se vão dedicar exclusivamente a remakes de filmes “estrangeiros”; assim já não precisam de pensar, para eles cada vez é mais difícil…
    E a crise continua – menos receitas e menos espectadores.
    Basta ver em http://www.boxofficemojo.com/

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